Internacional

Quênia quer reverter mortalidade materna

Foto: @islamicrelief
Foto: @islamicrelief

Por Siddharth Chatterjee*

Mandera, Quênia, 21/10/2015 – Para muitas mulheres do condado de Mandera, uma zona de difícil acesso, insegura e árida no nordeste do Quênia, a vida desde a infância até a idade adulta é uma história de dor e luta pela sobrevivência. Quando pequenas, as meninas sofrem a mutilação genital, uma cisão dos órgãos genitais externos, que as deixa com lesões físicas e psicológicas por toda a vida. A maioria delas é obrigada a se casar tão logo entram na adolescência, o que as obriga a abandonar a escola e expõe seus corpos ainda imaturos à maternidade.

Tudo isso faz com que em Mandera, a duas horas de aviação da moderna Nairóbi, a mortalidade materna seja de 3.795 mortes em cada cem mil nascidos vivos, bem acima da registrada em Serra Leoa, país assediado pela guerra, onde morrem duas mil mulheres por causas relacionadas com a gravidez, o parto e o pós-parto, mas sobretudo acima da média nacional do Quênia, de 448 mortes.

Mandera é exemplo de uma comunidade marginalizada por conflitos internos, pelo extremismo, pelo deficiente desenvolvimento e o terrorismo transfronteiriço, e onde os residentes vivem na pobreza, na miséria e no desespero. Além disso, as práticas culturais, como o status marginal das mulheres, a mutilação genital feminina e o casamento precoce só fazem piorar uma situação já grave. As mulheres e as meninas são as que mais sofrem a pobreza.

Mas as coisas melhoram. A decisão de descentralizar o governo, dar mais poder às autoridades locais, está tendo um impacto no terreno: melhoram os indicadores, como o número de centros de saúde que oferecem serviços básicos para mães e crianças e o de mulheres que dão à luz neles.

Igualmente importante é a colaboração do setor para transformar a situação sanitária deste condado, durante muito tempo considerado uma fronteira perdida. O objetivo é criar novos modelos de produtos e serviços, como os centros de vida comunitária para melhorar a saúde materna e infantil entre a população mais vulnerável.

Uma equipe mista formada por vários órgãos, como a Presidência do Quênia, Ministério da Saúde, Cruz Vermelha local, Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), Save The Children, a companhia Philips e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), entre outros, visitaram Mandera no dia 13 deste mês, com os embaixadores da Turquia e da Suécia. O objetivo da visita foi lançar a inovadora associação entre Ministério da Saúde, UNFPA e Philips.

Espera-se que o projeto coloque à disposição de aproximadamente 25 mil pessoas serviços de atenção primária da saúde, mediante pequenas melhorias que reforçarão a atenção às maternidades. Entre elas se destaca a iluminação durante 24 horas, o que permitirá continuar atendendo as pessoas mesmo sem a luz do dia. Se funcionar, a iniciativa poderá ser replicada.

Mandera ficou muito tempo longe do olhar da maioria dos pessoal diplomático e da ONU devido à insegurança. Com sorte, a visita dos embaixadores da Turquia e da Suécia, ardorosos defensores dos direitos de mulheres e crianças, preparará o caminho para que mais representantes visitem outros condados do nordeste em situações semelhantes.

Os embaixadores mencionaram o compromisso de seus países de trabalhar com as autoridades locais para mudar a situação, e especialmente melhorar os direitos e o bem-estar de mulheres e meninas. A extensa associação – que também inclui a companhia Huawei, aFederação de Atenção da Saúde do Quênia e MSD, além da iniciativa Cada Criança, Cada Mulher, da ONU – se concentrará nos seis condados com maior mortalidade materna: Wajir, Marsaibit, Lamu, Isiolo, Migori e Mandera.

As principais atividades nesses condados incluem fortalecer a gestão da cadeia de fornecimento de produtos de saúde, aumentar a disponibilidade e a demanda de serviços voltados aos jovens, construir capacidades profissionais, empoderar os jovens e pesquisar.

As atividades terão apoio econômico do Fundo Fiduciário para a Inovação em Resultados para a Saúde, administrado pelo Banco Mundial. Tudo com o apoio e o compromisso do governo de reduzir a mortalidade materna e as novas políticas de dar atendimento gratuito às maternidades e eliminar o pagamento da taxa de usuário.

A primeira-dama, Margaret Kenyatta, declarou há algum tempo: “Me entristece profundamente as mulheres e crianças de nosso país morrerem por causas que podem ser evitadas. Não tem que ser assim. Por isso lanço a campanha Beyond Zero (Além do Zero), que dará atendimento médico pré-natal e pós-natal às mulheres e aos seus filhos em nosso país”.

O benefício de contar com mulheres saudáveis será uma sociedade mais educada e mais saudável, com maiores oportunidades econômicas e menor exclusão, o que engendrará a paz e, com sorte, reduzirá as causas do extremismo violento.

Será um êxito importante para Mandera, no contexto da Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU sobre as mulheres seu papel na paz e na segurança, conseguir acabar com a discriminação e o flagelo de práticas tradicionais prejudiciais para seu bem-estar, como a mutilação genital feminina e o casamento precoce. Envolverde/IPS

* Siddharth Chatterjee é representante do Fundo de População das Nações Unidas no Quênia.