A hereditariedade para o comportamento de beber, bem como para o abuso e a dependência, é complexa e indica o envolvimento de múltiplos genes, cada um contribuindo para aspectos distintos. A base genética relacionada a este comportamento, em humanos, ainda é pouco conhecida, apesar de sua importância clínica e social.
As diferenças no consumo de bebidas alcoólicas são um reflexo da grande variabilidade do estilo de vida, comportamento e normas sociais que influenciam o ato de beber. Além disso, cerca de 40% dos riscos de desenvolver um transtorno relacionado ao uso de álcool (abuso ou dependência) podem ser explicados pela genética. Sabe-se também que a influência dos fatores genéticos sobre o uso de álcool aumenta gradualmente na medida em que os indivíduos envelhecem.
Com base nesse contexto genético, pesquisadores buscaram identificar os mecanismos genéticos associados ao consumo de álcool. O estudo, publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, analisou a associação entre o genoma de 26.316 pessoas, provenientes de 12 populações de descendência europeia, e o consumo individual de álcool (gramas por dia e peso corporal). A mesma análise foi replicada em outros 21.607 consumidores de bebida alcoólica.
“Além de fatores genéticos, vários outros fatores podem influenciar os riscos de desenvolver um transtorno relacionado ao uso de álcool. Dentre eles, há fatores sociodemográficos e ambientais, como idade, gênero, renda familiar, etnia, cultura, política do país em relação ao consumo e acesso, ambiente familiar, entre outros. O indivíduo também pode ter outros transtornos psiquiátricos, ou comorbidades, que podem influenciar no desenvolvimento de abuso ou dependência alcoólica”, explica Camila Magalhães Silveira, psiquiatra pesquisadora do tema e coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa).
“Gene do alcoolismo”?
Os resultados apontam que o gene AUTS2 esteve significativamente associado ao consumo de álcool. Dos dois alelos – versões ou formas alternativas do mesmo gene – do AUTS2, um é três vezes mais comum do que o outro, sendo que os indivíduos com a forma menos comum bebem em média 5,5% menos álcool do que as pessoas com a forma mais comum. Além disso, os resultados em modelos animais e em exames post mortem (após a morte) também indicaram o mesmo gene como potencial regulador da ingestão de álcool.
“A descoberta desse gene com potencial função reguladora no consumo de álcool acrescenta mais uma peça na compreensão dos mecanismos genéticos que influenciam o consumo de bebidas alcoólicas. O consumo de álcool está associado a mais de 60 tipos de doenças e lesões e é responsável por 4% das mortes no mundo e 4,5% da carga global de doenças. A morbimortalidade associada ao uso de álcool é causada não só pela dependência, mas, em grande parte, pela quantidade e padrão de uso dessa substância”, explica a pesquisadora.
“Esta pesquisa acrescenta mais uma peça na compreensão dos mecanismos genéticos que influenciam o consumo de bebidas alcoólicas”, diz Silveira. De acordo com a especialista, isto é relevante do ponto de vista da prevenção, que pode ser mais focada a indivíduos com predisposição genética para desenvolver algum transtorno relacionado ao uso de álcool, como filhos de dependentes de álcool.
* Com informações do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa).
** Publicado originalmente no site O que eu tenho.