Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 13/10/2015 – O Brasil sofre sobressaltos quase diários, há vários meses, que mantêm o país em tensão permanente, impotente diante do agravamento da crise econômica e dos descaminhos da política nacional. “O desenlace é imprevisível”, reconheceu a deputada Luiza Erundina, do opositor Partido Socialista Brasileiro (PSB), em Brasília, epicentro da crise. São muitos os atores decisivos e por sua vez vulneráveis a fatos em evolução.
A presidente Dilma Rousseff sofreu, no dia 7 deste mês, a rejeição de suas contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, órgão consultivo do Congresso. Essa avaliação, se for ratificada pelos legisladores, pode justificar um processo de impeachment no Senado, que poderia anular o mandato presidencial. Neste caso, Dilma Rousseff seria substituída pelo vice-presidente, Michel Temer, do PMDB, principal aliado do Partido dos Trabalhadores (PT), partido da presidente, que está no poder desde janeiro de 2011.
Quem mais incentiva a ação de impeachment é o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que, por sua vez, é acusado de receber US$ 5 milhões como suborno para facilitar negócios de estaleiros com a Petrobras. Informações de bancos suíços, que comprovariam a existência de contas de Cunha com dinheiro da corrupção, incentivaram um grupo de deputados a pedir seu afastamento do cargo por violação do decoro parlamentar. Isso depende de uma decisão da Comissão de Ética da Câmara.
Apesar de ser membro do PMDB e da coalizão oficial, e de ter como aliado o ministro da Ciência e Tecnologia, Cunha exerce uma feroz oposição à presidente desde julho, depois que apareceu como um dos investigados por corrupção na chamada Operação Lava Jato da Polícia Federal. “As investigações enfraqueceram o presidente da Câmara, com o afastamento de seus aliados que se opõem ao governo, abrandando o ímpeto pelo impeachment da presidente”, afirmou Erundina. Além disso, este mês foi realizada uma reforma no governo, e sete ministérios foram entregues ao PMDB para recompor a coalizão e neutralizar as tentativas de derrubá-la.
Porém, outro risco ameaça a permanência de Dilma Rousseff no poder. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, no dia 6 deste mês, investigar denúncias de que a chapa Rousseff-Temer cometeu abusos de poder econômico e político na campanha eleitoral de 2014, quando foi reeleita. A suspeita é que dinheiro da corrupção tenha apoiado sua campanha. Em caso de comprovação da violação das regras, o resultado da eleição seria impugnado e seria convocada nova votação, uma alternativa que anima os partidos de oposição.
“Pela primeira vez, Dilma Rousseff aparece nas pesquisas de opinião com metade das possibilidades de não permanecer na Presidência até o final de seu mandato (31 de dezembro de 2018), diante do agravamento da crise econômica”, apontou à IPS André Pereira, consultor político independente em Brasília. Isso pode ocorrer pelo impeachment, devido a fraudes nas contas do governo em 2014, pela impugnação pelo Poder Judicial do resultado eleitoral no mesmo ano, ou pela renúncia, acrescentou.
“Em Brasília, o clima é de incerteza geral, de perplexidade e de temor de que outros políticos sejam envolvidos nas investigações sobre corrupção nos negócios da Petrobras ou apareçam novas evidência contra os suspeitos. Isso gera desconfiança entre todos”, afirmou Pereira.
Apesar da recessão econômica que se estenderia durante o próximo ano, com o risco de degenerar em uma depressão, o mundo político não se mobiliza nem dialoga em busca de soluções, mas se racha ainda mais em função de interesses pessoais ou de pequenos grupos. E isso, por sua vez, agrava a crise econômica. “Isso reflete o esgotamento do sistema político. Em meus 16 anos de vida parlamentar, sempre ouvi falar da necessidade e de propostas de reforma política, mas a plenária segue à mercê do que pensa cada um em seu próprio interesse”, lamentou Erundina.
“Não creio que se possa aprovar uma reforma política, embora sejam necessárias medidas para reduzir a quantidade de partidos. Um cidadão comum não compreende a existência de mais de 30 partidos, muitos deles chamados “de aluguel”, cujo objetivo é ganhar dinheiro. Seria preciso limitá-los a menos de dez”, opinou Pereira. “Com menos partidos, ainda que sejam os mesmos que dominam a política brasileira, se tornarão mais orgânicos. O PT, por exemplo, poderia se recriar e voltar a atuar como nos anos 1980. Sem a reforma, cai Dilma, vem outro presidente e a crise continuará”, concluiu o analista político.
O esquerdista PT governa o país desde 2003, primeiro com Luiz Inácio Lula da Silva e depois com Dilma Rousseff. O PSB, o partido de centro-esquerda de Erundina, foi aliado dos governos do PT até 2013. Entretanto, para a deputada, a múltipla crise que o país vive não se deve apenas ao distorcido sistema eleitoral, mas também ao fato de ter se rompido o princípio da independência dos poderes e é preciso reestruturar o Estado, com “melhor distribuição do poder entre União, Estados e municípios”.
É fundamental, por exemplo, uma reforma do “injusto” sistema tributário brasileiro, com “impostos regressivos” que taxam mais o consumo e os salários, em lugar do lucro e do patrimônio. “A injustiça tributária impede a justiça social. Os impostos também são um mecanismo para distribuir renda, reduzir a desigualdade, taxando mais quem ganha mais”, pontuou Erundina.
“Combinar a democracia representativa com a direta, que avança no mundo” é uma fórmula defendida pela deputada. No regime presidencialista brasileiro, “o presidente pode tudo” e isso contamina inclusive o parlamento, onde Cunha permanece na presidência da Câmara, apesar das denúncias e evidência de sua participação no grande escândalo de corrupção da Petrobras, acrescentou Erundina.
Esse marco impede que as autoridades compreendam a “insatisfação generalizada da sociedade”, manifestada nos protestos de massa de junho de 2013, segundo Erundina. “Ao descrédito da representação política se soma a corrupção, efeito e não causa das distorções do sistema”, ressaltou.
“O clima raivoso” que se instalou no país após as eleições de 2014 impedem o diálogo em busca de saídas para a crise, admite a deputada. Mas isso não é exclusivo do Brasil. Segundo Erundina, “vivemos o fim de um ciclo no mundo, não só em nosso país, e não sabemos qual será o novo ciclo, mas a história não anda para trás. Às vezes avança a saltos, como ocorreu (em 1985) ao final da ditadura militar no Brasil, que parecia interminável”. Envolverde/IPS