Internacional

Parlamentares na luta contra a fome

Usando roupa tradicional e festiva da zona andina da Bolívia, menina mostra, durante uma feira em sua escola no centro de La Paz, uma cesta de frutas, que são a base da nova dieta escolar adotada no município, que privilegia alimentos naturais, andinos e fornecidos por pequenos produtores locais. A aliança da agricultura familiar com a alimentação escolar se estende pela América Latina graças a leis impulsionadas pela Frente Parlamentar Contra a Fome. Foto: Franz Chávez/IPS
Usando roupa tradicional e festiva da zona andina da Bolívia, menina mostra, durante uma feira em sua escola no centro de La Paz, uma cesta de frutas, que são a base da nova dieta escolar adotada no município, que privilegia alimentos naturais, andinos e fornecidos por pequenos produtores locais. A aliança da agricultura familiar com a alimentação escolar se estende pela América Latina graças a leis impulsionadas pela Frente Parlamentar Contra a Fome. Foto: Franz Chávez/IPS

Por Marianela Jarroud, da IPS – 

Santiago, Chile, 11/11/2015 – Os parlamentares latino-americanos aparecem como uma referência para fortalecer os marcos institucionais que sustentem e deem novo impulso à luta contra a fome, em uma região que, apesar de ser o “celeiro do mundo”, ainda possui mais de 34 milhões de pessoas subalimentadas.

Os legisladores, agrupados em frentes nacionais, “são líderes políticos e orientam opinião pública, legislam, sustentam e impulsionam políticas públicas para a segurança alimentar e o direito à alimentação”, explicou à IPS Ricardo Rapallo, responsável regional de Segurança Alimentar da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Além disso, os integrantes da Frente Parlamentar Contra a Fome “destinam orçamentos, fiscalizam e dão acompanhamento às políticas dos governos”, acrescentou Rapallo, na sede regional da FAO, em Santiago, capital do Chile.

Uma série de políticas públicas de sucesso, que contaram com um acordo transversal entre a sociedade civil, governos e Poder Legislativo, permitiu à América Latina e ao Caribe darem uma lição ao mundo, ao reduzirem pela metade a população que sofre fome na região, entre 1990 e 2015.

No entanto, os 34,3 milhões de pessoas que ainda se encontram afetadas por esse flagelo, entre uma população regional de 605 milhões, requerem um esforço maior com vistas ao cumprimento da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que aspira a fome zero no mundo.

Nessa linha, o VI Fórum das Frentes Parlamentares Contra a Fome (FPF), que acontecerá em Lima, no Peru, entre os dias 16 e 17 deste mês, será o espaço propício para avançar na implantação do Plano de Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

Com suas metas em 2025, o Plano pretende fortalecer os marcos jurídicos institucionais para a segurança alimentar e nutricional, elevando ao mais alto nível legal o direito humano à alimentação, entre outras medidas. “A Frente Parlamentar Contra a Fome é um ator fundamental na implantação do Plano de Segurança Alimentar da Celac, para a construção de sistemas públicos que reconheçam o direito à alimentação”, afirmou à IPS o diretor regional da FAO, Raúl Benítez.

O FPF foi criado em 2009 com três países. Seis anos depois, “são 15 os países que possuem uma frente parlamentar nacional, reconhecida por seu Congresso e que envolve parlamentares de diferentes tendências políticas, mas todos comprometidos na luta contra a fome”, destacou Rapallo.

Assim, “foram aprovadas várias leis sobre agricultura familiar na Argentina e no Peru, e na República Dominicana também há projetos de lei próximos da aprovação. Soma-se a lei de rotulagem de alimentos no Equador”, acrescentou Rapallo.

Na Bolívia, a Lei de Alimentação Escolar no Contexto da Soberania Alimentar e da Economia Plural, promulgada em dezembro de 2014, é a bandeira da luta contra a pobreza de maneira integral, afirmou à IPS, em La Paz, o coordenador da nacional Frente Parlamentar pela Soberania Alimentar para Viver Bem, Fernando Ferreira.

O modelo, que recolhe as experiências do fornecimento de desjejum escolar baseado em alimentos naturais locais, aplicado em La Paz desde 2000, agora é aplicado nos 327 municípios bolivianos. “O pai produz alimentos naturais, vende uma parte ao governo municipal para distribuição no desjejum escolar, e o excedente é comercializado na comunidade”, detalhou Ferreira, descrevendo o ciclo que combina atividade produtiva, emprego, nutrição e geração de renda para as famílias.

O desjejum escolar tem amplo apoio entre os educadores porque ajuda a ter “maior rendimento e participação dos alunos” nas aulas, apontou à IPS o diretor da escola República de Cuba de La Paz, Germán Silvetti. “Antes eram indiferentes, mas agora os alunos cobram seu desjejum. Algumas crianças saem de suas casas sem comer nada pela manhã e o alimento complementar ajuda em sua nutrição”, acrescentou.

Os estudantes não gostavam dos cereais andinos como a quinoa, mas a professora María Inés Flores conseguiu convencê-los com um atraente relato que compartilhou com a IPS: “os astronautas que vão à Lua comem quinoa e se seguirmos esse exemplo chegaremos ao espaço”, disse às crianças, que agora a consomem com entusiasmo.

Agradar o paladar dos 145 mil estudantes beneficiários do programa é um desafio diário com resultados satisfatórios, com a redução da anemia de 37% para 2% nos últimos 15 anos, afirmou à IPS uma das criadoras do desjejum escolar e chefe da Unidade de Nutrição do Governo Municipal, Gabriela Aro.

As autoridades bolivianas consideram que o programa governamental Viver Bem reduzirá o índice de população em extrema pobreza que, segundo estimativas de diferentes instituições nacionais e internacionais, chega a 18% dos 10,2 milhões de habitantes do país.

No Congresso do México os legisladores da Frente Parlamentar Contra a Fome lutam para impulsionar leis a favor da segurança e da soberania alimentar no país, para tornar realidade “o direito à alimentação nutritiva, suficiente e de qualidade” que a Constituição consagrou em 2011. Foto: Emilio Godoy/IPS
No Congresso do México os legisladores da Frente Parlamentar Contra a Fome lutam para impulsionar leis a favor da segurança e da soberania alimentar no país, para tornar realidade “o direito à alimentação nutritiva, suficiente e de qualidade” que a Constituição consagrou em 2011. Foto: Emilio Godoy/IPS

No México, porém, com 121 milhões de habitantes, a pobreza cresceu nos últimos três anos, o que mostra as debilidades das estratégias contra a fome onde os legisladores lutam por incidir com resultados insuficientes. “Falta mais compenetração dos parlamentares no acompanhamento das agendas primordiais. Apesar de definirmos orçamentos e programas, continuam sendo resistentes a tomar considerações” sobre as prioridades, disse à IPS, na Cidade do México, a senadora Angélica de la Peña, coordenadora do capítulo nacional da Frente.

São 55,3 milhões de pessoas que subsistem em situação de pobreza no México, segundo dados oficiais deste ano, e mais de 27 milhões sofrem carências alimentares. O aumento da pobreza deixa evidentes as vulnerabilidades da Cruzada Nacional Contra a Fome, a iniciativa estelar do presidente Enrique Peña Nieto, que busca atender as pessoas em pobreza extrema e subalimentadas. A cruzada se concentra em 400 municípios, envolve 70 programas federais e pretende atender 7,4 milhões de afetados, dos quais 3,7 milhões moram em zonas urbanas e o restante em áreas rurais.

O Senado tem pendente a aprovação da Lei Geral do Direito Humano à Alimentação Adequada, impulsionada pela Frente e que instrumenta uma nova reforma da Constituição, que desde 2011 estabelece que “toda pessoa tem direito a alimentação nutritiva, suficiente e de qualidade. O Estado o garantirá”. A iniciativa cria a Política Nacional Alimentar e o Programa Nacional Alimentar, além de definir figuras como as cestas e emergências alimentares locais. Apesar dos inconvenientes, no México as ajudas sociais representam uma pequena diferença para milhões de pessoas.

Blanca Pérez recebe, desde fevereiro, a cada dois meses, US$ 62, concedidos pelo programa de Pensão para Idosos, conhecido como “65 e mais”, vinculado à Cruzada Nacional Contra a Fome. “Isso me ajuda a comprar remédios e em outros gastos. Mas é pouco para pessoas de nossa idade, se fosse mensal seria melhor”, contou à IPS essa mãe de sete filhos residente no município de Amecameca, 58 quilômetros a sudeste da Cidade do México, onde metade de seus 48 mil habitantes vive na pobreza.

Blanca, que ajuda sua filha em um pequeno comércio de alimentos, também está filiada ao Seguro Popular, um esquema de acesso gratuito à saúde universal aplicado pelo governo federal. “Vão bem esses programas, mas deveriam apoiar mais as pessoas como eu, que lutamos tanto”, afirmou.

Apesar dos avanços, Rapallo reconheceu que a América Latina tem hoje duas urgências: reduzir a zero o número de pessoas com fome na região, e enfrentar o desafio da má nutrição por excesso. O sobrepeso e a obesidade “são um desafio de saúde pública, de impedimento de desenvolvimento dos países e um requisito moral que deve ser enfrentado”, ressaltou.

Nesse sentido, “os parlamentares são essenciais” para concretizar políticas públicas que atendam a boa nutrição dos povos e suas crescentes demandas. “Há parlamentares que são autênticos líderes em seus respectivos países. Mas, se tudo isso não tiver apoio de uma sociedade civil que se posiciona a respeito do assunto, não poderemos obter resultados”, enfatizou. Envolverde/IPS

* Com a colaboração de Emilio Godoy (Cidade do México) e Franz Chávez (La Paz).