Internacional

Ativismo religioso abençoa uma Cuba sem homofobia

Integrantes de associações religiosas e ativistas da comunidade LGBTI participam na capital de Cuba de uma conga (dança popular cubana) pela diversidade sexual, durante a VIII Jornada Contra a Homofobia e a Transfobia, que começou último dia 5 e terminará amanhã. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Integrantes de associações religiosas e ativistas da comunidade LGBTI participam na capital de Cuba de uma conga (dança popular cubana) pela diversidade sexual, durante a VIII Jornada Contra a Homofobia e a Transfobia, que começou último dia 5 e terminará amanhã. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Por Ivet González, da IPS – 

Havana, Cuba, 15/5/2015 – Mais de 30 casais de gays e lésbicas foram abençoados por pastores protestantes, que se somaram ao ativismo pelos direitos sexuais nesta ilha do Caribe e participam da VIII Jornada Cubana Contra a Homofobia e a Transfobia. O culto ecumênico aberto a um público diverso no Pavilhão Cuba, em Havana, no contexto desta jornada, selou o compromisso de alguns setores progressistas cristãos na luta para legitimar estas uniões, altamente discriminadas e sem reconhecimento legal no país.

“São grupos que trabalham dentro das próprias igrejas para motivar um discurso inclusivo, respeitoso e de amor”, disse a sexóloga Mariela Castro, diretora do estatal Centro Nacional de Educação Sexual, que organiza esta atividade.

As jornadas contra a discriminação das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexuais (LGBTI) começaram a acontecer anualmente em Cuba em 2007, em datas prévias a 17 de maio, quando é celebrado o Dia Internacional Contra a Homofobia e a Transfobia. A VIII Jornada terminará na cidade de Las Tunas e abre uma campanha bianual contra a homofobia no espaço trabalhista.

Há alguns anos, lésbicas e gays de diferentes credos protestantes integram suas demandas a estas campanhas, desejando igrejas onde possam participar livremente de suas liturgias e estruturas sem ocultar sua relação sentimental com pessoas do mesmo sexo.

“A fé também pode ser um espaço para que as pessoas LGBTI reconheçam seus direitos”, disse à IPS a teóloga Elaine Saralegui, principal defensora do incipiente movimento cristão pela diversidade sexual no país. Saralegui lidera o projeto “Abrindo brechas de cores” na cidade de Matanzas, 105 quilômetros a leste de Havana.

Ignorando os olhos escandalizados de fundamentalistas bíblicos, pessoas não heterossexuais de diferentes igrejas protestantes começaram há um ano essa iniciativa, que busca enfrentar a homofobia no âmbito eclesiástico e articular com ativistas religiosos e instituições ecumênicas seguidoras destas causas.

Como precedente têm o grupo Somos, de apoio e auto-ajuda entre pessoas LGBTI, que desde 2012 funciona na Primeira Igreja Batista de Matanzas por sugestão de seus pastores. “No começo não tínhamos experiência sobre o que iríamos fazer e nas reuniões só contávamos o que havia ocorrido conosco, víamos filmes ou debatíamos algum texto bíblico”, recorda Saralegui, de 34 anos e companheira desde 2008 de outra jovem de confissão protestante.

Como o tempo, a notícia correu de boca em boca e para os encontros chegaram gays e lésbicas de diferentes igrejas, religiões ou sem nenhuma religião, que encontraram um espaço para fortalecer sua auto-estima, deprimidas pelo estigma social.

Roger La Rade, da dissidente Igreja Católica Independente de Toronto, no Canadá, durante a benção ecumênica a casais do mesmo sexo, organizada por líderes protestantes cubanos no Pavilhão Cuba de Havana, durante a VIII Jornada Contra a Homofobia e a Transfobia. Foto: Jorge Luiz Baños/IPS
Roger La Rade, da dissidente Igreja Católica Independente de Toronto, no Canadá, durante a benção ecumênica a casais do mesmo sexo, organizada por líderes protestantes cubanos no Pavilhão Cuba de Havana, durante a VIII Jornada Contra a Homofobia e a Transfobia. Foto: Jorge Luiz Baños/IPS

“Quando nas reuniões tivemos mais de 50 pessoas nos demos conta de que havíamos ultrapassado nosso objetivo inicial e deveríamos nos abrir”, disse a estudiosa da teologia “queer”, como se define a rejeição a divisões entre heteros e homos e designa as expressões sexuais diversas.

“Abrindo Brechas” realiza semanalmente conversação e vídeo-debates para sensibilizar quanto à diversidade, e reuniões de crescimento espiritual e apoio mútuo entre homossexuais. Também organizam sessões científicas para vincular as pesquisas sobre sexualidade com as teológicas.

Embora nas igrejas protestantes cubanas não seja comum a teologia feminista nem a que inclui as diversidades sexuais, o grupo promove enfoques teóricos que poderiam apresentar outra dimensão de justiça social para a igreja. O tabu da sexualidade, a leitura viciada da Bíblia e os fundamentos patriarcais de quase todas as religiões são aspectos que assentam a discriminação homofóbica nas igrejas, afirmam especialistas.

O sincretismo caracteriza a população religiosa cubana, que é estimada em 60% dos 11,2 milhões de habitantes do país. A maioria se inscreve na fé católica, cujo batismo é um requisito dentro da Santería, a outra religião, de origem africana, comum na ilha. Mas nos últimos anos cresceram os seguidores de credos protestantes, alguns fundamentalistas.

Para Orestes Milián García, a devoção que aprendeu dentro de uma família conservadora o fez pensar em si mesmo como um ser “desviado” por sentir atração por outro homem. Por esse motivo abandonou a igreja metodista que frequentava desde os 17 anos e na qual chegou a ser líder laico.

“Sentia que Deus era quase um inquisidor”, contou à IPS este jovem de 25 anos, formado em informática e professor em uma escola primária de Matanzas. Dois anos depois integrou-se a uma igreja batista mais aberta onde foi possível reconhecer sua identidade sexual e participar com seu companheiro, um estudante de medicina.

Algumas igrejas protestantes conseguiram avanços em matéria de gênero, como a ordenação das mulheres ao ministério pastoral, sobretudo entre a comunidade batista e presbiteriana. Mas, em geral, o cristianismo avalia a homossexualidade como um pecado que deve ser castigado e corrigido, incluída a Igreja Católica, que em Cuba se mantém eloquentemente à margem das jornadas contra a homofobia, apesar de ser a maioria.

Entre as 28 modalidades reconhecidas pelo Conselho de Igrejas de Cuba, entidade ecumênica não governamental núcleo desta comunidade religiosa no país, não existe uma posição comum com relação às sexualidades que não seguem as normas heterossexuais.

Embora existam lésbicas e gays entre os pastores e em outros níveis de poder das estruturas religiosas, pouquíssimos reivindicam publicamente sua orientação devido aos preconceitos, apontou à IPS a pastora batista Raquel Suárez. A seu ver, não existe uma desaprovação explícita à homossexualidade nas doutrinas cristãs, mas estas são interpretadas fora de contexto pelas ideologias repressivas dominantes.

O ativismo LGBTI vai ganhando força para forçar estas mudanças, com ações de sensibilização, que tem nas jornadas anuais um de seus momentos culminantes. Mas as reivindicações legais ainda são escassas e seguem sem aprovação direitos elementares da cidadania sexual.

Nenhuma lei cubana censura a população LGBTI, mas a rejeição social que alimentam a homofobia e o machismo ancestrais propicia múltiplas discriminações no âmbito público e privado. O Código de Trabalho de 2013 é a única norma que até agora inclui a orientação sexual entre os princípios para não discriminar, mas não menciona a identidade de gênero como demandava esse coletivo.

Raúl Suárez considera que a comunidade religiosa cumpre seu mandato espiritual ao seguir estas causas. Este pastor aposentado da Fraternidade de Igrejas Batistas de Cuba recordou que também os cristãos foram excluídos e discriminados nas primeiras décadas da Revolução Cubana, que triunfou em 1959, e tiveram que lutar por seus direitos como hoje fazem as pessoas com orientação diferente da heterossexual.

Os grupos LGBTI cristãos coincidem na reclamação pelo direito à família com opções como adoção e reprodução assistida, o reconhecimento do casamento ou as uniões legais entre pessoas do mesmo sexo, a proteção diante de abusos homofóbicos, maiores garantias trabalhistas, entre outros.

“No âmbito religioso também pedimos a benção matrimonial com a que é dada a qualquer outro casal cristão, e a ordenação ao sacerdócio de pessoas lésbicas e gays”, afirmou Abdiel González Maimó, coordenador do coletivo “Abrindo brechas”. Envolverde/IPS