Por Stephen Leahy, da IPS –
Uxbridge, Canadá, 15/5/2015 – A história registra como várias dezenas de milhares de povos sobreviveram e se desenvolveram por centenas, e até milhares, de anos. Atualmente, várias comunidades tradicionais ainda se auto-abastecem, seja em florestas, montanhas, desertos e até em regiões árticas. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que mais de 370 milhões de indígenas vivem em 70 países e falam mais de cinco mil línguas.
Na medida em que o desenvolvimento econômico penetra até nos rincões mais isolados do planeta, muitas comunidades originárias se veem ameaçadas, bem como seu estilo de vida. O avanço do progresso significa que são feitos esforços tanto para extrair recursos, vitais para os povos indígenas, como para “integrá-los” mediante a introdução da medicina ocidental e dos sistemas educativo e econômico ao seu estilo de vida tradicional.
“Há duas comunidades não contatadas perto da minha casa, mas sofrem a ameaça da exploração petroleira”, disse Moi Enomenga à IPS, integrante do povo waorani ou huaorani, um grupo indígena da Amazônia, que vive no leste do Equador, em uma área de exploração de petróleo. Ninguém sabe há quanto tempo estão ali antes do primeiro encontro com os europeus, no final do século XVII. “Para eles, tirar petróleo da terra é como tirar-lhes o próprio sangue”, disse Enomenga.
O Equador ratificou a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que lhes dá direito de consulta diante de projetos de extração em seus territórios. Mas, segundo organizações da sociedade civil, a mineração e as prospecções deixam dúvidas sobre o compromisso do governo em fazer cumprir esses direitos, o que gerou vários protestos.
Apesar de sua longa história, as comunidades indígenas disseminadas pelo mundo têm em comum o estar sob intensa pressão para se adaptar a um sistema econômico globalizado, que lhes oferece alguns benefícios, mas que usualmente destrói sua terra e sua cultura e as converte em especialmente vulneráveis a fenômenos como a mudança climática.
A vida é difícil para as comunidades de montanha, especialmente porque o impacto da mudança climática se torna cada vez mais evidente, disse Matthew Tauli, integrante da comunidade indígena Kankana-ey Igorot, na região montanhosa das Filipinas. “Necessitamos de coisas pequenas e simples, não grandes obras econômicas de desenvolvimento com enormes represas ou projetos de mineração”, afirmou Tauli à IPS.
Estima-se que nas Filipinas vivem entre 14 e 17 milhões de indígenas pertencentes a 110 grupos etnolinguísticos, que representam quase 17% dos 98 milhões de habitantes. Como em outras partes do mundo, as comunidades originárias desde Luzon, um dos três grandes arquipélagos filipino, até Mindanau, a maior das ilhas do sul, lutam para resistir às formas destrutivas de desenvolvimento.
Sua luta é semelhante à de outras regiões, especialmente em países como a Índia, onde vivem 107 milhões de indígenas em tribos, como se denominam as comunidades originárias, também chamados localmente de adivasis. “Resistimos aos esforços do governo para nos forçar a cultivar e plantar os mesmos produtos em vastas áreas”, disse à IPS o advasi K. Pandu Dora, do Estado indiano de Andhra Pradesh. Este Estado tem 49 milhões de habitantes e, segundo o censo de 2011, as tribos constituem 5,3% da população total, pouco menos de três milhões de pessoas. O povo de Dora habita no alto da montanha, onde praticam a rotação de cultivos em uma relação intima com os ciclos da natureza.
As tribos vizinhas que seguiram o conselho das autoridades para adotar métodos agrícolas modernos com fertilizantes químicos e monoculturas estão atravessando dificuldades, disse Dora por meio de um tradutor. Com 70% das comunidades agrícolas e tribais abaixo da linha da pobreza, as práticas agrícolas não sustentáveis representam um desastre potencial para milhões de pessoas. A mudança climática já causa estragos na hora de cultivar e colher, perturba os ciclos naturais aos quais estão acostumadas as comunidades rurais.
Ao contrário dos agricultores presos nos programas do governo, a comunidade de Dora respondeu aumentando a diversidade de cultivos e confiando em sua capacidade de inovação. “Encontraremos nossa própria resposta”, afirmou.
No continente africano, na zona seca do Quênia, os pequenos agricultores que dependem de uma diversidade de cultivos estão bem, destacou Patrick Mangu, etnobotânico do Museu Nacional de Nairóbi. “A senhora Kimonyi nunca passa fome”, disse Mangu à IPS ao descrever o terreno de um hectare desta camponesa, que tem plantadas 57 variedades de cereais, leguminosas, raízes, tubérculos, frutas e ervas.
A diversidade, principalmente de variedades locais que produzem alimento quase todo os dias do ano, é o que permite amortizar o impacto da seca para Kimonyi, assegurou.
Quase metade dos 44 milhões de habitantes do Quênia são pobres, a grande maioria vive em zonas rurais das regiões central e ocidental do país. O aproveitamento de métodos agrícolas tradicionais pode significar uma importante melhora na renda, na saúde e na segurança alimentar no vasto cinturão agrícola desse país, mas o governo ainda deve avançar nessa direção.
No mundo, as florestas melhor protegidas estão sob cuidados de povos indígenas, destacou Estebancio Castro Díaz, da nação kuna, no sudeste do Panamá. Por exemplo, mais de 90% das selvas controladas por eles ainda se mantêm. Mas isso não acontece no resto desse país, que perdeu 14% de sua cobertura florestal apenas entre 1990 e 2010. “A selva é um supermercado para nós, não se trata apenas de madeira. O controle local das florestas também traz outros benefícios para toda a sociedade”, explicou Díaz.
Como as árvores absorvem dióxido de carbono, responsável pelo aquecimento global, as florestas saudáveis são um instrumento importante na luta contra a mudança climática. As selvas controladas por comunidades locais absorvem 37 bilhões de toneladas de CO2 por ano, disse à IPS a relatora especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz. “Na Guatemala, as florestas sob cuidado de comunidades locais têm 20 vezes menos desmatamento do que as administradas pelo Estado; no Brasil é 11 vezes menos”, acrescentou.
“O problema geral quanto se trata da mudança climática, da perda de biodiversidade e de levar uma vida sustentável é que se deve mudar o atual sistema econômico criado para dominar e extrair recursos da natureza”, disse Tauli-Corpuz. “A educação e o conhecimento moderno tentam principalmente exercer melhor domínio sobre a natureza. Nunca se trata de viver em harmonia com ela”, acrescentou. “Viver bem é ter uma boa relação com a Mãe Terra e não depender da dominação nem da extração”, resumiu. Envolverde/IPS