Internacional

Pobreza ganha de programas para abatê-la

Uma mãe compartilha o almoço com seus filhos em uma escola rural mexicana, como parte de um dos programas centralizados na iniciativa Cruzada Contra a Fome. Foto: Governo do México
Uma mãe compartilha o almoço com seus filhos em uma escola rural mexicana, como parte de um dos programas centralizados na iniciativa Cruzada Contra a Fome. Foto: Governo do México

Por Emilio Godoy, da IPS – 

Cidade do México, México, 4/8/2015 – O México vai na contramão da tendência majoritária na América Latina de reduzir a pobreza, e novos dados oficiais reconhecem que o problema aumentou no último biênio, apesar dos multimilionários e múltiplos programas existentes para combatê-la.

O impacto negativo da reforma fiscal de 2014, políticas públicas mal desenhadas e mal administradas, uma economia com o freio posto em seu crescimento e renda familiar congelada estão por trás do aumento do número de pessoas em condição de pobreza no segundo país mais povoado da região, segundo especialistas ouvidos pela IPS.

“Temos programas sociais bem planejados, mas muitos outros estão desvirtuados. Dizem combater a pobreza e fomentar o trabalho, mas não têm efeito. Muitos estão presos, atendem a clientelas políticas em lugar dos cidadãos”, afirmou à IPS a especialista Edna Jaime, diretora do não governamental México Avalia, um centro de análises de políticas públicas.

A crítica se foca em iniciativas como o Programa de Apoios Diretos ao Campo, que este ano acumula cerca de US$ 4 bilhões em subvenções, mas que beneficia majoritariamente os grandes exportadores do norte do país, quando nasceu para ajudar os pequenos camponeses a mitigar o impacto do Tratado de Livre Comércio com Canadá e Estados Unidos, em vigor desde 1994.

Também são criticados os subsídios ao gás e à eletricidade, que ultrapassam os US$ 15 bilhões anuais, porque não cumprem uma função de igualdade, beneficiando mais os que têm maior capacidade de consumo.

Na segunda economia latino-americana operam 48 programas federais destinados a projetos produtivos, geração de renda e serviços para o emprego, aos quais são destinados cerca de US$ 7 bilhões por ano. Quantia semelhante financia o Prospera, um programa de inclusão social antes conhecido como Oportunidade e que é elogiado por agências internacionais de desenvolvimento, e o Seguro Popular.

O primeiro transfere recursos para as famílias em situação de pobreza mediante um subsídio direto, vinculado à escolarização dos filhos e uso dos serviços locais de saúde, enquanto o segundo estende a atenção sanitária aos que são beneficiários de outros serviços de assistência social.

A última contagem feita pelo estatal Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social (Coneval), divulgado no dia 23 de julho, mostra que 55,3 milhões de pessoas subsistem em situação de pobreza no México, o que representa aumento de três milhões em relação a 2012 e equivale a 46,2% da população do país, de 121 milhões de habitantes. Do total de pessoas na pobreza, o Coneval mostra que 12 milhões têm renda inferior a US$ 1 por dia e outros 12 milhões abaixo de US$ 2.

Na região, o México vai contra a corrente ao ser um dos poucos países que não teve êxito em reduzir a pobreza, junto com Guatemala e El Salvador, segundo o Informe de Desenvolvimento Humano de 2014, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

“O México é um dos poucos países que em lugar de reduzir a pobreza, como vinha ocorrendo na década passada, deteve esse avanço. As causas são um crescimento econômico não muito alto e o gasto que não tem incidência redistributiva”, explicou à IPS o coordenador desse informe no México, Rodolfo de la Torre. Para ele, o impulso experimentado por alguns programas de combate à pobreza diminuiu, o que “significa que começou a perder efeito para conter e reduzir a pobreza”.

Beneficiários de um dos subsídios para produtores rurais recebem a ajuda em um povoado do México, como parte do programa social Prospera, destinado a reduzir a pobreza. Mas, apesar do multimilionário orçamento destinado a reduzir o problema, a pobreza cresceu no último biênio no país. Foto: Governo do México
Beneficiários de um dos subsídios para produtores rurais recebem a ajuda em um povoado do México, como parte do programa social Prospera, destinado a reduzir a pobreza. Mas, apesar do multimilionário orçamento destinado a reduzir o problema, a pobreza cresceu no último biênio no país. Foto: Governo do México

A medição do fenômeno se baseia na cobertura de serviços básicos como educação, saúde, seguridade social, moradia e alimentação, além da renda familiar.

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) reduziu a previsão de crescimento mexicano para este ano de 3% para 2,4% do produto interno bruto, um ritmo insuficiente para gerar o milhão de novos empregos que o país necessita. Em questão de renda, o atual salário mínimo mexicano de US$ 5 por dia é um dos menores da América Latina, segundo o Observatório de Salários, da Universidade Iberoamericana de Puebla (privada), que fica na cidade de mesmo nome.

Mas o aumento da pobreza evidencia não só as fraquezas do Prospera, mas também da Cruzada Nacional Contra a Fome, a iniciativa estelar do presidente conservador Enrique Peña Nieto, que busca atender as pessoas em pobreza extrema e subalimentadas. A Cruzada se concentra em 400 municípios, envolve 70 programas federais, e aspira atender 7,4 milhões de afetados, dos quais 3,7 milhões moram em zonas urbanas e o restante na área rural.

Para Jaime, a instrumentação da estratégia “é muito complicada”, por seu desenho e sua estrutura multissetorial e pelo risco de capturar clientelas. “Há instrumentos mais testados para atender os pobres. A Cruzada não teve o êxito esperado”, afirmou. Desde seu lançamento, em janeiro de 2013, um mês depois de Nieto chegar à Presidência, o México Avalia, integrante da rede Ação Cidadã Frente a Pobreza, tornou públicas suas preocupações sobre a iniciativa.

Para De la Torre, não se trata de um fracasso extremo, mas “é uma chamada de atenção para revisar seu funcionamento. Não se pode jogar toda a redução da pobreza em um programa. As políticas de saúde e educação têm um papel a desempenhar. Se não se investir  novos recursos, a estratégia não dará uma virada rumo ao foco de reduzir a pobreza”.

Ao começar agosto, o governo ainda não havia anunciado as metas específicas da Cruzada para este ano, enquanto o Coneval apresentará em dezembro próximo sua avaliação da estratégia de médio prazo. Com um panorama econômico lúgubre e o governo aferrado à austeridade do gasto, os especialistas sugerem repensar a estrutura do orçamento e revisar a gestão dos programas sociais.

“Se não aumentarem a produtividade e os salários, a pobreza não diminuirá por meio da renda. É preciso garantir serviços sociais, como saúde, educação e moradia, e assegurar orçamentos mais racionais, com melhores definições em políticas e programas contra a pobreza”, pontuou Jaime. Segundo o Pnud, não é possível esperar a reativação econômica para reduzir a pobreza.

“É preciso modificar a forma como o gasto se foca na população de maiores necessidades. O gasto não chega aos mais pobres dos pobres, mas está tendo uma destinação que não é sensível às carências nem regionais nem de grupos e indivíduos em particular”, criticou De la Torre.

O Pnud prepara estudos sobre o gasto público com a infância, para identificar em quais etapas da vida há buracos orçamentários e sobre a evolução do desenvolvimento humano e a contribuição do mercado de trabalho para esse desenvolvimento. Envolverde/IPS