Liliana Peixinho, em entrevista à Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura, fala sobre a importância de preservar o Meio Ambiente e de pensar novas alternativas para acabar com a produção do lixo. A jornalista, que também é ativista da causa ambiental, foi uma das contempladas com o Prêmio Shift – Agentes Transformadores, na categoria jornalismo socioambiental. Confira!
Agência de Notícias Ciência e Cultura – Você é uma das poucas referências na Bahia quando o assunto é jornalismo ambiental. Quando surgiu interesse pela área e de que forma você decidiu ingressar nesse desafio? Do início da sua trajetória até hoje, o que mudou para melhor e o que ainda precisa evoluir?
Liliana Peixinho – Imagina, absolutamente!Temos diversos jornalistas que atuam na área. A diferença é que sou uma profissional independente, que trabalha sem crachá corporativo, sem cnpj institucional, ou recursos de origem duvidosa. Esse interesse sempre esteve presente, desde sempre fui ligada à Natureza, sou do interior, de origem humilde e os desafios de vida, são exemplos de casa, herança dos meus pais. Antes da Faculdade de Comunicação, 1984-1988, fazia Matemática, na UCsal, e abandonei o curso, em 1980, para viajar Brasil afora, e conhecer, de perto, povos tradicionais como indígenas, quilombolas, pescadores, artesãos, agricultores familiares, em convivência in loco, com a comunidade. Esse universo contribuiu para um olhar atento sobre a rica diversidade ambiental do nosso pais.
Minha atuação, desde 1984, início no jornalismo, está ligada às histórias de lutas na defesa de direitos. Sempre foi assim: na reportagem em campo minado de perigo e sem retaguardas; como assessora/consultora de projetos políticos, educacionais ou institucionais. Nos últimos 15 anos atuo mais como ativista, pesquisadora, colaboradora/articulista e gestora de diversas mídias Brasil afora, inclusive as criei e produzo conteúdos em articulação com movimentos socioambientais, Brasil e mundo afora.
O que mudou para melhor? A forma, a velocidade e a qualidade da informação. As Redes Sociais revolucionaram o sonho de jornalistas em poder horizontalizar informações, fazer chegar a todos, sem censura, sem edição, sem patrão, em conteúdos investigativos normalmente sem espaço nas mídias tradicionais, controladas em sistema corporativo, com interesses divergentes que a vida estar a exigir, no ambiente Terra, sedento de cuidados.
Recentemente você foi contemplada com o prêmio Prêmio Shift – Agentes Transformadores, na categoria jornalismo socioambiental. Qual a importância desse reconhecimento para você, para sua profissão e para a conscientização das pessoas quanto à importância que devemos ter com o meio ambiente?
O Prêmio Shift tem duas importâncias: a pessoal, quando reconhece uma história de vida ; e a profissional, porque ajuda a empoderar formas e caminhos livres, independentes, para o realizar, sair do discurso, ir a campo aberto, minado de perigo, e fazer a fala. Não vejo sentido em estudar, teorizar, tentar inovar, na Academia, sem que isso se aplique, de fatos, nos espaços de atuação onde a vida acontece, no dia a dia. Importante dar exemplo, mostrar atitude. É o caminho para realizar as mudanças, que nós, jornalistas, tanto denunciamos. Quando falo, por exemplo, em Desperdício Zero = Lixo Zero, penso ser importante, ao mesmo tempo, que escrevo artigos como “Paradoxo entre Discurso Sustentável e Realidade Caótica em Foco Investigativo”, ou artigos científicos, citando grandes teóricos, pensadores, filósofos, escritores, etc. para justificar porque precisamos, por exemplo, de um Nova Economia Circular e mostrar como é esse fazer: visitas a residências com oficinas sobre separação de resíduos em Cultura dos Rs; mobilização de síndicos de condomínios; valorização do catador como agente ambiental; compartilhamento de ações de desapego material.
Trabalho de formiguinha mesmo, para multiplicar, sensibilizar e fazer a mudança acontecer. Levo essa discussão: entre o que estamos a propagar – o discurso – e o que está, ou não, sendo feito, de fato – a realidade, para diversos ambientes acadêmicos, científicos, de representação coletiva, em grupos com a Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA), Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA), Rede Brasileira de Informação Ambiental (REBIA), Grupos de Jornalistas, Ambientalistas, Empresários, Governo, entre muitos outros, onde socializo, compartilho o desenrolar das pesquisas, sobre o descompasso entre o discurso e a realidade.
Pode contar como foi a experiência de produção do vídeo “Snapping the streets”. Qual foi o objetivo desse produto? O que você pretendia passar e para quem?
Esse filme/vídeo foi feito por uma equipe de jornalistas da Inglaterra – Londres que se interessaram ao me observar em campo trabalhando numa matéria sobre Turismo Sustentável, na Chapada dos Veadores – Goiás. Eles se aproximaram, observaram como eu trabalhava com a comunidade, botando a mão em enxadas para fazer trilhas; adubar a terra para ajudar em hortas, jardins e quintais, fazer oficinas sobre aproveitamento integral de alimentos, fazer rodas de leituras e desenhos sobre as riquezas locais, com crianças, boca de forno educativo. Além, claro de entrevistar, fotografar, escrever e publicar as reportagens. Essa matéria, por exemplo, não teve pauta pré-produzida, uma empresa, uma redação de jornal, por trás, bancando a minha ida a campo. Eu mesma fazia o roteiro e, in loco, buscava subsídios que fortalecessem a minha pesquisa do MBA em Turismo e Hotelaria, finalizado em 2005.
Quando voltei à Salvador, falei da experiência com colegas jornalista e o Jornal A Tarde publicou matéria especial, manchete do Caderno de Turismo, com três páginas. Não recebi um centavo! Tempos depois dessa viagem recebi um e-mail da Inglaterra, informando que a Together TV gostaria de fazer um filme sobre a forma como desenvolvo o meu trabalho. Respondi que sim, desde que fosse tudo natural e eles poderiam me acompanhar nas atividades diárias, sem roteiros prévios, registrando o cotidiano do trabalho, e extraírem o que fosse importante para difundir como exemplo multiplicador.
Qual a mensagem? Está lá no vídeo: não desistir do compromisso em fazer o que se pretende, acredita ser necessário, importante, e urgente, para defender a vida, mesmo que não se tenha recursos para isso.
Você diz, no vídeo “Snapping the streets”, que não há grandes investimentos na preservação do meio ambiente, por parte das grandes corporações midiáticas. Dessa forma, como se dá a importância do papel da mídia alternativa, que costuma ser mais ativa – e ativista – em questões socioambientais?
No mundo inteiro existe, é bem acessada, e funciona com eficiência e transparência, uma plataforma chamada crownfunding, para financiamento público de projetos. De qualquer valor, ou tempo de execução. Qualquer projeto: seja um livro, um portal, um evento, a construção de sede de instituição, uma viagem de trabalho/pesquisa a outro pais. Então, quem tiver acesso e gostar, vai lá, no link, entra, ler tudo e apoia. No Brasil, essa plataforma começou a ser conhecida tem pouco tempo e a sociedade ainda se mostra, digamos, acomodada em entrar, ver o passo a passo, ler, entender a proposta, o trabalho, com tudo explicado: cronograma, investimentos, contrapartidas a quem apóia e depois escolher a forma e o valor do apoio. Esse seria um caminho limpo, rápido, horizontal, moderno e transparente para se trabalhar. Estou confiante, porque não em sido fácil pagar para trabalhar.
Sobre o papel da Mídia Alternativa, nos anos 80/90 quando comecei a acompanhar algumas publicações, mais de perto, considero que foi muito importante porque foi quem, de fato, pautou e foi a campo investigativo para denunciar, propagar o que a mídia tradicional sempre resistiu, por não ter interesse em confrontar o capital, que lhes mantém. No entanto, nos últimos cinco, 10 anos, por ai, muitos jornais, “ditos”: alternativos, surgidos nos anos 80/90, diluíram seus conteúdos entre a denúncia e a propaganda, abrindo espaço até a quem, estaria a investigar, suspeitar, sob a justificativa de ”sobrevivência” do veículo. Um paradoxo que sempre permeou a atuação da imprensa, com interdependências entre “Comercial” e “Jornalismo”.
Qual a sua avaliação da atuação da grande mídia na cobertura do tema sustentabilidade? E qual sua análise para o cenário do jornalismo ambiental, principalmente no Estado da Bahia?
Sensacionalista! Pautada em desastres, sem contextualizá-los às suas origens. Perguntas como: por que aconteceu, o que poderia ter sido feito para prevenir, que resultados, a longo e médio prazos, tal evento pode gerar na vida de futuras gerações? As respostas, quando surgem, são para justificar o imediato! Ou para fazer de conta que investiga para punir, quando pune, gerar receitas, que não são aplicadas, devidamente, para a prevenção de novos desastres. E vemos uma sucessão deles, Bahia, Nordeste, Brasil e mundo afora.
Na Bahia, em Salvador, por exemplo, temos exemplo de crimes ambientais encobertos pelo capital imobiliário especulativo. A degradação/contaminação de quase todos os mananciais hídricos tem sido relacionada a diversos problemas de saúde, que lotam hospitais, centro médicos, consultórios particulares. O que tem sido feito? O descaso com o patrimônio cultural, arquitetônico, ambiental tem causado mortes, abandono, descaso com famílias. Fato histórico e que se repete, a cada novas chuvas. A coleta de “lixo” é ineficiente, não tem valor educativo, e deixa rastros sujos. Enquanto isso, o dinheiro público reforça empresas, Ongs, instituições, em projetos ditos sustentáveis, só no nome, pois vemos que na realidade a expressão se desvinculou do conceito original, através do agressivo e eficiente marketing promovido pelo greenwashing, pintado de verde.
Podemos dizer que temas como sustentabilidade, meio ambiente, saúde e ciência ganharam mais espaço e passaram a ter grande repercussão na mídia? Se sim, a que podemos atribuir essa mudança? Quais as principais transformações ocorridas nestas abordagens?
Se quiséssemos ser rigorosos, pragmáticos, todo esses temas ai elencados poderiam, ou deveria ser, um só. Eles estão sim, por ai, nas pautas, com frequência e até citados, diariamente. No entanto, o Jornalismo ainda se ressente das dificuldades e limitações em transversalizar a informação, através da macrocontextualização de problemas, historicamente reprimidos. Defendo, em minha proposta de tese/mestrado, a construção de cadeias de informações harmoniosas de ponta a ponta. Isso exige coragem investigativa do repórter, disposição de trabalho em equipe, e compromisso dos veículos. Sem contar a interação do leitor/internauta com a notícia, os fatos.
O que vejo de novo, e muito importante, é abertura de grandes veículos com espaço para o, antes invisível, sem voz: o telespectador, o leitor, o internauta. Essa interatividade é revolucionária no olhar do ambiente, como espaço, lugar, onde a vida acontece, todos os dias.
A falta de espaço para se fazer jornalismo científico na Bahia é notório, sobretudo quando percebemos que apenas o jornal A Tarde tem uma editoria para divulgação da ciência. Como você avalia essa questão e qual as consequências disso, para a sociedade?
Não considero relevante o fato de um jornal tradicional local, em crise, como diversos outros Brasil afora, abrir espaço para a divulgação científica. Que bom que existe o espaço. Acho mais importante, atualmente, a elevação do nível em produção de conteúdos para ocupação das Redes Sociais como Facebook, onde 70 por cento dos brasileiros usa para se “informar”, entre tantas, super eficientes, bacanas e lúdicas, que surgem, a cada dia, no campo virtual. Se tivéssemos o uso de apps em nome da divulgação científica, nos aparelhos celulares, a população, que usa esses aplicativos em forma de “entretenimento”, poderia se apoderar, como voz e atores sociais, na mudança que a maior parte dos humanos estar a necessitar, para viver, com dignidade.
Como a mídia pode colaborar com as questões ambientais e as políticas de sustentabilidade?
A Ciência já comprovou que a ação do homem sobre o ambiente onde se desenvolve a vida, em suas diversas formas, tem prejudicado a própria humanidade. As mudanças climáticas é fato ainda não absorvido com a seriedade necessária. As grandes corporações já perceberam que é mais eficiente adotar estratégias de preservação da matriz geradora de tudo. O Governo também incorpora o discurso. Mas, entre o quê se propaga e o que realmente se faz, com eficiência, e responsabilidade com a vida, o paradoxo é criminoso. Observamos muito desperdício, uso ineficiente de recursos, projetos, ações de faz de conta que faz, em marketing com estética sedutora, apelativa, que realmente um fazer em compromisso e para que as mudanças aconteçam.
Quando a mídia incorporar a ideia de que esse modelo econômico replicado, no automático, para incentivar o consumo raso, à qualquer custo, é parte da origem das desigualdades, que, pela ausência dos bens de serviços, resultam em fome, desemprego, doenças, insegurança, analfabetismo funcional; assim como subverter essa visão antropocêntrica sobre o ambientalismo, para um olhar integral, sistêmico, onde todas as coisas formam o todo, ai, quem sabe o jornalismo volte ao seu papel de transformador social e ajude na atual crise civilizatória! Eu torço e trabalho á favor desse sonho!
Quais os desafios do jornalista que busca empenhar um papel de porta-voz das demandas ambientais?
Ter coragem para ir a campo aberto, munido do máximo de informações; contextualizar aparentes pequenos problemas numa teia de informações que desvende os caminhos sujos; valorizar a investigação até a ponta, dando o máximo de visibilidade; e, sobretudo, gostar e ter ciência e honrar o seu papel social.
Como os jornalistas precisam se preparar para realizar uma cobertura dessas temáticas de forma clara e que possam contribuir mais melhoria da qualidade de vida dos baianos e dos brasileiros? Tem a ver com formação ou apenas com ser ativista?
Acho que qualquer profissão exige paixão, compromisso e responsabilidade com o seu fazer. O preparo é condição essencial para realizar um bom trabalho. Os caminhos para isso, cada um escolhe, dentro de suas próprias histórias e valores de vida. O meu ser ativista veio como consequência de uma longa jornada, inquieta, ao observar, registrar e sentir as injustiças. Quando se tem a oportunidade de ver tantos lados de uma mesma história, como vemos no jornalismo em campo aberto, aprendemos a fazer filtros. As concepções entre defesa, ataque ou neutralidade, são relativizadas. Fiz escolhas! E o preço é alto em radicalizar na opção de defender a quem tem sido alijado da garantia de direitos. Tem um pensador moderno, economista, filósofo, francês, o Sergio Latouche, que prega o “decrescimento” como salvação do rumo suicida que humanidade se submete. Como Latouche, acredito no fracasso dessa Economia, nos efeitos negativos da guerra do Capitalismo, e na barbárie da violência da globalização. Latouche é radical e acha impossível conciliar crescimento econômico e sustentabilidade. Depois de me desencantar com a candidatura da Marina Silva à presidência do Brasil, onde trabalhei como voluntária nas duas campanhas, 2010 e 2014, aprofundo a prática de valores que acredito como Teko Porã (O bem comum), Ubuntu (Sou porque somos) e Ecossocialismo (como crítica radical ao capitalismo). Pago o que não tenho para atuar. Isso ainda é um problema.
Em uma sociedade que tem como uma de suas bases o consumismo, de que forma é possível pensar em “desperdício zero”? Como e por onde devemos começar?
Pela vontade de mudar o modelo econômico que alimenta um sistema devorador de vidas. Começa na cabeça de cada um, com a razão em ser civilizado; abre espaço no coração, com o outro no eu, e se concretiza em consciência, cuidado e boa informação, para adquirir somente o que realmente é necessário para o bem viver. No sentindo profundo de “Lixo Zero” não existem lixeiras nas ruas. Não há essa necessidade delas – ainda mais quando se usa de forma errada – quando se pratica valores ecossocialistas. Ao absorvemos a Cultura dos 7 Rs (Racionalizar, Reduzir, Repartir, Reutilizar, Repensar, Recriar, Revolucionar….), proposta pelo Movimento AMA, em olhar de macrocontextos planetário, vamos praticar cada R, no momentos certo. A ideia é praticarmos o menos: (ego, consumo, estresse, doença, coisas inúteis) para termos mais (humanidade, felicidade, solidariedade..)
Na Bahia existem iniciativas ou projetos que incentivem o “desperdício zero”?
O Movimento Amigos do Meio Ambiente (AMA), uma das cinco mídias independentes que criei e alimento diariamente, tem elos com catadores, artesãos, artistas, donas de casa, escolas e outros coletivos comunitários, identificados localmente. Na ação: Agenda Ambiental Doméstica, por exemplo, temos o case “Casa Lixo Zero”, do Projeto/livro “Por um Brasil Limpo”. A prática do Lixo Zero é alimentada pelo Desperdício Zero, e tem suas bases na Redução do Consumo em cadeia, para Revolucionar comportamentos, fazer surgir uma nova Economia que priorize a vida, com saúde e harmonia coletiva.
O que tem sido feito para que iniciativas como essas cheguem à comunidade, de forma que ela conheça e comece a realizá-las conscientemente?
O Movimento Amigos do Meio Ambiente tem mais de 15 anos de atuação na campanha Desperdício Zero = Lixo Zero = Saneamento 10. Temos uma história de ações em condomínios, escolas, eventos, universidades, de porta a porta, pessoa a pessoa, empresa a empresa, escola a escola, como formiguinhas, onde mostramos, através de rodas de diálogos, exposições fotojornalísticas, oficinas, encontros e difusão de informações Brasil e mundo afora. Como funciona o ciclo Lixo Zero? A partir de cada um, em casa. Qualquer resíduo a descartar, seja um pote vazio de queijo, um saco de açúcar, um jornal, um sapato velho, uma calça manchada, um blusa descosturada, um lençol rasgado, um vidro quebrado, tudo entra no ciclo vivo da Cultura dos Rs. Até mesmo, o mais complicado dos resíduos: o orgânico (cascas e restinhos de alimentos) vira adubo e entra numa outra ação do AMA: “Quintais Verdes”, que promove a produção de hortas, jardins e pomares.
Cada tipo de produto/resíduo faz a trilha inversa ao lixo, passa longe do conceito sujo “lixo”, gerando um ciclo vivo entre quem quer descartar; quem quer, precisa, e gosta de Reutilizar, Recriar com arte. Temos uma agenda com donas de casas, restaurantes, bares, lanchonetes, para não desperdiçar nada. Se antes, por exemplo, era feio levar comida de uma casa para outra, resgatamos costumes dos nossos avôs e nas festas, as pessoas levam suas vasilhas para, em caso de sobras, dividir com quem não teve oportunidade de participar do evento.
Nossa meta é chegar um dia, ao que a Bélgica faz, por exemplo. Existem geladeiras públicas que guardam “sobras de comida” de alguém que, por exemplo, foi almoçar e a quantidade de alimento servido na mesa é superior ao desejo e necessidade do cliente. A pessoa recebe uma vasilha e guarda tudo limpinho, não como resto do prato, mas como sobra do que é servido, e alguém, na rua, com fome, sem tempo ou condição de comprar um prato de comida, vai na geladeira pública, pega o alimento e come. Em Berlim fotografei coletores públicos de sapatos, vidros por cor (branco, azul, preto), roupas, plástico seco, plástico úmido, alumínio, papel, onde tudo, exatamente tudo, pertence a um ciclo vivo. Lixão, na civilidade, é palavrão. O Japão por exemplo, apresenta índices de 100 por cento de saneamento. Por que? Não se joga, nem um sequer palito de fósforo, no chão.
Em sua opinião, a academia tem contribuído para que o meio ambiente seja respeitado? De que forma? As pesquisas têm sido fundamentais para melhor a qualidade de vida das pessoas e de preservação do planeta e de suas riquezas?
A contribuição da academia poderia ser mais eficiente se conseguisse romper elos com macro políticas corporativas e se aproximasse mais, via extensão, de projetos comunitários. É papel da Ciência difundir o conhecimento para a aplicação no cotidiano. Se a realidade revela ambientes sujos, degradados, dilapidados, com a vida em risco, sem ações preventivas em massa, precisamos admitir que a ocupação desse espaço continua com vácuos extensos, entre o que as pesquisas revelam, e o que está em xeque, como demandas reprimidas. Existe um passivo ambiental de mais de 40%, relacionado ao que Latouche chama de ”sobre-crescimento econômico”, devorador da biosfera. A Ciência nos mostra que a capacidade regeneradora da Terra não atende a demandas velozes, onde o homem transforma os recursos em rejeitos, mais rapidamente do que a natureza consegue transformar esses rejeitos em novos recursos. Assim, a Cultura dos Rs que expomos anteriormente, tem seus limites dentro dos ciclo vivos. Precisamos mesmo é parar de consumir o que não nos faz falta.
Como jornalista premiada, qual recado gostaria de deixar para a sociedade baiana, para os jornalistas divulgadores científicos e para a mídia baiana?
Prêmio é reconhecimento de entrega, trabalho, dedicação, compromisso, em equipe. O Shift – Agentes Transformadores – tem uma Comissão composta por jornalistas, educadores e empreendedores de compromisso com as novas pautas mundiais. Cada voto recebido, Brasil afora, reforça o compromisso com os desafios em promover as mudanças que a vida estar a exigir, e faz tempo. Quero agradecer a cada um que me escolheu como exemplo e dizer da importância e necessidade de se ter mais aliados nesse cenário, triste, desafiador, diante de tanto descaso com a vida. Ao reconhecer uma história de vida dedicada aos desafios, como “Jornalista Desbravadora Socioambiental”, como foi intitulado pelo Prêmio Shift, mais que orgulho, tenho também certa tristeza, porque poderíamos estar trabalhando com as retaguardas necessárias e justas para ir a campo minado de perigo, com alguma proteção. Mas, a história reconhecida pelo Shift destaca exatamente uma exposição profissional desumana, riscos constantes e uma entrega total: corpo, alma, coração e cérebro, para atuar em liberdade investigativa, com o “Outro no eu”, numa escolha que prevalece o que foi apurado em campo, com as vozes, normalmente, invisível, protagonizando fatos. O Brasil é topo na lista de perseguição e assassinatos de jornalistas e ambientalistas que atuam na contramão dos interesses das grandes corporações. Precisaríamos entender que esse trabalho é para defender, preservar, cuidar, da vida. E isso extrapola e muito, o umbigo humano. (Agência de Notícias Ciência e Cultura/ #Envolverde)
* Publicado originalmente pela Agência de Notícias Ciência e Cultura.