Felipe Calderón, ex-presidente do México, diz que compromisso de Paris será construído em cima de credibilidade e constrangimento dos países, e não apenas da forma legal
Por Claudio Angelo e Cíntya Feitosa, do OC
O acordo do clima de Paris não deverá ter peso de lei como se espera, mas as metas anunciadas publicamente pelos países trazem um outro tipo de peso: elas são “socialmente vinculantes”, nas palavras do ex-presidente do México, Felipe Calderón.
Em 2010, como organizador da conferência de Cancún, o então presidente mexicano foi um dos grandes responsáveis por recolher os destroços da negociação internacional de clima, danificada após Copenhague, e restabelecer a confiança entre os países. Depois disso, tornou-se um dos organizadores do relatório anual Nova Economia do Clima, que mostra oportunidades econômicas no combate à mudança climática.
Segundo ele, mesmo que não haja como forçar os países a cumprir seus planos climáticos nacionais, as chamadas INDCs, o fato de esses países terem assumido suas metas como compromisso público vincula seu cumprimento à cobrança da sociedade. “O acordo terá de se construir sobre a credibilidade dos países e sobre o prestígio ou o desprestígio que eles vão querer enfrentar no futuro”, afirmou ao OC.
A discussão sobre a forma legal do acordo do clima voltou com força total na COP21. Na abertura da conferência, na segunda-feira, vários chefes de Estado pediram que Paris firmasse um acordo “legalmente vinculante”, ou seja, com peso de lei internacional. É uma forma de pressionar os Estados Unidos, cuja oposição sistemática a esse tipo de resultado vitimou o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Copenhague, e poderia vitimar o Acordo de Paris.
Os EUA têm dado sinais contraditórios a esse respeito. Poucas semanas antes da COP21, o secretário de Estado americano, John Kerry, disse que Paris não produziria “um tratado”, o que foi interpretado como oposição a qualquer resultado com algum peso legal.
Nesta terça-feira, o presidente Barack Obama causou reboliço em Paris ao declarar, durante uma entrevista, que o acordo deve incluir um mecanismo de transparência comum em que seja possível verificar as metas colocadas pelos países para o acordo do clima, e que esse mecanismo deveria ser “legalmente vinculante”.
“É uma sinalização clara da vontade política dos Estados Unidos de avançar nas negociações”, animou-se a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Izabella Teixeira. “Mas também não quer dizer que isso é a solução de Paris.”
Tanto Obama quanto Kerry, na verdade, só reafirmaram uma posição antiga e conhecida dos Estados Unidos: o país não vai assinar nenhum novo compromisso internacional que dependa de aprovação do Congresso. Ao mesmo tempo, está aberto a um acordo que inclua uma revisão periódica agregada de todas as INDCs – sem apontar o dedo para países individuais, nem fazer auditorias internacionais no cumprimento das metas de cada um – e uma apresentação obrigatória também periódica desses compromissos, que hoje os países são apenas convidados a apresentar.
Ou seja, depois de Paris, as INDCs perderiam o “i” de “intended” (“pretendidas”) e passariam a ser apenas contribuições nacionalmente determinadas. Paris produziria, assim, um sistema misto, parte voluntário, parte obrigatório.
Dentes
Os EUA dependem do Senado para ratificar qualquer tratado internacional, e o Senado americano tem histórico de não fazê-lo. Antes mesmo de George W. Bush abandonar o Protocolo de Kyoto, em 2001, os senadores já o haviam rejeitado, por unanimidade.
Acontece que um acordo do clima efetivo precisa ter “dentes”, ou seja, precisa forçar os países de alguma forma a seu cumprimento. Do contrário, cada um faz o que quer e o planeta torra.
Uma saída para a sinuca começou em 2011, na própria criação do processo que fechará Acordo de Paris. Em vez de dizer que a COP21 produziria um protocolo, o texto incorporou uma frase do então negociador-chefe do Brasil, Luiz Figueiredo, que falava em “desenvolver” um protocolo, outro instrumento legal ou um resultado acordado com força legal.
A última parte dessa frase deixa uma brecha aberta para que o novo acordo tenha força de lei, já que ele será celebrado sob a Convenção do Clima da ONU, um tratado legalmente vinculante que foi ratificado pelos EUA.
Outro passo foi a definição das metas. Em vez de serem impostas de cima para baixo a todos os países, elas são nacionalmente determinadas. A INDC americana foi montada pelo presidente Barack Obama de modo a poder ser cumprida sem passar pelo Congresso, só com regulações antipoluição baixadas pelo Executivo.
Felipe Calderón lembra que ser legalmente vinculante, no sentido estrito, não é garantia de que o acordo terá sucesso. “O que às vezes é legalmente obrigatório acaba sendo totalmente voluntário, na medida em que alguns países podem rejeitar quando dá vontade, como fez o Canadá ao rejeitar o Protocolo de Kyoto.”
A discussão sobre a forma legal, portanto, não deverá impedir o acordo em Paris. “Creio que em Paris haverá um acordo, definitivamente, e será um bom acordo”, afirma o ex-presidente. “Mas também será insuficiente.” (Observatório do Clima/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site Observatório do Clima.