Internacional

Retomada investigação sobre desaparecidos

Pais e familiares dos 43 estudantes desaparecidos em Ayotzinapa, durante o encontro com jornalistas na Cidade do México, no dia 6 deste mês, pouco depois que os cinco integrantes do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes divulgar suas primeiras conclusões sobre as graves falhas na investigação do caso. Foto: Daniela Pastrana/IPS
Pais e familiares dos 43 estudantes desaparecidos em Ayotzinapa, durante o encontro com jornalistas na Cidade do México, no dia 6 deste mês, pouco depois que os cinco integrantes do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes divulgar suas primeiras conclusões sobre as graves falhas na investigação do caso. Foto: Daniela Pastrana/IPS

Por Daniela Pastrana, da IPS – 

Cidade do México, México, 16/9/2015 – Quase um ano depois do desaparecimento forçado de 43 estudantes rurais no México, as investigações do governo voltaram ao ponto de partida, depois que um grupo de especialistas independentes desmontou todos os argumentos da tese oficial. “Deve-se fazer uma reformulação geral da investigação”, destacou o psicólogo espanhol Carlos Beristáin, um dos cinco integrantes do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (Giei), designado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que apresentou seu informe no dia 6 deste mês.

O Giei foi criado pela CIDH, em acordo com o Estado mexicano e os representantes das vítimas, para dar assistência técnica internacional na investigação do ataque cometido por policiais municipais contra os 43 estudantes, no dia 26 de setembro de 2014, quando se deslocavam em um ônibus. As vítimas estudavam em uma das 17 escolas que formam professores rurais no país, localizada em Ayotzinapa, no Estado de Guerrero.

O mandato inicial do Giei durou de 2 de março a 2 de setembro, tempo no qual os especialistas revisaram os 115 volumes do processo judicial do caso, visitaram os lugares e entrevistaram os familiares de todas as vítimas. O informe de 550 páginas é um catálogo de erros na investigação encabeçada pela Procuradoria Geral: fatos não investigados, evidências destruídas, denúncias de tortura, inexistência de hipótese de busca fundamentada em fatos e desconexão nas investigações sobre o momento da agressão e o destino final dos estudantes.

Sobretudo, desmonta a tese central, apresentada em janeiro como a “verdade histórica” pelo ex-procurador Jesús Murillo Karam, de que os estudantes foram assassinados e seus corpos incinerados em um lixão do município de Cocula, vizinho ao de Iguala, onde ocorreu a agressão. O governo se baseou em testemunhos de três supostos participantes dos assassinatos, que declararam que alimentaram a fogueira por 12 horas, com cobertas, madeira, diesel e outros combustíveis. Depois trituraram os ossos até virarem cinza e juntaram os restos em sacos plásticos que jogaram no rio que fica próximo.

“Não foram incinerados no lixão de Cocula. Esse evento, assim como foi descrito, não aconteceu”, ressaltou contundente o advogado chileno Francisco Cox. A conclusão do Giei se baseia na investigação de José Torero, especialista em fogos da australiana Universidade de Queensland, que determinou que, para incinerar os 43 corpos nessas condições, seriam necessárias 30 toneladas de madeira, 13 de pneus e pelo menos 60 horas. Além disso, a pira teria gerado uma chama de sete metros de altura, uma coluna de fumaça de 300 metros e, devido à geografia do lugar, teria provocado um incêndio florestal e a radiação “teria queimado vivo” quem estivesse por perto.

O informe esclarece outras dúvidas, como a presença do Exército, em pelo menos um dos cenários, e a possibilidade de o ataque ter se originado em uma confusão. “Os estudantes tiveram vigilância de autoridades estatais, federais e do Exército. Não é que não soubessem quem eram e o que faziam”, apontou a advogada guatemalteca Claudia Paz.

Os cinco integrantes do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes reunidos com alunos e familiares durante sua visita à Escola Normal Rural Raul Isidro Burgos de Ayotzinapa, de onde saíram, no dia 26 de setembro de 2014, os 43 estudantes de magistério rural vítimas de desaparecimento forçado. Foto: Cortesia do Centroprodh
Os cinco integrantes do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes reunidos com alunos e familiares durante sua visita à Escola Normal Rural Raul Isidro Burgos de Ayotzinapa, de onde saíram, no dia 26 de setembro de 2014, os 43 estudantes de magistério rural vítimas de desaparecimento forçado. Foto: Cortesia do Centroprodh

“Os estudantes não portavam armas, não há policiais feridos, chegaram à cidade muito tempo depois de concluído o evento, e seu plano não era entrar na cidade”, acrescentou Paz, se referindo a uma alegada tentativa de boicotar um ato político de María de los Ángeles Pineda, esposa do prefeito, que é acusado de ligação com o grupo de narcotráfico que opera em Iguala.

Há, por outro lado, uma linha não investigada e na qual poderia ser fundamental um ônibus da linha Estrella Roja, que aparece e desaparece do processo. “Esse quinto ônibus” foi o último a sair do terminal com estudantes e tomou uma direção diferente dos demais. O Giei soube que em Iguala opera uma rede de tráfico de heroína para os Estados Unidos, que movimenta seus carregamentos em ônibus comerciais, e concluiu que os estudantes podem ter entrado, sem saber, em uma unidade que transportava droga, o que explicaria a “reação extremamente violenta e o caráter maciço do ataque”.

O grupo explicou que foi um ataque simultâneo, que durou pelo menos três horas em nove cenários distintos, com a intenção de impedir que os ônibus deixassem a cidade. “O nível de intervenção de diferentes polícias e cenários dá conta da coordenação e do comando existente para realizar essa ação”, diz o informe. Apesar disso, a investigação se fragmentou desde o início, e em algum momento houve 52 procuradores trabalhando separadamente, sem troca de informação entre eles.

Por isso, entre as 20 recomendações do Giei estão a unificação da investigação, realização das diligências pendentes, investigação de funcionários que criaram obstáculos e impediram a investigação, e esgotar como linha prioritária o transporte de drogas.

Em um encontro com jornalistas em que não foram permitidas perguntas, a procuradora geral, Arely Gómez, nomeada em março, ofereceu uma nova perícia do lixão e a extensão do trabalho do Giei por mais seis meses. Para os pais dos estudantes desaparecidos, isso não basta. Eles se sentem enganados pelas autoridades e pediram que o Giei seja ratificado, “até que os estudantes sejam encontrados”.

A pergunta que fica no ar é: o “que acontece?”. “A âncora é a recomendação dos especialistas, a Procuradoria tem que assumir o informe como parte da investigação e integrá-lo ao processo”, ressaltou à IPS o advogado Abel Barrera, diretor do Centro de Direitos Humanos da Montanha Tlachinollan, que acompanha juridicamente os pais.

No mesmo sentido, Mario Patrón, do Centro de Direitos Humanos Miguel Agustín Pro, disse que se deve esgotar as linhas de investigação da ligação entre políticos e criminosos. “Um bom indício é que referendem o grupo especialista, enquanto eles estiverem aqui, podemos ter garantias”, opinou à IPS. Mas não são tão otimistas. A agressão contra os estudantes rurais deixou, além dos 43 desaparecimentos forçados, seis execuções, entre elas as de dois estudantes assassinados à queima-roupa e mais outro torturado e depois assassinado, e 40 feridos (dois seguem em coma). Além disso, há cerca de 700 famílias vítimas.

O informe do Giei também resgata a documentação de 148 casos de desaparecidos em oito anos, 82 em Iguala e 55 durante o mandato do prefeito José Luis Abarca. Desde outubro foram detidas mais de cem pessoas, entre elas Abarca e sua mulher. Não há sentenças e nem todas as detenções se relacionam com os estudantes. O próprio ex-prefeito é processado por outros 55 desaparecimentos registrados durante sua gestão. E os 60 processados pelo caso dos estudantes enfrentam o crime de sequestro, não de desaparecimento forçado.

“Imagine se fazem assim com os 43, que deram a volta ao mundo, o que não fazem com a gente”, observou Mario Vergara, um dos promotores das buscas de familiares nas fossas descobertas na região durante a investigação sobre os estudantes. “Agradeço muito o trabalho dos especialistas, mas enquanto não encontrarmos nossos familiares, e não forem punidos os responsáveis, isso de nada servirá”, destacou à IPS. Envolverde/IPS