Internacional

Insegurança na agricultura dominicana

Cecilia Joseph é uma pequena produtora de Mata Mamón, desde que cruzou a fronteira com o Haiti,“quando era moça”. Foto: Dionny Matos/IPS
Cecilia Joseph é uma pequena produtora de Mata Mamón, desde que cruzou a fronteira com o Haiti,“quando era moça”. Foto: Dionny Matos/IPS

Por Ivet González, da IPS – 

Mata Mamón, República Dominicana, 4/1/2016– “Às vezes temos muita água, que leva tudo”, contou em espanhol precário a dominicano-haitiana Cecilia Joseph, enquanto colhia inhame em sua propriedade, em Mata Mamón, no município de Santo Domingo Norte, na República Dominicana. Cecé, como é chamada no povoado, se refere às frequentes inundações provocadas pelas cheias dos rios Ozama, Cabón e Tosa, que margeiam o setor rural dessa localidade, 30 quilômetros ao norte da capital dominicana.

Essa situação afeta os cultivos de milho, banana, papaia, abacate, inhame e manga, que Cecé usa para consumo próprio e “para vender, algumas vezes”, queixa-se esta mulher de movimentos ágeis apesar de seus 70 anos. De apenas um hectare de terra retira seu único sustento, porque seu filho e marido morreram.

A comunidade de 1.714 habitantes, onde prevalecem os pequenos produtores como Cecé, está entre as 1.100 registradas pela Defesa Civil na província de Santo Domingo como vulneráveis a inundações e deslizamentos de terra em razão de cheias de rios, riachos e pela falta de drenagem pluvial. Além dos riscos para a vida e a saúde, agricultores ouvidos pela IPS asseguram que o problema ambiental fez baixar sua produção e faltam alimentos na mesa das famílias.

“Há cinco anos deixei de plantar arroz e abóbora no terreno que fica perto do rio. As cheias foram aumentando, a ponto de não valer a pena investir para perder tudo”, contou José Corcino, de 56 anos, que também trabalha como mestre de obras para manter sua família. “Fizemos vários pedidos por intermédio da Associação de Agricultores Corações Unidos de Mata Mamón para que o Estado drague os rios. Mas, tudo em vão. Continuamos sem poder plantar”, lamentou o agricultor, um dos mais de cem integrantes da organização.

José Corcino planta e também cria porcos para consumo familiar em seu quintal, até onde chegou a água devido às inundações. Foto: Dionny Matos/IPS
José Corcino planta e também cria porcos para consumo familiar em seu quintal, até onde chegou a água devido às inundações. Foto: Dionny Matos/IPS

“Estamos passando fome porque não colhemos o suficiente para fazer troca de produtos entre os vizinhos. Aqui não temos mercados, às vezes vêm vender coisas ou temos que ir comprar em La Victoria (distrito ao qual pertence Mata Mamón), que fica a seis quilômetros”,acrescentou Corcino, pai de três filhos. Por essa razão, mantém para o consumo familiar plantações de banana, goiaba, graviola e manga, em sua propriedade de quase um hectare.

E mais longe, na área de 1,5 hectare onde antes plantava arroz, coloca para pastar as 15 cabeças de gado, em sua maioria vacas leiteiras. “Todas as tardes trago o gado para o quintal de casa, porque os ladrões acabam com tudo”, ressaltouCorcino, referindo-se a outro fator que atenta com a agricultura local. A seu ver, os produtores de Mata Mamónprecisamde serviços ambientais e investimentos,e de menos vandalismo,para terem melhor produção local de alimentos.

Dos 9,3 milhões de habitantes da República Dominicana, 1,5 milhão estão em estado de subnutrição, embora o país tenha reduzido o número de pessoas que sofrem fome nos últimos 20 anos, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A insegurança alimentar e a pobreza são fenômenos majoritariamente rurais neste país, que compartilha com o Haiti a ilha La Espanhola, segundo o Panorama 2014 da Segurança Alimentar e Nutricional na América Central e República Dominicana, divulgado pela primeira vez este ano pela FAO.

Nos campos dominicanos, onde se decide a disponibilidade de alimentos, a precariedade mais dura tem o rosto dos pequenos produtores rurais e da população afrodescendente, segundo a pesquisa. “Os camponeses têm que sentir segurança para si e suas famílias, nos âmbitostrabalhista, econômico, alimentar, e de acesso à escola e à saúde. E ambiental também, porque às vezes vem uma água e leva tudo o que se plantou” disse Manuel Rodríguez, do Escritório Integral Agropecuário do Ministério do Trabalho.

Rodríguez acrescentou que o escritório dá assessoria para gerar mais ocupações seguras, como parte de um programa governamental maior, com vistas a elevar nos próximos anos o trabalho agrícola dos atuais 20% para 40% do emprego total. Segundo o Ministério da Agricultura, trabalham no setor apenas 609.197 pessoas, das quais 559.428 são homens e 49.769 mulheres. “Os camponeses hoje deixam abandonadas suas terras porque não há dinheiro nem trabalho. Mas nos próximos anos o campo dominicano sofrerá uma mudança radical”, pontuou.

Homens conversando posam para mostrar o povoado, onde predominam as pessoas haitianas e dominicano-haitianas. Foto: Dionny Matos/IPS
Homens conversando posam para mostrar o povoado, onde predominam as pessoas haitianas e dominicano-haitianas. Foto: Dionny Matos/IPS

As aspirações também contemplam projetos de modernização tecnológica, com extensão de estufas e casas de cultivo controlado, iniciativas de incorporação feminina, redução dos juros a serem pagos ao banco agrícola e uma carteira maior de créditos a produtores. O país é um grande exportador de alho roxo, tomate e pepino, enquanto aumenta um setor de vegetais chineses, acrescentou o funcionário. De fato, se destaca entre os principais vendedores mundiais de produtos orgânicos tropicais, como a banana.

No entanto, a sociedade dominicana sofre grandes brechas de desigualdade e pessoas com fome e desnutrição, o que é reconhecido pelas autoridades como um problema de primeira ordem desde que o parlamento aprovou, em 2014, a Lei de Soberania, Segurança Alimentar e Nutrição. Estradas destruídas e caminhos ponteados de casas humildes, algumas de bloco, outras de madeira e piso de terra, formam o batey Mata Mamón, um termo aplicado no país tanto para as comunidades rurais fundadas pela indústria açucareira,quanto para bairros urbanos periféricos com presença de população dominicano-haitiana e haitiana.

“Avançamos um pouco na educação e na juventude, que está mais tranquila”, destacouCornelio Guzmán, de 44 anos e presidente há 15 anos do Comitê de Direitos Humanos, ao se referir às reduções dos índices de criminalidade entre os jovens e as obras construtivas a partir da Escola Básica Ángel de JesúsDurán. “Com relação ao econômico, na comunidade quase não entra divisa, porque os rios acabam com as plantações e não se pode controlar o roubo de vacas, bodes e porcos com o único policial que temos aqui”, lamentou. Envolverde/IPS