TERRAMÉRICA - O desafio de uma salada saudável

Erradicar bacilos perigosos das saborosas hortaliças e frutas do México requer controle de qualidade da cadeia produtiva desde a irrigação até as mãos do consumidor, alertam especialistas.

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Venda de verduras no mercado de San Juan Chamul, Chiapas.
Cidade do México, México, 11 de julho de 2011 (Terramérica).- Os contágios e focos epidêmicos pela ingestão de alimentos nos Estados Unidos, Europa e México mostram o fracasso de iniciativas regionais e globais para obter frutas e verduras saudáveis. A boa qualidade alimentar engloba “como se produz, distribui, comercializa e consome os alimentos”, disse ao Terramérica Dolores Rojas, coordenadora de campanhas de incidência da filial mexicana da Oxfam, organização não governamental internacional dedicada a promover o desenvolvimento.

“É dada prioridade a um sistema que produz de tal forma que esgota os recursos, que busca obter lucro máximo em menor tempo”, lamentou Dolores. O consumo de tomate e de chiles (pimenta jalapenha e serrana proveniente de uma fazenda mexicana) causou salmonelose, em 2008, cerca de 1.500 pessoas e matou duas nos Estados Unidos, segundo a pesquisa “2008 Outbreak of Salmonela Saintpaul Infections Associated with Raw Produce” (Foco de Infecções por Salmonela Saintpaul de 2008 Associado a Alimentos Crus).

A pesquisa de um grupo de cientistas dos Centros para o Controle e a Prevenção de Doenças, dos Estados Unidos, publicada em março deste ano na revista The New England Journal of Medicine, incluiu um rastreamento ambiental e epidemiológico e testes de laboratório. A Administração de Medicamentos e Alimentos dos Estados Unidos (FDA) investigou duas produtoras de hortaliças mexicanas que forneciam pimenta a uma empresa empacotadora e isolou a cepa da bactéria contaminante em amostras de água de uso agrícola e em chiles serranos cultivados entre meados de abril e junho de 2008, período de surgimento do foco.

É preciso entender “os mecanismos e ambientes que podem levar a uma contaminação do produto nas hortas, e a instauração de medidas de controle adicionais desde a fonte ao longo da cadeia de fornecimento são críticos para prevenir focos semelhantes”, concluiu o estudo. A salmonelose é uma doença intestinal situada entre as infecções mais graves dos Estados Unidos e do México. Neste último, com mais de 170 milhões de habitantes, são registrados aproximadamente 68 mil casos por ano, segundo o Ministério de Saúde Pública.

Entre as milhares de cepas patogênicas e inócuas do gênero Salmonella, os serótipos mais frequentes em humanos são S. enteritids, S. Typhimurium e S. heidelberg, que causam desde salmonelose entérica até tifo e paratifo. Os sintomas da salmonelose são diarreia, dores abdominais, vômitos e náuseas, e o sofrimento pode ser letal se não for tratado a tempo. A pesquisa “Prevalence of Salmonella in Vegetables from Mexico” (Prevalência da Salmonela em Verduras do México), conduzida por especialistas dos departamentos de Microbiologia do estatal Instituto Politécnico Nacional (IPN) e de Biotecnologia da também estatal Universidade Autônoma Metropolitana (UAM), corroborou a presença do bacilo em produtos agrícolas.

O estudo, publicado em junho de 2009 na revista norte-americana Journal of Food Protection, se baseou em uma centena de amostras de 17 vegetais diferentes, analisados durante 18 meses. “Existe um sério problema em toda a cadeia, que não pode evitar a contaminação. É preciso ir à fonte e controlar cada etapa da cadeia”, disseram ao Terramérica os autores do trabalho.

Em maio surgiu na Alemanha uma epidemia de síndrome urêmico hemolítica causada por um novo serótipo da bactéria Escherichia coli. As autoridades alemãs atribuíram o problema à ingestão de brotos de soja e alfafa. A infecção se espalhou por várias nações europeias e chegou aos Estados Unidos, deixando pelo menos 45 mortos e mais de 3.800 enfermos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em 2000, houve um foco de salmonelose nos Estados Unidos, atribuído ao melão mexicano. Desde 2006, foram registradas várias reaparições da doença, associadas a produtos como manteiga de amendoim, alfafa, tomate e pimenta jalapenha. “O governo mexicano não fez exigências para que os produtores, primeiro os grandes, se certifiquem”, disse ao Terramérica o consultor da organização privada GLOBALG.A.P (siglas em inglês de Global Good Agricultural Practice – Boas Práticas Agrícolas Globais), Emmanuel Tovar.

As certificações “são opcionais e aplicadas se os compradores, como os centros de distribuição, solicitarem. Os sistemas devem incluir toda a cadeia e todos os aspectos da produção”, acrescentou Emmanuel. Com sede na cidade alemã de Colônia, a GLOBALG.A.P promove a adoção de normas voluntárias para a certificação de produtos agrícolas. O México homologou esses padrões, mas somente para o setor exportador e nichos específicos, como os cultivos orgânicos.

Em 1998 nasceu a México Qualidade Suprema, associação que reúne colhedores e empacotadores e o governo para aplicar a certificação dessa marca. A meta para este ano é qualificar 350 empresas, chegando a 761 desde sua instauração, e assim atingir 31 mil produtores. O México é parte da Iniciativa Mundial de Segurança Alimentar (GFSI), promotora de padrões para a produção agrícola, que no momento aplica um projeto-piloto neste país.

Contudo, estes continuam sendo esforços isolados. Para Emmanuel, o problema é que “não se reporta qual pode ser o agente causador de uma doença, não existe um mapa de riscos bem definido”. “Queremos que o sistema alimentar seja visto como um todo”, que deve “obedecer às necessidades de alimentação e culturais da população. Na produção seria necessário maior apoio e ênfase na produção camponesa de pequena escala e incentivo a tecnologias adequadas”, de modo que haja “alimentos onde se concentra a maior pobreza, privilegiando os mercados locais”, afirmou Dolores.

Em 2009, a FDA abriu um escritório no México para ampliar a inspeção sanitária de alimentos antes de entrarem no mercado norte-americano. Os resultados encontrados pelos acadêmicos do IPN e da UAM indicam “que vegetais crus ou minimamente processados podem estar contaminados por salmonela, provocando infecção direta em consumidores ou a contaminação cruzada de outros alimentos”. Essas verduras “podem representar um grave risco sanitário para o consumidor mexicano. Os controles agrícolas não funcionam completamente. Vender alimentos inócuos é bom negócio, mas a indústria não compreende isso”, afirmaram ao Terramérica os autores do estudo.

* O autor é correspondente da IPS.

LINKS

Alimentos industrializados potencializam bactéria E. Coli

Venenos ocultos em carnes mexicanas

Saúde em dia – Cobertura especial da IPS, em espanhol

Surto de salmonela aponta para as granjas industriais, em espanhol

O pesadelo do hambúrguer suculento, em espanhol

Oxfam México, em espanhol

Foco de Infecções por Salmonela Saintpaul de 2008 Associado a Alimentos Crus 2008, em inglês

Centros para o Controle e a Prevenção de Doenças, Estados Unidos, em espanhol

Administração de Medicamentos e Alimentos, Estados Unidos, em espanhol

Secretaria de Saúde Pública, México, em espanhol e inglês

Instituto Politécnico Nacional, México, em espanhol, inglês e francês

Universidade Autônoma Metropolitana, México, em espanhol

Prevalência da Salmonela em Verduras do México, em inglês

Atualização da OMS sobre E.coli, em inglês e francês

GLOBALG.A.P, multilíngue

México Qualidade Suprema, em espanhol

Iniciativa Mundial de Segurança Alimentar, em inglês

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.