Classe C vai gastar mais para alimentar o carro do que para alimentar a família.

Carros e motos já aparecem como prioridade de consumo na nova classe média brasileira. Esta tendência foi apontada numa pesquisa divulgada em outubro de 2010 pelo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), e revelava que cerca de 30% das pessoas da classe C planejavam comprar um carro até fevereiro de 2011.

Um apontamento feito pela Data Popular mostrou que o aumento do valor dos veículos e a busca por modelos mais sofisticados faz com que a classe C invista até 70% a mais para aquisição do automóvel. Além disso, cresceram também os gastos com seguro, manutenção e acessórios. Para se ter uma ideia, a nova classe média do Sul é a mais motorizada no país sendo que cerca de 67% das famílias têm automóvel, contra 49% das do Norte e do Centro-Oeste.

Teoricamente, a classe C gastaria mais para alimentar um carro do que para alimentar a família e, se o carro for financiado, o comprometimento poderia representar quase 70% da sua renda.

Vamos imaginar que a média de consumo de combustível de um carro popular seja 12 quilômetros por litro de gasolina dentro da cidade de São Paulo, sem contar com as horas paradas no trânsito.

Uma pessoa que circula 20 quilômetros por dia apenas para trabalhar vai percorrer 4.800 quilômetros por ano e vai desembolsar cerca de R$ 1 mil apenas com combustível.

Se somarmos outras despesas de um carro popular zero quilômetro, vamos ter mais ou menos os seguintes gastos por ano, sem contar custos de manutenção e aumento do combustível.

– R$ 1.000,00 gasolina
– R$ 1.500,00 seguro
– R$ 2.400,00 estacionamento
– R$ 1.200,00 IPVA

Chegaríamos a um custo de R$ 508,00 por mês para alimentar o carro, quase um salário mínimo (R$ 545,00).

Segundo o IBGE, as classes sociais são divididas por faixa salarial:

– classe A (entre R$ 6,6 mil e R$ 11 mil);
– classe B (entre R$ 2,2 mil e 3,8 mil);
– classe C (R$ 1,1 mil);
– classe D (R$ 570);
– classe E (R$ 300).

Sem uma política de transportes públicos adequada, vamos “produzir” uma bolha insustentável de endividamento na classe C muito acima do razoável. O que acontece quando a inadimplência aumenta? O número de consumidores que não honraram suas dívidas aumentou 21,4% no primeiro trimestre do ano, em relação ao mesmo período de 2010. Na comparação com fevereiro, houve um crescimento de 3,5% em março. Em relação ao mês de março de 2010, o aumento foi de 14,4%, de acordo com o Indicador Serasa Experian de Inadimplência do Consumidor.

O aumento das vendas de automóveis para esta classe é insustentável e trará graves implicações para a economia e o desenvolvimento da cidade.

O que evitaria esta catástrofe? O aumento dos juros ou uma política de desenvolvimento social que possibilite levar para os bairros mais afastados trabalho, saúde e lazer, evitando grandes deslocamentos?

* Lincoln Paiva é diretor da Green Mobility Brazil.

** Publicado originalmente no site EcoD.