Por Ivet González, da IPS –
Camagüey, Cuba, 29/6/2015 – Sobre os campos da extensa província central de Camagüey pesa a meta de satisfazer em 45% a demanda cubana de leite, um alimento escasso e até ausente nos lares menos favorecidos. “Hoje o território fornece 38% da produção leiteira, com 90 milhões de litros. Pretende-se chegar ao recorde de 140 milhões, que cobririam 45% da demanda nacional”, explicou Jorge Luis Tapia, primeiro-secretário provincial do Partido Comunista de Cuba (PCC).
A maior província cubana dedica 78% de sua superfície agrícola à pecuária bovina, que ao longo de sua história proporcionou esplendor à sua capital, também chamada Camagüey, 578 quilômetros a leste de Havana, com 500 anos de fundação e a terceira mais importante do país.
No ano passado, a produção leiteira ficou em 497,1 milhões de litros, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas e Informação (Onei). É um nível insuficiente, que obriga a destinar anualmente mais de US$ 180 milhões para adquirir leite, dos US$ 2 bilhões destinados pelo governo à importação de alimentos. A oferta total de leite cobre apenas a demanda básica, que inclui as cotas subsidiadas para grávidas, menores de sete anos e pessoas com enfermidades específicas, serviços gratuitos de saúde, indústria láctea e o turismo, crescente motor da economia local.
Segundo especialistas, a produção leiteira continua muito atrasada dentro do agronegócio cubano, que desde o início das reformas econômicas, em 2008, conseguiu elevar os cultivos de tubérculos e hortaliças, embora ainda de maneira insuficiente para baixar seus elevados preços, difíceis de assumir pela maioria das famílias.
Segundo o Onei, durante o primeiro trimestre do ano a produção leiteira ficou em 76,9 milhões de litros, o que significou uma queda de 10,5 milhões de litros em relação a igual período de 2014. Entre 2007 e 2013, se conseguiu um notável crescimento, de 21%, na produção de leite. Mas, mesmo com esse aumento, os volumes representaram apenas 52% da produção de 1989, quando a demanda era atendida.
Cálculos oficiais indicam que o país precisa produzir anualmente um bilhão de litros de leite, para atender as necessidades internas. O necessário aumento da produção se joga no campo, sobretudo nas fazendas de propriedade privada e nas cooperativas, que no final de março concentravam 3.446.400 das 4.127.300 cabeças de gado registradas no país pelo Centro Nacional de Controle Pecuário.
De tradição centenária, o polo pecuário de Camagüey figura entre os primeiros beneficiados por um programa nacional de desenvolvimento da empresa estatal para recuperar a produção de leite, informou Tapia durante uma visita da imprensa internacional a esta cidade. Porém, o investimento estrangeiro na província se foca no turismo, salvo alguns projetos pontuais em outros setores, acrescentou o secretário, máxima autoridade da província, porque constitucionalmente o PCC é a “força dirigente superior da sociedade e do Estado”.
Antecipa-se que o governo socialista assumirá com fundos estatais a recuperação inicial do descapitalizado setor, que segundo analistas tem implicações até sociopolíticas, porque continua pendente a promessa, feita em 2007 pelo presidente Raúl Castro, de colocar um copo de leite em toda mesa cubana onde houver crianças e doentes.
O setor leiteiro está representado com apenas um dos 246 projetos que formam a Carteira de Oportunidades de Investimento Estrangeiro proposta em 2013, destinada a captar US$ 8,7 bilhões. Cálculos oficiais indicam que a economia cubana necessita de investimentos anuais no valor de US$ 2,5 bilhões para sair da crise que arrasta desde 1991, quando desapareceu o bloco socialista soviético, que por décadas foi seu principal sócio comercial e financeiro.
O projeto consiste na reativação de 22 fazendas leiteiras na província de Mayabeque, vizinha a Havana, para obter 4,7 milhões de litros de leite de búfala por ano. Inclui o desenvolvimento da genética bufalina, produção de alimento animal e encadeamento produtivo com cooperativas agropecuárias.
Este mês entraram em vigor novos preços de compra do leite por parte de empresas estatais, às quais o setor privado e as cooperativas estão obrigados a vender boa parte da produção. “Este é um bom incentivo”, disse Danilo Iglesias, vice-presidente do setor agroalimentar do governo provincial de Camagüey, onde se projeta elevar a produtividade leiteira com a contribuição dos 25.889 novos proprietários de terra em usufruto, dedicados principalmente à pecuária.
Outros aspectos do programa são a melhora da genética bovina, maior acesso à inseminação artificial, semeadura de pastos e plantas forrageiras protéicas como a cana, recuperação da infraestrutura, aproximar os insumos dos camponeses e criar alternativas para o fornecimento de água durante a estação da seca, que vai de novembro a abril.
Também funcionam 74 dos 147 centros de resfriamento que devem ficar próximos das fazendas para evitar perdas e avaliar a qualidade do leite. “Ao redor dessas instalações a empresa estatal de suprimentos agropecuários criou pontos de venda de alimento animal e outros insumos que o camponês necessita”, explicou Iglesias à IPS.
Produtores ouvidos pela IPS apontaram como principais obstáculos para o auge da pecuária o ainda limitado acesso a ração e outros alimentos, a deterioração do rebanho e carência de recursos fundamentais como máquinas, combustível e peças de reposição. Em seguida vêm outros entraves, como os excessivos controles atuais para a posse maior de pecuária.
“Embora cada fazendeiro tenha que ter um controle do gado, poderiam ser mais flexíveis os trâmites, porque é necessário fazer diversas gestões”, disse à IPS o agricultor Jorge Viera, produtor de tubérculos, hortaliças e grãos, que começou a incursionar pela pecuária em sua fazenda de 39 hectares.
Viera herdou a propriedade de seu pai e abastece de alimentos frescos o centro da cidade de Camagüey, que fica próximo. Junto com seus seis empregados diaristas, o agricultor disse se sentir motivado pelos novos preços do leite para aumentar suas atuais 30 reses.
Alexis Gil, diretor da Empresa de Produtos Lácteos de Camagüey, explicou à IPS que “a companhia tem 20% de ociosidade”, à espera de um crescimento leiteiro no campo, durante uma visita à Fábrica de Leite em Pó, que está iniciando suas atividades. Primeira de seu tipo no país, a unidade produzirá seis toneladas de leite em pó no primeiro ano de operação, a partir do recebimento de 60 mil litros diários de leite.
Gil afirmou que trabalhará de “forma cíclica quando os excedentes de leite permitirem”, habitualmente durante a estação chuvosa. Envolverde/IPS