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O papel das ONGs no século XXI

O primeiro papel das ONGs é se tornarem centros de inovação e criatividade no desenvolvimento de soluções para problemas complexos. Foto: Shutterstock
O primeiro papel das ONGs é se tornarem centros de inovação e criatividade no desenvolvimento de soluções para problemas complexos. Foto: Shutterstock

As organizações têm flexibilidade e são mais propensas a experimentar.

Por Virgilio Viana –

O século XXI será marcado pela rapidez das mudanças derivadas de inovações tecnológicas disruptivas, com enormes consequências para os padrões de consumo. E pelo agravamento das tensões sociais relacionado aos conflitos armados, superpopulação, desigualdades sociais, mudanças climáticas e degradação dos ecossistemas naturais que sustentam a vida no planeta. Esse cenário aumentará a complexidade dos problemas e tornará o seu enfrentamento uma tarefa extremamente desafiadora. Nesse contexto, qual será o papel das organizações não governamentais?

Antes de responder a essa pergunta é necessário considerar a existência de um amplo espectro de ONGs, com perfil, missão, estratégia e escopo de atuação muito diferenciados. Segundo dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, existem 290.692 fundações privadas e associações sem fins lucrativos no País. A Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais possui 226 afiliados. O Grupo de Institutos, Fundações e Empresas possui 130 integrantes e os categoriza em fundações e institutos empresariais, fundações e associações familiares, independentes e comunitárias e empresas. Os afiliados do Gife investem anualmente 2,2 bilhões de reais em projetos sociais, culturais e ambientais. Os movimentos sociais representam outro segmento, muito mais numeroso e com menos recursos financeiros, e reúnem associações de moradores e de classe, muitas informais. As empresas também possuem organizações de representação de classe.

Quando se considera a heterogeneidade da paisagem institucional, é muito desafiador apontar o papel das organizações não governamentais no século XXI. Por outro lado, torna-se estratégica a análise da relevância dessas instituições para o futuro de nossas sociedades. Assim, peço escusas antecipadas pelo nível de abstração necessário e pela eventual não aplicabilidade dessa análise a determinadas instituições.

O primeiro papel das organizações não governamentais é se tornarem centros de inovação e criatividade no desenvolvimento de soluções para problemas complexos. Ao contrário dos governos, as ONGs são menos burocráticas e mais flexíveis. Ao contrário das empresas privadas, têm menos medo dos riscos financeiros e são mais propensas a experimentar. Soma-se a isso o fato de terem mais jovens nas suas equipes, o que permite um diálogo mais fácil com a inovação e o espírito de mudança.

O segundo papel das organizações é a articulação de parcerias trissetoriais, a envolver também governos e empresas. Essas parcerias serão fundamentais para resolver os complexos problemas dos tempos modernos. Parcerias trissetoriais representam a tônica do pensamento das instituições multilaterais globais. Situa-se aqui o conceito de valor compartilhado, de grande importância nesse contexto.

O terceiro papel é o de aproximar as instituições de ensino, pesquisa e inovação tecnológica do mundo real. Essas instituições tendem a se distanciar da realidade e se isolar de forma autocentrada. Contribuem menos do que poderiam, dado o seu elevado nível de qualificação acadêmica e técnica.

O quarto papel é o de denunciar os problemas e incomodar os tomadores de decisão, tanto nos governos quanto nas empresas. A maior liberdade, jovialidade e inquietude das ONGs torna-as mais capazes de apontar a corrupção, o abuso aos direitos humanos, as injustiças sociais e as tragédias ambientais.

O quinto papel é o de contribuir para o aumento da eficiência das políticas públicas. Os governos são cada vez mais cobrados pela baixa qualidade dos serviços prestados. A máquina pública é caracterizada pela ineficiência e pela dificuldade de inovação. As organizações não governamentais podem prover análises inovadoras, articular a contribuição das instituições de pesquisa e experimentar soluções inovadoras em escala piloto.

O sexto papel é o de contribuir para a cooperação em redes de conhecimento, inovação e ação, com especial atenção para a cooperação Sul-Sul entre países. A revolução tecnológica aumentou brutalmente a conectividade global. As organizações não governamentais possuem um perfil mais flexível e dinâmico para animar redes de inovação e intercâmbio de soluções.

O sétimo papel é o de alimentar a utopia. As crises globais, especialmente aquelas associadas às mudanças climáticas e conflitos armados, colocam uma nuvem de desesperança no ar, alimentando angústia, apatia e alienação, especialmente entre os jovens. As organizações não governamentais podem servir como vetores de esperança e criação de um senso de propósito na vida dos indivíduos. Isso é muito importante para a felicidade humana.

Essa lista não pretende ser exaustiva. Os sete papéis apresentados aqui apontam para a óbvia necessidade de valorizarmos o papel das ONGs no futuro de nossas sociedades. Cabe a essas instituições um papel estratégico para galvanizar a energia necessária para desenvolver soluções inovadoras para os complexos problemas e desafios do século XXI. (Carta Capital/ #Envolverde)

* Publicado originalmente no site Carta Capital.