Por Jewel Fraser, da IPS –
Porto Espanha, Trinidad e Tobago, 26/6/2015 – Há uma década a Autoridade de Água e Saneamento de Trinidad e Tobago realiza um mapeamento da qualidade da água, que permitiu a observação, há cinco anos, de uma tendência preocupante. A bacia da região ocidental deixou de ter qualidade de água moderada em alguns lugares para ter uma totalmente má. Em 2010, um estudo concluiu que mais de 20% da área estava em graves problemas.
“Demos o alarme”, destacou o hidrólogo David Samm. “A Autoridade de Água e Saneamento (Wasa) está preocupada”, reconheceu. O órgão foi muito questionado durante a última estação seca recém-terminada. A população de comunidades afetadas realizou protestos quase semanais pela falta de acesso a água potável, carregando cartazes e queimando pneus. Porém, fatores que fogem ao seu controle, como variabilidade e mudança climática, são significativos nessa crise.
“Na estação seca temos estiagens prolongadas, por isso não há água suficiente para recarregar as camadas freáticas. Há mais chuvas intensas durante um período de tempo e, pelo desenvolvimento contínuo, temos mais problemas de inundações na estação chuvosa”, explicou Samm. Por isso, existe maior escoamento na superfície “e o líquido vai pelos cursos de água até o mar. Isso faz com que haja menor recarga de nossos sistemas subterrâneos”, acrescentou
Samm disse à IPS que 60% da água potável de Trinidad e Tobago procede de fontes superficiais, e que também houve grandes obras de construção ao longo do corredor leste-oeste de Trinidad. “Com a mudança climática e o aumento da cobertura impermeável (pela urbanização), diminuirá a recarga de nosso sistema subterrâneo e, com o crescimento urbano, aparece lixo nos rios, inclusive geladeiras”, ressaltou.
A Wasa se deu conta de que precisava agir para proteger os cursos de água, dos quais depende o fornecimento hídrico. No verão de 2013, apresentou o programa Adote Um Rio. Desde seu lançamento, muitos rios foram adotados, entre eles seis dos mais importantes, e agora 175 pessoas trabalham na iniciativa. Os programas de adoção de rios são conhecidos em vários Estados dos Estados Unidos, mas o de Trinidad e Tobago é o primeiro do Caribe.
A iniciativa de se concentrar nos ecossistemas apresenta um enfoque inovador para conseguir que o acesso universal a água potável seja sustentável, como ficou evidente no Resumo Executivo do Informe Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento da Água de 2015. Segundo o documento, “a maioria dos modelos econômicos não valoriza os serviços essenciais fornecidos pelos ecossistemas de água doce, o que faz com que não haja um uso sustentável dos recursos hídricos e também leva à degradação dos ecossistemas”.
O documento também afirma que “a contaminação do esgoto residencial e dos efluentes industriais enfraquecem a capacidade dos ecossistemas de oferecer serviços hídricos. Os ecossistemas do mundo, especialmente os mangues, estão em declínio. Seus serviços são pouco apreciados, não são reconhecidos corretamente e são subutilizados na maioria dos atuais enfoques de gestão de recursos e econômica”.
O estudo diz que “uma perspectiva mais holística sobre os ecossistemas no que se refere a água e desenvolvimento, que mantenha uma combinação benéfica entre a infraestrutura construída e a natural, poderá garantir a maximização dos benefícios”.
A fim de reduzir a pobreza e a degradação ambiental ajudando as comunidades a se ajudarem, como preveem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) ofereceu fundos a um dos participantes do programa Adote Um Rio.
Por meio do Programa de Pequenas Doações (PPD), do Fundo para o Meio Ambiente Mundial, o Pnud oferece recursos econômicos e apoio técnico a organizações da sociedade civil que trabalham em “projetos de conservação e recuperação do ambiente que, por sua vez, melhorem o bem-estar das pessoas e sua fonte de renda no terreno”.
A Fundação Justiça Social, que trabalha em áreas atrasadas do centro e sul de Trinidad, recebeu pouco menos de US$ 50 mil do PPD, que foram somados a outros US$ 65 mil próprios, para promover o programa Adote Um Rio entre jovens desfavorecidos e em risco, nas comunidades de Siparia e Carlsen Field.
A iniciativa se estendeu por nove meses, de setembro de 2014 a junho de 2015, durante os quais os jovens se capacitaram como ecolíderes e aprenderam a fazer análise da água para monitorar a saúde dos rios, mediante o dispositivo La Motte, bem como a produção de vídeos para registrar o trabalho. Aprenderam a analisar a temperatura da água, o pH, a turbidez, o oxigênio dissolvido, o fosfato e o nitrato, bem como registrar as mudanças nesses parâmetros nos noves meses do projeto.
Mark Rampersad, gerente da Fundação, afirmou à IPS que a unidade Adota Um Rio da Wasa “afinou o alcance e a profundidade do projeto e facilitou a realização de vários seminários e painéis, que incluíram a conscientização ambiental. O rio Caparo, no centro de Trinidad, e o Coora, no sul, foram os dois cursos de água adotados pela Fundação.
O programa obteve uma resposta favorável das comunidades e escolas, mas o apoio corporativo não foi exatamente o desejado. Porém, o programa esteve bem em sua solicitação ao Fundo Verde, e com os recursos recebidos continuará promovendo o alcance de sua comunidade, afirmou Samm.
Preservar a saúde dos rios também obedece a razões econômicas, pontuou Raj Gosine, diretor de recursos hídricos da Wasa. “É muito caro tratar a água, por isso o motivo da Wasa também foi econômico. A questão principal é destacar que todos podemos realizar contribuições positivas”, acrescentou. Além de monitorar a qualidade da água e a educação pública, o programa Adote Um Rio inclui reflorestamento e recuperação de florestas, bem como exercícios de limpeza.
A gerente de programa da Associação Mundial da Água, Natalie Boodram, apontou à IPS que “programas como o Adote Um Rio, que incentiva o reflorestamento dos cursos de água e zonas ribeirinhas, ajudam a proteger os fornecimentos hídricos, propiciando a infiltração, em oposição ao escoamento da superfície”.
“Com essas iniciativas ecológicas para proteger o fornecimento hídrico dos rios, podemos reduzir a necessidade de medidas mais caras e que implicam maior gasto energético como a obtenção de água por meio da dessalinização”, explicou Boodram. Envolverde/IPS