Internacional

Mulheres administram extração de areia

As mineradoras se reúnem ao amanhecer nas minas distribuídas nas margens dos rios do Estado de Andhra Pradesh para supervisionar a extração e o carregamento de areia. Foto: Stella Paul/IPS
As mineradoras se reúnem ao amanhecer nas minas distribuídas nas margens dos rios do Estado de Andhra Pradesh para supervisionar a extração e o carregamento de areia. Foto: Stella Paul/IPS

Por Stella Paul, da IPS – 

Guntur, Índia, 3/9/2015 – “Quem tiver recibo impresso de pagamento faça fila. Pagaremos um a um. Gritar não vai ajudar”, diz com firmeza Kode Sujatha, de 37 anos, uma das 18 mulheres que administram a Sociedade Cooperativa de Ajuda Mútua de Undavalli, um povoado próximo ao rio Krishna, no Estado indiano de Andhra Pradesh.

Sujatha falava a um grupo de homens que a rodeavam e tentavam receber primeiro por levar areia do rio até a costa. Falar com dureza faz parte do trabalho cotidiano desta camponesa, transformada em mineradora em sua aldeia do distrito de Guntur, conforme explicou à IPS.

Mas lidar com um grupo de homens irritados não é nem de perto o principal problema da cooperativa de mulheres dedicada à dragagem, extração, carga e venda de areia. As poderosas “máfias da areia” que operam em todo o Estado constituem um desafio maior, bem como a ameaça constante de degradação ambiental e pobreza que caracteriza este Estado majoritariamente rural.

Sujatha está decidida a fazer a iniciativa funcionar. Supervisionar a extração e o transporte de areia para que sejam sustentáveis é sua passagem para um salário decente e certo grau de poder de decisão sobre sua própria vida.

Camponesas que administram a extração de areia no Estado de Andhra Pradesh, na Índia, aprendem a usar computadores. Foto: Stella Paul/IPS
Camponesas que administram a extração de areia no Estado de Andhra Pradesh, na Índia, aprendem a usar computadores. Foto: Stella Paul/IPS

Um informe Areia: Mais Rara do que Pensamos, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), de 2014, revela que a areia e o cascalho representam a maior proporção das aproximadamente 59 bilhões de toneladas de material extraído por ano em todo o mundo.

O cascalho combinado usado em escala global, que inclui 29,5 bilhões de toneladas de areia utilizada a cada ano na produção de cimento para concreto e outros 180 milhões de toneladas devoradas por outras indústrias, supera os 40 bilhões de toneladas anuais, o dobro da quantidade anual de sedimentação que arrastam todos os rios do mundo, segundo o Pnuma.

As consequências ambientais mais graves do insaciável apetite pela areia inclui a perda de terras pela erosão fluvial e costeira, o que eleva o risco de inundações, especialmente em áreas de extração, de esgotamento das camadas freáticas e da redução do fornecimento de sedimentos.

O transporte de áridos, como se denomina o material utilizado para construção, é um processo que produz muito dióxido de carbono (CO2), enquanto a produção de uma só tonelada de cimento que utiliza areia e cascalho libera na atmosfera 0,9 tonelada desse gás contaminante.

Estimativas do Centro de Análise e Informação sobre o Dióxido de Carbono (CDIAC) sugerem que, em 2010, a produção de cimento emitiu 1,65 bilhão de toneladas de CO2, quase 5% do total de gases-estufa liberados no mesmo ano.

Na Índia, décadas de auge da construção dispararam a demanda por areia, especialmente para produção de cimento e concreto. Este país tem a terceira maior indústria da construção do mundo e enormes operações de extração de areia, muitas ilegais e não regulamentadas, que prejudicam a cobertura natural do leito dos rios, aprofundando-os e alargando sua boca, bem como contaminando as fontes de água subterrâneas.

Em Andhra Pradesh estima-se que há cerca de 850 mil grupos de autoajuda femininos, dos quais participam cerca de 10,2 milhões de mulheres, que geraram aproximadamente 19 bilhões de rúpias (US$ 287 milhões) em economia na década passada.

Solomon Arokiyaraj, diretor-executivo da estatal Sociedade para a Eliminação da Pobreza Rural (Serp), informou que as mulheres administram 300 jazidas diferentes neste Estado, com 49 milhões de habitantes. Grupos de 10 a 12 pessoas, que antes ganhavam menos de um dólar por dia, agora administram esses locais em nome do governo.

Venketeshwara Rao, funcionário do distrito de Guntur que supervisiona o projeto, disse à IPS que as mulheres de Undavalli têm licença para operar em uma área de oito hectares, identificadas pelas autoridades federais no contexto de seus esforços pela remoção de sedimentos nas jazidas.

Ao amanhecer as mulheres se reúnem nos locais de extração e às seis horas da manhã começa a dragagem mecânica. A areia extraída é colocada em barcos e depois levada para caminhões, onde se elimina o excesso de água que é devolvida ao rio.

Rao estima que os grupos de mulheres das oito jazidas de areia do distrito de Guntur venderam mais de um milhão de metros cúbicos de areia desde novembro de 2004, o que chega a mais de 70 milhões de rúpias (mais de US$ 1 milhão). Cada mineira ganha US$ 6 por dia e suas respectivas cooperativas US$ 0,07 para cada metro cúbico de areia, cerca de US$ 1 mil por ano.

Estas barcas, que extraem areia de forma ilegal no populoso Estado de Andhra Pradesh, na Índia, se tornaram raridade depois que vários grupos de mulheres assumiram a gestão da atividade, em 2014. Foto: Stella Paul/IPS
Estas barcas, que extraem areia de forma ilegal no populoso Estado de Andhra Pradesh, na Índia, se tornaram raridade depois que vários grupos de mulheres assumiram a gestão da atividade, em 2014. Foto: Stella Paul/IPS

Considerada um mineral “inferior”, a areia fica fora da jurisdição do governo federal, que limita a extração e a venda dos “grandes” minerais, como carvão, ferro e cobre. Muitas leis indianas proibiram a extração de areia dos rios sem uma autorização especial. Entretanto, a imprensa denunciou as atividades extrativas de consórcios conhecidos como “máfias da areia”, supostamente responsáveis pela extração de caminhões de areia.

Muitos operam sem permissão governamental, outros superam sistematicamente os volumes permitidos ou avançam sobre áreas não contempladas pelas autoridades. Em abril, o ministro das Finanças de Andhra Pradesh, Yanamala Ramakrishnudu, declarou à imprensa que a mineração ilegal havia roubado deste Estado cerca de 10 bilhões de rúpias (US$ 150 milhões) nos últimos dez anos.

Apesar dos vastos danos denunciados pela Pesquisa Geológica da Índia, o governo estadual é incapaz de acabar com essa atividade, ou não tem a vontade necessária para isso. Só em 2014, e após o protesto do Ministério de Mineração pela “ameaça” que representa a extração irregular de areia, foi que Andhra Pradesh cancelou todas as licenças emitidas pela Lei de Água, Terra e Árvores, de 2002, e entregou o poder aos grupos femininos de autoajuda.

Há cerca de 40 jazidas neste Estado, algumas centenárias, com enormes acúmulos de areia. Indavalli está em uma delas, a represa de Prakasam, construída em 1855 sobre o rio Krishna, e onde a sedimentação aumentou ao ritmo de 0,5% a 0,9% ao ano, segundo o Departamento Estadual de Irrigação. As licenças não são concedidas de forma indefinida, e seu prazo varia de dois a 12 meses, segundo o grau de sedimentação e as condições geológicas particulares da área.

Entregar a um grupo de mulheres a tarefa não resolve os problemas da extração de areia, nem a insustentabilidade da demanda global por esse material, que causa enorme destruição ambiental na Índia e em outras partes do mundo. Envolverde/IPS