Internacional

Ban derruba mito do emprego eterno na ONU

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Babacar Gaye renunciou ao cargo de representante especial do secretário-geral da ONU e titular da Minusca. Foto: Loey Felipe/ONU

Por Thalif Deen, da IPS – 

Nações Unidas, 18/8/2015 – O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, se absteve de dizer a um de seus representantes especiais de alto nível: “Está demitido”. Se o tivesse feito, apenas teria reiterado as agora famosas palavras do candidato presidencial norte-americano, Donal Trump, famoso por usar essa frase em um reality show no passado e também para despedir funcionários de suas empresas.

Após a suposta violação de uma menina de 12 anos por parte de capacetes azuis (soldados da ONU) na República Centro-Africana – que se soma a outros 11 casos de abusos sexuais nesse país devastado pela guerra –, Ban forçou a renúncia do funcionário de maior status na força enviada a esse país, o senegalês Babacar Gaye. A destituição foi descrita como “sem precedentes” nos 70 anos de história das Nações Unidas.

Em uma época passada, os empregos na ONU, como a maioria das presidências ditatoriais do terceiro mundo, eram para toda a vida, até que se chegasse à idade da aposentadoria, aos 60 anos, que agora subiu para 62 e no futuro irá a 65. O máximo que podia acontecer em consequência de alguma infração era um funcionário da ONU ser aposentado antecipadamente.

O caso que melhor ilustra essa norma é uma piada que circula no fórum mundial sobre uma secretária que, furiosa com seu chefe, atirou sobre ele sua máquina de escrever. Naturalmente, isso aconteceu há muito tempo, mas nada aconteceu, porque a mulher tinha um emprego vitalício e não podia ser demitida.

Entretanto, o resultado final foi um memorando do Departamento de Recursos Humanos a todos os chefes de divisão da ONU, pedindo urgentemente que tivessem controle sobre todas as máquinas de escrever em seus escritórios. A piada reflete o histórico estilo de vida profissional nos 39 andares do prédio de vidro localizado à margem leste de Manhattan.

Ian Richards, presidente do Comitê Coordenador de Sindicatos e Associações de Pessoal Internacional (CCISUA) disse à IPS que não tem “recordação de um diplomata ter sido despedido”, e acrescentou que “os casos de demissão são muito raros, e costumam ser causados por questões disciplinares. Mas houve casos em que não foram renovados os contratos, em geral citando dificuldades no desempenho, mas que acreditamos terem sido circunstâncias abusivas. Felizmente, não é comum”.

Em consulta a portas fechadas com o Conselho de Segurança da ONU, no dia 13, Ban afirmou que se envergonhava pelas denúncias de exploração e abuso sexual por parte de capacetes azuis na República Centro-Africana, e explicou que por essa razão solicitou a renúncia do general Babacar Gaye, “apesar de seu prolongado e ilustre serviço às Nações Unidas”. E acrescentou que, “no caso das missões de paz, a responsabilidade começa na cúpula, com o representante especial do secretário-geral, e se estende a cada nível de administração e comando”.

No dia seguinte, Ban convocou uma reunião extraordinária de seus representantes especiais, comandantes de força e comissários policiais nas 16 missões de paz, para enviar a mensagem inequívoca de que estão obrigados a fazer cumprir em tempo integral os máximos padrões de conduta para todos.

O secretário-geral também ressaltou que é crucial que os países que fornecem efetivos militares ajam imediatamente para designar funcionários nacionais dedicados a realizar investigações, concluí-las e levar à justiça os responsáveis. É responsabilidade deles garantir a justiça e comunicar à Secretaria os resultados de suas ações, acrescentou.

“Quando a Secretaria recebe informação sobre as medidas tomadas em casos substanciais de exploração e abuso sexual, me sinto frustrado com o que parecem ser sanções muito indulgentes por atos tão graves que afetam homens, mulheres e, muito frequentemente, meninos e meninas”, afirmou o secretário-geral.

Segundo Ban, não responsabilizar penalmente os autores de crimes sexuais equivale à impunidade e “é um segundo golpe para as vítimas e uma aprovação tácita dos crimes que com tanta dificuldade tentamos acabar”.

Quanto à República Centro-Africana, Stephane Dujarric, porta-voz da ONU, disse que foram informadas “57 acusações de possível má conduta”, incluídos 11 casos de abusos sexuais e possíveis abusos sexuais desde o início da missão, em abril de 2014, e que estão sendo investigados.

Desde a data de seu envio, a Missão de Estabilização Multidimensional Integrada das Nações Unidas na República Centro-Africana (Minusca), liderada pelo destituído Gaye, vem tentando acalmar as tensões sectárias no país. Mais de dois anos de guerra civil e violência deslocaram milhares de pessoas em meio aos enfrentamentos entre a aliança muçulmana Séleka e a milícia cristã antiBalaka. Além disso, o insurgente Exército de Resistência do Senhor continua operando no sudeste do país. Envolverde/IPS