Diversos

Brasil 2015, ano em que tudo deu errado

Fernando Cardim de Carvalho. Foto: IPS
Fernando Cardim de Carvalho. Foto: IPS

Por Fernando Cardim de Carvalho, da IPS – 

Rio de Janeiro, Brasil, dezembro/2015 – Na medida em que 2015 se aproxima de seu final, o povo brasileiro vive um período de extraordinária incerteza. A recessão parece piorar dia a dia. A inflação é alta e mostra uma resistência inesperada às políticas monetárias restritivas aplicadas pelo Banco Central.

A fraca economia internacional neutralizou em grande parte o incentivo que a forte desvalorização do real poderia representar para os exportadores e produtores, que agora competem com importações mais caras. Depois da resistência inicial, os níveis de emprego começaram a cair.

Entretanto, tudo isso, não é apenas uma recessão “normal”. Se desenvolve no contexto de um escândalo de corrupção maior, que praticamente paralisou o investimento das grandes empresas, como a Petrobras.

Também existe a possibilidade concreta de que figuras políticas, como o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, terminem na prisão. O líder do bloco do PT no Senado, Delcidio do Amaral, já está preso, como outros membros da administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011).

Não passa um dia sem que haja notícias sobre novos escândalos ou prisões de autoridades e empresários. Além disso, nos primeiros dias deste mês, o acossado presidente da Câmara dos Deputados aceitou um pedido para iniciar o julgamento político da presidente Dilma Rousseff, por supostas violações da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Qualquer subconjunto dessa lista de fatos bastaria para provocar a instabilidade generalizada. Em seu conjunto geraram uma situação até o momento inédita de crises política e econômica, que exigirão esforços extraordinários para se encontrar uma saída.

O julgamento político da presidente não surgiu do nada. A revelação do escândalo da Petrobras alimentou rumores e suspeitas, se não contra Dilma em si, sem dúvida contra muitos de seu entorno atual ou passado, já que foi ministra da Energia no governo Lula e presidente do conselho de administração da Petrobras.

Até agora, porém, não surgiram acusações nem provas contra a presidente. Na verdade, nem mesmo parece ser um objetivo dos investigadores, que parecem estar focados em Lula e em sua família.

O elemento da acusação que justifica o início do procedimento de julgamento político se refere ao uso de artifícios contábeis para violar os limites ao gasto público impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, um argumento que a maioria dos líderes de opinião parece considerar muito fraco para sustentar o julgamento político.

O que faz com que todo esse processo seja mais ameaçador é, de fato, a severa fragilidade política da presidente, considerada universalmente como criação de Lula, mas o ex-presidente nunca renunciou ao seu poder sobre o partido e a coalizão que liderou.

Pouco depois de Dilma ser reeleita, em novembro de 2014, foi anunciada uma mudança radical no rumo econômico de sua administração. As políticas de austeridade, corte no gasto e alta dos impostos pareciam inevitáveis diante da elevação do gasto federal para garantir sua vitória nas eleições presidenciais.

A presidente declarou em repetidas ocasiões durante a campanha eleitoral que rechaçava essas políticas, só para anunciar sua aplicação poucos dias depois de conhecido o resultado da votação popular. Apesar do aparente apoio de Lula, a mudança de rumo foi mal recebida pelo PT, que anunciou a contragosto seu apoio a Dilma, mas condicionando-o à modificação das políticas macroeconômicas.

O partido parecia ignorar o fato de que durante 2014 o aumento do déficit fiscal não teve um impacto expansivo sobre a economia, que não cresceu em absoluto.

A percepção de que a presidente carecia de apoio político próprio, porém, incentivou seus adversários a defender agressivamente as propostas para seu julgamento político, baseadas em qualquer motivo que pudessem encontrar, ou a anulação da própria eleição, ou, ainda, se nada mais funcionasse, obrigá-la a renunciar.

Com uma oposição agressiva e sem poder contar com uma base política de apoio, o governo se viu paralisado durante todo o ano. Nenhuma medida de austeridade relevante obteve aprovação no Congresso.

Apesar do esforço dos partidos de esquerda para culpar o ministro da Fazenda, Joaquim Levy – favorável às medidas de austeridade – pela contração da economia, é impossível ignorar as falidas tentativas de conseguir a aprovação legislativa para as políticas propostas, o que só deixou explícita a falta de poder político que caracteriza a posição da presidente.

O beco sem saída criado pela inexistência de um governo efetivo diante de uma oposição agressiva levou os responsáveis políticos a adiarem todas as decisões, salvo as mais imediatas. Os investimentos caíram, as demissões de trabalhadores crescem, o consumo está prejudicado, etc.

A crise política transformou uma recessão esperada em algo que ameaça se converter em uma depressão maior, tanto em profundidade quanto em duração. A situação fica mais difícil devido à dificuldade de se visualizar uma solução sustentável para as crises no horizonte imediato, e nem há o que falar dos próximos meses.

Se o processo de julgamento político prosperar, seguramente se poderá esperar maior instabilidade política, como consequência, por um lado, das tentativas do PT e dos movimentos sociais próximos a ele de reagir de alguma maneira, e, por outro, do fato de que não há uma oposição organizada preparada para ocupar o lugar da atual administração.

Se a iniciativa de julgamento político for derrotada, persistirá o problema de a presente não ter nenhuma visão nem poder, e é extremamente difícil imaginar de que maneira poderia recuperar suficiente iniciativa para permanecer no cargo os três anos que restam de seu mandato.

Parafraseando o falecido historiador britânico Eric Hobsbawn, que observou que o século 20 foi muito curto – já que começou em 1914 e terminou em 1991 –, 2015 poderá ser um ano longo para os brasileiros. A duração mínima, não dedutível, do processo de julgamento político o levará até 2016, quando a situação social poderá ser mais tensa do que é agora, com elevada inflação e desemprego em expansão.

Se para evitar o pior não se chegar a um acordo nacional de algum tipo, seja em termos de permitir ao governo de Dilma que trabalhe ou eliminando-o por completo, 2015 poderá durar mais tempo.

O país poderá cair em um abismo desconhecido devido à combinação de crises econômica, política e social, da qual é difícil saber como, quando e em quais condições se recuperará.

*Fernando J. Cardim de Carvalho é economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.