Internacional

Sexo inseguro desafia prevenção a HIV

Durante a noite, grupos de pessoas LGBTI frequentam locais de encontro no bairro El Vedado e em outros de Havana, em Cuba. Alguns deles funcionam como pontos para a prática de cruising. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Durante a noite, grupos de pessoas LGBTI frequentam locais de encontro no bairro El Vedado e em outros de Havana, em Cuba. Alguns deles funcionam como pontos para a prática de cruising. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Por Ivet González, da IPS – 

Havana, Cuba, 25/11/2015 – Quando cai a noite, alguns jovens se sentam na desmantelada parada de ônibus, na encosta de um morro afastado do centro da capital cubana. Depois sobem encosta acima para manter sexo com homens em meio ao matagal. “No caminho do trabalho para casa, passo por esse lugar e sempre vejo gente reunida no antigo ponto”, contou à IPS o biólogo Daniel Hernández, de 36 anos, a respeito dos arredores do Hospital Calixto García, no bairro El Vedado, em Havana.

“As pessoas se desinibiram. Vejo que estão mais expostas pela região, onde todos sabem o que acontece. Têm menos medo”, observou Hernández, que é gay e já frequentou alguma vez este e outros lugares semelhantes de Havana. Locais afastados das cidades cubanas, como florestas, costas e construções abandonadas, são usadas durante as noites pelos homens que têm sexo com outros homens (HSH), para a prática conhecida pela palavra inglesa cruising, referente a relações rápidas e sem revelar a identidade.

Com críticos e defensores, esses lugares aqui batizados de potajeras (tudo misturado) representam um desafio para o trabalho de prevenção das doenças sexualmente transmissíveis (DST) e o vírus HIV/aids, causador da aids, afirmam pesquisadores e HSH consultados pela IPS. “Presenciei atos de sexo sem proteção e coletivo. Ali vai todo tipo de gente e nem todos têm consciência da epidemia”, explicou Hernández, que qualifica as potajeras de “chaves para a propagação” do vírus que pode ser mortal.

Espaços de encontro “são necessários” para seu coletivo, mas “não os existentes, que desprotegem as pessoas em altos níveis por causa dos riscos de infecção e violência”, em locais desertos, indicou Hernández. As pessoas vivendo com o HIV somam hoje 19.500 dos 11,2 milhões de habitantes de Cuba, com baixa prevalência, de 0,1%. Ao encerrar 2013, a população soropositiva era de 16.479 pessoas.

Os HSH, uma categoria de comportamento que engloba gays, bissexuais e outros homens que mantêm sexo com homens, representam 70% da epidemia. E se mantém a tendência de crescimento entre as mulheres, que hoje é de 21%, contra 18,5% em 2013, segundo dados oficiais. Reverter o lento e sustentado crescimento dos novos diagnósticos a cada ano é o grande desafio nessa matéria em Cuba, onde os serviços de saúde são gratuitos, incluídos os fornecidos a portadores do HIV, bem como o tratamento antirretroviral.

E essa meta, que implica entre outras ações mais trabalho de prevenção, poderia estar ao alcance desde que o país foi indicado, em 30 de junho, como o primeiro do mundo a eliminar a transmissão de mãe para filho do HIV/aids e da sífilis, com validação da Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Nas intervenções de promoção de saúde, insistimos no risco que significa manter sexo em um lugar sem as mínimas condições”, afirmou Avelino Matos, coordenador de trabalho comunitário do Projeto HSH-Cuba, uma rede de 1.800 promotores voluntários que há 15 anos fazem a prevenção do HIV/aids no grupo mais vulnerável. Nessas áreas afastadas “não há claridade nem tranquilidade, por isso não se pode negociar o uso de camisinha”, pontuou à IPS.

Entrada de um clube noturno no bairro El Vedado, em Havana, que oferece espetáculos artísticos animados por travestis e serve de espaço para encontro dos cubanos LGBTI. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Entrada de um clube noturno no bairro El Vedado, em Havana, que oferece espetáculos artísticos animados por travestis e serve de espaço para encontro dos cubanos LGBTI. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Vinculado ao estatal Centro Nacional de Prevenção das DST e do HIV/aids e com presença nas 15 províncias cubanas, esse projeto monitora os locais de sexo e de socialização dos homens que mantêm sexo com outros homens, com ênfase nos 49 municípios priorizados pela alta incidência do vírus.

Ao contrário do cruising, o promotor de saúde define os lugares de socialização como espaços públicos onde os HSH se encontram para se conhecerem, conversar e acertar encontros. Matos acrescentou que estão presentes em todo o país, embora os mais conhecidos sejam os da capital. Também informou que o trabalho de prevenção do projeto funciona, e agora com novas estratégias, nos pontos de encontro em parques, esquinas centrais e nos crescentes bares, cafeterias e festas privadas voltadas ao público gay.

Porém, Matos lamentou que cheguem pouco às potajeras, embora em algumas províncias tenham sido realizadas intervenções pontuais e engenhosas. Ativistas colocam durante o dia sacos plásticos com camisinhas, por exemplo, nos galhos das árvores, em lugares de sexo noturno das províncias de Villa Clara, Holguín e Granma. E, em um assentamento da província de Mayabeque, o projeto capacitou motoristas de bicitáxis, um triciclo com dois assentos, que era o transporte usado para chegar ao local de sexo. Eles também receberam preservativos para entregar aos passageiros.

Segundo Matos, “é difícil chegar aos homens bissexuais com mensagens”, porque a seu ver são objeto de mais preconceitos do que os gays. “Por isso assumem menos sua orientação sexual, muitos escondem seus encontros com homens e mantêm uma relação com mulheres”, detalhou.

Este e outros fenômenos causados pela persistência da homofobia no país atravessam a propagação de doenças nos locais de cruising. “São lugares do aqui e agora. Com isso não quero dizer que todos os que praticam cruising deixam de se proteger”, afirmou Jorge Carrasco, um jovem jornalista que investigou, em 2013, os principais lugares desse tipo em Havana, como Playa del Chivo e as zonas vizinhas ao Hospital Calixto García.

“Pelo anonimato, muitas pessoas doentes se sentem melhor nesses locais, porque podem ter sexo rápido, sem necessidade de contar sua vida a outra pessoa”, pontuou Carrasco, de 25 anos, que defende esses locais como “espaços culturais” e legais segundo as leis cubanas. Ele alertou para outros perigos desses lugares, onde há registros de assaltos e assassinatos, além de más práticas dos policiais. “Em lugar de deter apenas os delinquentes, também detêm os homossexuais”, lamentou o profissional, que propõe capacitar mais a Polícia Nacional Revolucionária.

Amaya Álvarez, assessora jurídica do estatal Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex), indicou à IPS que “o maior número de demandas da população homossexual e transgênero nos pontos de encontro dizem respeito à interação com órgãos de controle como a polícia. Por isso, insistiu, o Cenesex organiza painéis de sensibilização para policiais. Envolverde/IPS