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Ordem de prisão contra Gadafi mostra o curto braço da justiça

Nova York, Estados Unidos, 29/6/2011 – O Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, dependerá da cooperação de governos para deter e julgar o líder líbio Muamar Gadafi, pois não tem ferramentas próprias para fazê-lo. A corte emitiu ordens de detenção contra Gadafi, seu filho Seif al Islam al Gadafi, e seu chefe de Inteligência, Abdullah al Senussi, acusados de crimes contra a humanidade.

O TPI citou evidência de assassinatos e perseguições ocorridas entre 15 e 28 de fevereiro, durante os primeiros protestos populares contra o regime de Gadafi. O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, no final daquele mês, uma resolução que enviou o caso da Líbia ao TPI, e pediu às autoridades de Trípoli que “cooperassem plenamente” com o Tribunal.

Em 16 de maio, duas semanas após a abertura de uma investigação sobre a situação na Líbia, o promotor-chefe do TPI, Luis Moreno-Ocampo, pediu que fossem emitidas ordens de prisão. Embora a Líbia não seja um dos 116 países que reconhece a corte (Tunísia, o mais recente, aderiu há dois dias), o Tribunal tem jurisdição sobre crimes de guerra, contra a humanidade e genocídio nesse país do Norte africano pelo fato de o caso ter sido remetido pelo Conselho de Segurança da ONU.

Entretanto, o TPI não tem capacidade de prender os acusados. Esta responsabilidade é dos países e de seus governos. A organização internacional Human Rights Watch (HRW), com sede em Nova York, elogiou as ordens de prisão, e disse que são um sinal de que “a lei pode alcançar inclusive os que se consideram acima dela”. Porém, especialistas reconhecem as dificuldades para enviar Gadafi e os seus à justiça.

A dependência do TPI dos governos para realizar prisões supõe um grande obstáculo, especialmente quando as autoridades dos Estados podem ser também cúmplices dos crimes investigados. Neste paradoxo “reside a debilidade” de muitos tribunais internacionais, disse Richard Dicker, diretor do programa de Justiça Internacional da HRW. “O caminho entre a ordem de prisão e a prisão em si pode ser longo”, afirmou à IPS.

Ninguém pode prever quando Gadafi, Sefi e Senussi serão presos, e a história tem antecedentes díspares. Acusado perante o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, em 1995, por crimes de guerra, incluindo genocídio, o ex-general sérvio-bósnio Ratko Mladic foi preso somente no mês passado. Já a ordem de prisão contra Charles Taylor, ex-líder da Libéria, foi emitida em junho de 2003 e ele foi preso em março de 2006.

Embora às vezes lento, o sistema internacional de justiça é “extremamente efetivo” em colocar no banco dos réus responsáveis por crimes graves, disse à IPS o coordenador da Coalizão para o TPI, William Pace, que, entretanto, reconheceu que às vezes as prisões podem demorar. No final das contas, os resultados dependerão da cooperação dos funcionários que cercam Gadafi e de estes serem capazes de detê-lo e entregá-lo ao Tribunal.

Enquanto isso, o Conselho de Segurança da ONU se reuniu no dia 27, cem dias depois de começarem as operações da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na Líbia. O subsecretário-geral das Nações Unidas para Assuntos Políticos, B. Lynn Pascoe, fez uma resenha aos delegados sobre a “frágil situação na região”. A Otan mantém seus ataques aéreos contra o reduto de Gadafi em Trípoli, e a cerca de 50 milhas dali prosseguem os combates, acrescentou.

Na frente humanitária, mais de 1,1 milhão de pessoas fugiram do território líbio até o dia 23, enquanto, desde 29 de maio, equipes humanitárias da ONU conseguem ter acesso a algumas áreas para fornecer ajuda. Na mesma reunião, o representante da África do Sul apresentou as demandas da União Africana para uma “imediata pausa nos combates e bombardeios liderados pela Otan, com o fim de garantir o respeito à população civil”.

A aliança ocidental foi criticada pelas baixas civis causadas pelos ataques aéreos. Na semana passada, a Otan admitiu que um de seus bombardeios matou nove pessoas não combatentes. O representante sul-africano destacou que “é preciso uma solução política em lugar de uma militar” para conseguir a paz na Líbia.

Um porta-voz da secretaria geral da ONU disse que não tinha comentários a fazer sobre as ordens de prisão, e destacou que o TPI é um órgão independente. Por sua vez, Moreno-Ocampo anunciou que pode abrir uma segunda investigação sobre crimes cometidos durante os enfrentamentos entre o regime de Gadafi e os rebeldes, apoiados pela Otan, já que a atual só cobre as semanas anteriores ao conflito. Além disso, se aplicadas em um número limitado de tempo, as ordens de prisão existentes são apenas por crimes contra a humanidade, para os quais existem evidências, e não por crimes de guerra.

A HRW anunciou que pedirá ao promotor-geral do TPI a investigação de possíveis crimes cometidos por todas as partes, incluindo a Otan e os rebeldes líbios. Apesar das incertezas, Pace se mostrou otimista, e disse que o impacto das ordens de prisão “traz esperança”. Também afirmou que as ações sobre a Líbia por parte de “organizações regionais, do Conselho de Segurança, dos governos árabes e da Otan quase certamente preveniram mais crimes”. Ao final, estes esforços “podem acabar com outra ditadura repressiva”, acrescentou. Envolverde/IPS