Por Oscar Arias Sanchez*
São José, Costa Rica, setembro/2015 – Há 28 anos, neste mesmo mês de agosto, uma mulher indígena estava na praça na Cidade de Guatemala, olhando como os presidentes da América Central saíam à rua após assinarem os Acordos de Paz que poriam fim às guerras civis em nossa região. Quando me aproximei dela, pegou minhas mãos nas suas, e me disse: “Obrigada, senhor presidente, por meu filho que está lutando nas montanhas, e pelo filho que levo em meu ventre”.
Não é necessário dizer que desde esse momento me pergunto o que terá acontecido com os filhos dessa mulher. Nunca os conheci, mas essas crianças do conflito nunca estão longe de meus pensamentos. Essas crianças e outras como elas constituíram o objetivo do tratado de paz que eu redigi. Foram seus verdadeiros autores, sua razão de ser. Deles eram as vidas por trás de cada letra que escrevemos em cada página, atrás de cada palavra que negociamos.
Para nós, os presidentes que assinamos o tratado, conseguir a paz era o desafio mais importante de nossas vidas. Para esses meninos, era uma questão de vida ou morte.
Mas nossa vitória de paz, em 1987, não protegeu totalmente essas crianças ou milhões mais como elas, porque as armas que entraram em nossa região durante os conflitos não desapareceram quando foi içada a bandeira branca.
Anos depois de os fornecedores de armas terem abastecido exércitos ou forças paramilitares durante a década de 1980, essas armas foram descobertas nas mãos de gangues que percorriam os campos da Nicarágua, ou em mãos de adolescentes nas ruas de São Salvador e Tegucigalpa.
Outras armas foram enviadas a guerrilheiros ou grupos paramilitares, como os cartéis de droga na Colômbia, prontos para destruírem ainda mais vidas. Entramos em uma nova era de paz, mas as armas do passado se converteram em grilhões em nossos pés.
Ao olhar o que acontece em minha região, também me dei conta de que o comércio internacional de armas, sem nenhuma regulamentação, estava alimentando uma violência desnecessária como a que ocorre em todo o mundo. Durante a história moderna, dissemos, de fato, às crianças do mundo que, enquanto regulamentamos o comércio internacional de armas e têxteis e de qualquer outro produto sob o sol, não nos interessa regulamentar o comércio internacional de armas letais, embora estas sejam vendidas a ditadores ou a outros transgressores dos direitos humanos, ou colocadas diretamente nas mãos de crianças-soldado.
Por isso, em 1997 começamos a trabalhar no que depois seria o tratado sobre o comércio de armas. Rapidamente uniram-se a mim outros ganhadores do Nobel da Paz, e depois amigos e aliados em todo o mundo.
Na véspera do Natal de 2014, o Tratado Internacional sobre o Comércio de Armas finalmente entrou em vigor. E entre os dias 24 e 27 de agosto, em Cancún, no México, aconteceu a primeira Conferência das Partes do Tratado, a fim de iniciar sua implantação.
Nunca pensei que veria este dia e estou encantado que seja uma realidade. Também estou mais determinado do que nunca a garantir que o Tratado desenvolva todo seu potencial.
O Tratado é uma poderosa arma, mas somente protegerá nossas crianças se o tornarmos efetivo. Somente protegerá nossas crianças se o implantarmos cabalmente. Somente protegerá nossas crianças se conseguirmos que o consenso não seja usado como uma desculpa para a falta de ação.
Exorto as 72 nações que ratificaram o Tratado para que definam uma alternativa ao consenso, para que uma parte não possa paralisar sua implantação. A perfeição é inimiga do bom, e, neste caso, quando vidas humanas dependem de uma resolução rápida dos conflitos pendentes, a inércia seria o contrário do perfeito.
Devemos continuar fazendo ouvir nossa voz diante da tremenda oposição de grupos que continuam se colocando contra o Tratado, alegando que infringe sua soberania nacional. De fato, é todo o contrário: nenhuma definição de soberania nacional inclui o direito de vender armas para a violação de direitos humanos em outros países. Uma nação disposta a realizar tal ato não está se defendendo… está infringindo a soberania das outras nações que apenas desejam viver em paz.
Também devemos evitar usar o terrorismo no mundo atual como uma desculpa para a falta de regulamentação. A famosa frase de Cícero, silentenimleges inter armas – as leis se calam quando as armas falam –, tem sido usada com frequência para reforçar a ideia de que as leis não devem ser aplicadas durante tempos de guerra. Mas é justamente em tempos de guerra que há a necessidade de a lei ser aplicada com mais força. Quando as armas circulam livremente e chegam às piores mãos possíveis, a lei deve falar. Quando as vidas de inocentes correm perigo devido à ausência de regulamentação, a lei deve falar.
E nós devemos falar hoje: a favor deste Tratado crucial e sua rápida e efetiva implantação. Se o fizermos, quando as crianças dos conflitos nos procurarem pedindo guia e liderança, já não desviaremos nosso olhar envergonhado. Poderemos dizer-lhes, finalmente, que estamos protegendo seu futuro, que estamos alertas, que, finalmente, alguém está pronto para agir. Envolverde/IPS
* Óscar Arias recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1987 e foi duas vezes presidente da Costa Rica.