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O pequeno inferno das inundações

Lusaka, Zâmbia, 8/7/2011 – Durante a temporada de chuvas e muitas semanas depois também, para a zambiana Miriam Banda sua casa nunca é o melhor lugar para estar. Até o final de 2008, desfrutou de sua moradia em Kanyama, um assentamento densamente povoado que faz limite como o distrito comercial da capital. Seu pequeno comércio de venda de balas e doces era uma fonte confiável de renda para ela e seus filhos, mas já não conta com ele, e Banda acredita que somente um milagre poderá mudar sua situação.

“Os problemas começaram durante a temporada de chuvas 2008-2009, quando a água começou a subir em volta da minha casa como nunca antes”, contou à IPS. “No começo usamos saco de cimento com areia para impedir a passagem da água. Mas esta continuou subindo até que começou entrar na minha casa”, disse.

O golpe final foi no dia em que acordou e encontrou a maré dentro de seu arrasado comércio. “Não podia acreditar, tudo estava perdido. A loja era minha principal fonte de renda. Pedi ajuda aos vizinhos, mas ninguém podia fazer muito por mim, pois também tentavam conter a água em suas casas”, acrescentou.

Depois das inundações, Banda, de 61 anos, teve de enfrentar a realidade de que a água ficara represada entre as casas. Quando o governo quis retirar ela e outros moradores para o Estádio da Independência de Lusaka, Banda não aceitou sem ter garantias de que poderia voltar para casa quando a água baixasse.

Outra moradora do lugar, Clara Siamwindi, contou que a situação parece piorar a cada ano. “Nos mais de 30 anos que vivo em Lusaka, nunca vi inundações como as dos últimos tempos. Para mim, como viúva, a vida ficou muito difícil, mas não posso me afastar deste lugar, a menos que o governo nos construa novas casas”, prosseguiu. Banda, Siamwindi e seus vizinhos de Kanyama não consideram que sua situação seja consequência da mudança climática, mas que se trata de um sinal da “ira divina”.

Os variáveis padrões das chuvas causaram aumento na intensidade e frequência das inundações em Kanyama e nos assentamentos vizinhos de Misisi, Chawama e John Laing. As inundações se tornaram um problema perene nestas áreas, mas a resposta do governo é lenta. “Mulheres, meninas e meninos são os mais afetados”, disse Bornface Chileshe, morador de Kanyama que se comprometeu a assumir um papel de liderança na mitigação dos efeitos da mudança climática nesse distrito e nos que ficam próximos.

Chileshe é orientador psicossocial e membro do comitê de desenvolvimento do Município. “A cada ano, especialmente em fevereiro, quando as inundações estão em seu ponto máximo, este lugar se converte em um pequeno inferno. Enfrentamos todo tipo de problemas, mas não parece que alguém se importe de fato”, afirmou. “Nessa época do ano também aumentam os focos de doenças como diarreia, febre tifóide e malária, mas não podemos ir ao posto de saúde porque lá também está inundado”, acrescentou.

Devido à má drenagem, as inundações deixam inacessíveis a clínica e as escolas. “É uma situação triste, especialmente para as mulheres grávidas que precisam de cuidados e não têm acesso” aos serviços de saúde, disse Chileshe. Ele e outra moradora do lugar, Mariel Manda, disseram a representantes da sociedade civil acreditar que o dinheiro que o governo gastou para evacuá-los e instalá-los no estádio, além de lhes fornecer provisões, provavelmente foi maior do que o que gastaria para construir um sistema melhor de drenagem a fim de apoiar os esforços de mitigação da comunidade.

Gregor Chanda, integrante do parlamento de Kanyama, disse à IPS que a mudança climática está tendo um “terrível” impacto nas mulheres e crianças. “Isto apresenta muitos desafios que o governo deveria abordar. Algumas das atividades não exigem muito dinheiro, mas simplesmente cooperação do governo”, disse Chanda, que pertence à opositora Frente Patriótica.

Um informe sobre o gasto público mostra que, em 2009 – ano em que as inundações destruíram o comércio de Banda –, o governo destinou cerca de US$ 4 milhões para construção e reabilitação do sistema de drenagem em Kanyama. O informe do auditor-geral confirma que, embora tenha sido destinada uma soma considerável, foram gastos somente US$ 2 milhões. O Ministério do governo local reteve o restante. Chanda disse à IPS que, como legislador da área, está em uma situação “muito difícil”, especialmente porque é um fato público que o dinheiro foi liberado para a construção do sistema de drenagem.

A “maioria” das mulheres que ficaram sem meios de sustento devido aos prejuízos causados pelas inundações agora devem recorrer à prostituição e outros trabalhos semelhantes para ganhar a vida, acrescentou. O presidente da Campanha Nacional de Zâmbia para Pessoas com Deficiências, Sefelino Bwalya, disse que a situação é pior para mulheres que apresentam alguma deficiência física, especialmente as cegas e as que utilizam cadeira de rodas. Envolverde/IPS