Por Katie Dain* –
Nova York, Estados Unidos, 27/5/2015 – Prosseguem as árduas negociações dos governos de todo o mundo reunidos nesta capital para acordar o texto do Acordo de Adis Abeba, cuja aprovação está prevista para a Terceira Conferência para o Desenvolvimento, que acontecerá na Etiópia no mês de julho.
Segundo as últimas versões, os negociadores continuam não dando importância ao imposto sobre o tabaco, um poderoso mecanismo que os governos poderiam utilizar para ajudar a alcançar e financiar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que substituirão em setembro os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).
Um cálculo recente mostra que o aumento dos impostos especiais sobre o tabaco, a fim de duplicar seu preço, geraria cerca de US$ 10 bilhões por ano, além dos cerca de US$ 300 bilhões que os governos arrecadam atualmente por esse conceito, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
O consumo de tabaco é a causa número um de mortes evitáveis no mundo, e o fator de risco comum das quatro principais enfermidades não transmissíveis, que são câncer, doença cardiovascular e pulmonar, e diabetes. O consumo de tabaco matou cem milhões de pessoas no século 20 e, se for mantida esta tendência, vai matar um bilhão de pessoas no século atual. Os ODS propostos reconhecem o impacto devastador das doenças não transmissíveis e o fator de risco do consumo de tabaco, e fixam metas para a redução das consequências mortais de ambos.
O medo de se intrometer no direito dos governos decidirem sobre sua capacidade fiscal seria a causa da reticência dos negociadores em recomendar a taxação como forma de gerar fundos para o desenvolvimento sustentável. Porém, 180 Estados já acordaram que o imposto sobre o tabaco é um instrumento importante para gerar renda e salvar vidas.
Como partes no Convênio Marco da OMS para o Controle do Tabaco (CMCT), esses governos inclusive acordaram as pautas que estabelecem a forma de taxar o tabaco com a maior eficácia possível. Em particular, essas pautas para aplicar o Artigo 6 do CMCT constituem a primeira vez que os governos acordam o que se deve fazer, e o que não se deve, para ter uma boa política tributária do tabaco.
O aumento dos impostos sobre o tabaco, e, portanto, dos preços do cigarro, é bom para a saúde porque reduz a quantidade consumida das seguintes formas:
– alguns fumantes abandonam completamente o vício,
– pode dissuadir algumas pessoas, na maioria adolescentes, a começar a consumir,
– algumas continuam consumindo tabaco, mas reduzem o consumo diário.
Assim, cai a venda de tabaco. Mas a renda gerada pelo aumento dos impostos sobre os produtos restantes compensa com juros a redução nas vendas. Por este motivo, a taxação é uma opção sem perdas para os governos, já que é bom tanto para a saúde como para os cofres públicos. A maior parte da renda seria gerada nos países ricos inicialmente, já que neles os impostos e os preços são muito mais altos para começar, mas os países em desenvolvimento também poderão arrecadar quantias substanciais.
Por exemplo, nas Filipinas os impostos específicos aumentaram em 2013, e o preço médio do maço de cigarros subiu 48%. As vendas diminuíram e a quantidade de fumantes caiu de 28,3% para 25,4% da população adulta entre 2009 e 2013, enquanto a renda fiscal pelo imposto sobre o tabaco passou de US$ 702 milhões para US$ 1,5 bilhão entre 2012 e 2013.
Para ser eficaz, o aumento do imposto deve estar acompanhado de outras medidas, como indicam as pautas do Artigo 6 do CMCT. Os governos também devem:
– aplicar os sistemas tributários mais simples e eficazes,
– fazer ajustes periódicos para que os derivados do tabaco custem mais com o passar do tempo,
– taxar todos os derivados do tabaco sistematicamente para evitar a substituição,
– eliminar gradualmente os produtos livres de impostos,
– fixar políticas de longo prazo, que poderiam incluir um objetivo fiscal.
Os Estados partes do CMCT não são os únicos que reconhecem o potencial dos impostos sobre tabaco, mas receberam elogios no recente trabalho sobre financiamento para o desenvolvimento sustentável, dos economistas Jeffrey Sachs e Guido Schmidt-Traub. “Foi demonstrado que os impostos sobre derivados do tabaco têm um impacto muito positivo na redução do consumo e na melhora da saúde”, afirmaram.
Os impostos sobre o tabaco são “particularmente eficazes para reduzir o consumo das populações vulneráveis, especialmente dos jovens. Em muitos países também são uma importante fonte de renda do governo, que deve direcioná-la às atividades de controle do tabaco, aos serviços de hospitais e outros de prevenção ou promoção sanitária”, afirmaram Sachs e Schmidt-Traub.
Os autores também se referem a um informe de 2011 que o magnata da informática Bill Gates apresentou em uma reunião dos líderes do Grupo dos 20 (G20) países industrializados e emergentes. “Os impostos sobre o tabaco são especialmente atraentes porque incentivam os fumantes a deixar de fumar e desestimulam o vício, ao mesmo tempo em que geram renda significativa. Em relação à saúde mundial, todos saem ganhando”, escreveu Gates.
“Os impostos sobre tabaco já são onipresentes: 90% dos países aplicam algum tipo. E funcionam. Na Tailândia, na medida em que o imposto sobre o cigarro subia entre 1994 e 2007, a renda duplicou, embora o número de fumantes tenha caído consideravelmente”, assegurou Gates.
Os ODS fornecem um mapa do caminho para a criação de um mundo mais saudável, equitativo e próspero, e como tais são extremamente ambiciosos. Serão necessários recursos consideráveis para que esses objetivos sejam realidade nos próximos 15 anos.
Já aprovados por uma grande maioria dos governos do mundo, e com um objetivo claro para sua implantação, os impostos sobre tabaco deverão ter um lugar destacado na Declaração de Adis Abeba, como uma ferramenta eficaz para o financiamento do desenvolvimento sustentável. Envolverde/IPS
* Katie Dain é diretora-executiva da Aliança Contra Enfermidades Não Transmissíveis.