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Sul-Sul: a África pode ir além das matérias-primas

Johannesburgo, África do Sul, 1/7/2011 – A cooperação Sul-Sul ocupa um lugar destacado na agenda do continente africano. Liderando o caminho está a África do Sul, que se uniu a Brasil, Rússia, Índia e China para formar o bloco Brics.

Rob Davies.

A IPS conversou com o ministro de Comércio e Indústria sul-africano, Rob Davies, sobre o futuro do comércio Sul-Sul e o impacto da proposta Área de Livre Comércio Tripartite (T-FTA) nas relações com as emergentes economias do continente. O T-FTA estaria formado pela Comunidade da África Oriental, pelo Mercado Comum para a África Oriental e Austral e pela Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral.

IPS: Como é a atual relação comercial da África do Sul com os países Bric?

ROB DAVIES: Vemos um grande aumento do intercâmbio entre África do Sul e os países Bric. As exportações sul-africanas quadruplicaram entre 2006 e 2010, e nossas importações duplicaram no mesmo período. Por outro lado, nosso comércio com outros países em desenvolvimento teve uma significativa queda em 2009, e, apesar de alguma recuperação no ano passado, ainda está nos níveis de 2008. Assim, o que se pode ver é uma mudança na tendência do comércio Sul-Sul, e essa é a política que estamos procurando.

IPS: Como o governo sul-africano deseja que o comércio Sul-Sul se desenvolva a partir de agora?

RD: O que tentamos é mudar algo na qualidade do comércio que temos com os países Bric. Por exemplo, nós, na África do Sul, fornecemos principalmente produtos primários, mas também temos intercâmbios bilaterais que queremos fortalecer. Queremos vender a esses países produtos com maior valor agregado para podermos enfrentar e, inclusive, eliminar, os desequilíbrios que existem nas relações comerciais neste momento. E, dentro do contexto africano, queremos ter mais equilíbrio comercial com o restante do continente. Não podemos simplesmente continuar vendendo-lhes se existe um grande desequilíbrio, que é algo que reconhecemos.

IPS: Então, quer que a África faça mais do que exportar matérias-primas e recursos?

RD: Sim. É isso que buscamos, construir uma série de relações com outros países do Sul e do continente africano. Porque os princípios que são geralmente mencionados nos acordos comerciais não são respeitados, como os benefícios mútuos e a reciprocidade. Queremos que esses princípios sejam colocados em prática nas relações comerciais com outros países em desenvolvimento, inclusive os do continente africano.

IPS: Acredita que ser parte do T-FTA dá mais peso à África do Sul dentro do Brics?

RD: Creio que já representamos a África por termos um mandato. Está muito claro que os países Bric sentiram que lhes faltava algo do continente africano quando decidiram ampliar o grupo. Assim, nos escolheram por sermos um ator-chave no continente. A dinâmica e as relações entre nós e o Bric, e entre nós e a África, são muito estreitas.

IPS: Portanto, acredita que os países Bric começaram a ver a África como uma entidade mais unificada graças ao T-FTA?

RD: Esperamos que sim. Já disse antes: não é muito difícil encontrar alguém que construa a infraestrutura desde a mina até o litoral para tirar as matérias-primas do continente africano. Há muitos dispostos a fazê-lo. Mas, um osso mais duro de roer é a construção da infraestrutura que nos conecta, porque todas as principais rotas de comunicação no continente africano vão do interior para o mar. Não vão de norte a sul nem interligam populações. E acredito que é aí que está o desafio. Gostaríamos de trabalhar com outros sócios sobre esse tipo de desafio de infraestrutura para melhorar as conexões, a logística de transporte entre centro, leste e sul da África.

IPS: E qual a reação dos países Bric à proposta T-FTA?

RS: Não sei de nenhum comentário específico feito desde a cúpula, mas compartilhamos ideias por este projeto antes, e conversamos em várias ocasiões durante nossas interações. Todos o consideram muito positivo e um acontecimento importante. Todos os países Brics se envolvem cada vez mais no continente africano, e todos sabem que a África é uma fonte de oportunidades. Creio que esta é uma grande mudança ocorrida desde a recessão: a África agora é cada vez mais reconhecida como uma fonte de oportunidades. Vários estudos indicam que o continente tem as maiores possibilidades de crescer em nível mundial, depois de China e Índia.

IPS: O comércio Sul-Sul é mais atraente para a África do que as históricas relações Norte-Sul?

RD: Creio que temos uma clara oportunidade histórica de criar um novo padrão de relações comerciais baseadas no verdadeiro cumprimento dos benefícios mútuos. Até certo ponto, o modelo de comércio Norte-Sul é replicado no comércio Sul-Sul, já que a África fornece matérias-primas. Isto ocorre por haver novos atores, a China estar se industrializando e criando um boom com relação às matérias-primas, e os preços estarem em alta. Mas o continente africano está bem consciente de que não pode continuar vivendo com base em um boom de matérias-primas, nem confiar que ele continuará para sempre. Temos que desenvolver uma atividade que tenha maior valor agregado. Portanto, creio que, entre outras coisas, estamos procurando o comércio e a cooperação Sul-Sul para avançar. Envolverde/IPS