Diversos

Roger Agnelli, um otimista incorrigível

rogeeeer

O empresário Roger Agnelli, ex-presidente da mineradora Vale, morreu na queda do avião monomotor de sua propriedade sobre uma residência na Casa Verde, Zona Norte de São Paulo, na tarde deste sábado (19). 

Por Sônia Araripe*

Tive o privilégio de trabalhar na equipe de Assessoria de Imprensa da Vale por quatro anos na gestão de Roger Agnelli, de 1994 a 1997. Meu chefe, o jornalista Fernando Thompson, fez o irrecusável convite. “Você vai trabalhar conosco junto ao Roger Agnelli”, revelou. Era a senha para confirmar o convite aceito. Foram alguns dos melhores anos de minha vida profissional. Escrever logo após esta tragédia que retirou a vida de Roger – tão jovem, de 56 anos – e de sua família não é nada fácil. Mas jornalistas têm o dever do ofício de reportar. Mas também a permissão de sentir…e se emocionar.

Na verdade, como repórter especializada em mercado financeiro no Jornal do Brasil, já conhecia Roger de outros tantos anos atrás, ainda como executivo que despontava na área de Relações com Investidores do Bradesco. Sabia do seu entusiasmo pelo trabalho, pela Comunicação, pela transparência, pelo Brasil. Era, acima de tudo, um otimista incorrigível.

É bom lembrar que a valorização dos papéis da Vale foi espetacular no período de 10 anos de sua gestão e o lucro da empresa saltou de US$ 1,287 bilhão para US$ 17,264 bilhões, um espetacular crescimento de 1.241%, e o valor de mercado de US$ 9,174 bilhões para US$ 17,306 bilhões (aumento de 1.822%).

Por lá tive quatro anos de muito trabalho. Hercúleo mesmo, rodando o Brasil e o exterior de Norte a Sul, Leste a Oeste, mergulhando em projetos desafiadores, acreditando que aquele era um envolvimento não só profissional, mas também de desafios e crenças. Roger detestava ser chamado de “Doutor”, estava sempre acessível e sabia dar valor para “interlocutores”, fossem eles chefes de Estado, do chamado mercado, da mídia ou representantes simples de comunidades. Não falava de sustentabilidade. Praticava e cobrava.

Era garboso, como eu gostava de contar para os (as) tantos (as) curiosos (as) que perguntavam como era no trato diário. Vaidoso, não de uma vaidade pessoal, mas de um projeto de vida. Não da miudeza, do meu, do seu, do nosso. Mas de um projeto que transformasse a Vale em modelo de empresa globalizada e forte. Foi um empresário a serviço de um bem maior. Do Brasil. Do mundo. Vá em paz, chefe. Ficamos aqui, mais pobres de homens públicos com a sua alma encantadora.

Quando o ex-presidente da Vale deixou o cargo, em alta temperatura de pressão, escrevi, em 2014, este perfil abaixo de Roger para a Revista RI, a convite do amigo editor Ronnie Nogueira. Compartilho com os leitores.

Fotos Divulgação/ Vale
Fotos Divulgação/ Vale

Roger Agnelli: CEO da década

Ex-presidente da Vale é premiado por representantes do mercado por seu estilo pujante e polêmico de administrar que transformou estatal na segunda maior mineradora diversificada do mundo

Por Sônia Araripe, Especial para Revista RI

O tempo nesta época do ano em Boston, na chamada Nova Inglaterra, nos Estados Unidos, é bem agradável. Sol ameno, noites calmas de um verão tão esperado após inverno rigoroso e o susto do impacto do furacão Irene, que, felizmente, não foi tão rigoroso ao menos na bela região. É neste clima de tranquilidade que se encontra o ex-diretor-presidente da Vale, Roger Agnelli. Engana-se, porém, quem pensa que ele está de férias. Depois de temporada de descanso na Europa com a esposa, Andréa, ele aceitou convite do renomado Massachusets Institute of Technology (MIT), para acompanhar seminário sobre Energia Renovável e aproveita para se reciclar, com foco em gestão.

Estaria preparando sua volta ao Brasil? Ao que tudo indica, este é o plano: retomar ao trabalho, ainda este ano, com força total. Poderia ser num fundo de private equity ou em uma gestora de investimentos, um business no estilo do Gávea, do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga. Apesar dos convites feitos, tudo indica que dificilmente o ex-comandante da Vale deverá voltar como executivo em alguma outra empresa. A não ser que seja uma proposta realmente surpreendente, capaz de fazê-lo mudar de ideia. Na quarentena acertada em sua saída da Vale, ficou claro que ele não aceitará convite de nenhuma companhia dos segmentos de mineração, logística e siderurgia, ao menos até maio de 2012, quando completará um ano da saída. Para pessoas mais próximas, antes de viajar, o CEO repetiu e reiterou que gostaria mesmo é “de ser dono” e de assumir um desafio que ainda o empolgasse tanto quanto o comando da gigante com presença global.

A Revista RI tentou ouvir Roger Agnelli, mas não obteve retorno. O executivo que ocupou as principais manchetes de jornais e chamadas dos telejornais prefere, agora, o silêncio. Ao menos por enquanto. Se o protagonista está em período de silêncio, para suprir a lacuna, esta reportagem consultou cerca de 20 pessoas não só do círculo próximo de Roger, assim como especialistas do mercado que conhecem bem a Vale e os setores nos quais atua. Para ser justo e poupar constrangimentos, a decisão foi de não revelar a identidade destas fontes. Estes depoimentos foram decisivos para ajudar a traçar o perfil de um dos mais arrojados – e também polêmicos – CEOs que o Brasil já teve nas últimas décadas. Não por acaso, dos sete prêmios IR Magazine Brazil Awards, Roger foi todas as vezes indicado, tendo ganho não menos do que cinco na categoria “Melhor Desempenho em RI por um CEO ou CFO”.

Prestígio não só entre executivos do mercado de capitais, mas também junto a uma legião dos mais de 4 milhões de acionistas da Vale. Pessoas que passaram a admirar o estilo Roger Agnelli de administrar e também de se posicionar frente aos mais diferentes desafios. “Ele entregou resultados aos acionistas muito acima até mesmo de um cenário totalmente otimista. Foi uma das melhores performances de uma empresa brasileira nos últimos anos. Esta é uma história que ninguém irá apagar e o mérito é principalmente dele”, resume um executivo do mercado financeiro que acompanha há anos a trajetória da Vale e é acionista.

Resultados – É bom lembrar que a valorização dos papéis da Vale foi espetacular no período de 10 anos de sua gestão e o lucro da empresa saltou de US$ 1,287 bilhão para US$ 17,264 bilhões, um espetacular crescimento de 1.241%, e o valor de mercado de US$ 9,174 bilhões para US$ 17,306 bilhões (aumento de 1.822%). Não foi só. A mineradora passou a ser realmente uma companhia diversificada, com participações nos cinco continentes e 119 mil funcionários fixos. Suas exportações totalizaram US$ 29 bilhões, representando 14% de tudo o que o País exportou em 2010. Foi na gestão de Roger, que a Vale comprou a mineradora canadense Inco por cerca de US$ 17 bilhões em 2006 e ampliou seu leque de atuação em várias frentes. Não é só: nos quatros principais estados onde tem minas e operações logísticas – Pará, Maranhão, Espírito Santo e Minas Gerais – a Vale é tão gigante que chega a ter tanto – ou mais- poder que o Estado.

Ao transformar a estatal pesada em uma gigante ousada e diversificada, o executivo ganhou também muitos degraus na escada da fama no seleto mundo dos negócios globais. Clientes, investidores e executivos de diferentes países não se queixavam de cruzar o oceano para se encontrar frente-a-frente com o brasileiro a fim de conhecê-lo melhor, ouvindo o que ele estava pensando ou apenas para saber como ele era pessoalmente. Uma rotina pesada de visitas e reuniões que obrigou Roger também a viajar muito mais do que gostaria. Nos últimos tempos, passava muito mais tempo voando do que com a família. A casa de veraneio, em Angra dos Reis, um xodó de Roger, onde ia com dois filhos e confraternizava com celebridades das vizinhanças, como Luciano Huck e Angélica, também ficou de lado.

Na história da mineração global, sua gestão de 10 anos foi a mais longeva não só na Vale, mas também num setor competitivo e de grande rotatividade entre seus CEOs. Foi, sem dúvida, por sua ousadia e agressividade nos negócios que a marca deste paulista de 52 anos ficou registrada na história. “Tem muita gente que não gosta do Roger como pessoa física, mas ninguém pode ficar indiferente a ele como executivo de uma das maiores empresas do mundo”, resume um ex-executivo da Vale do círculo mais próximo do comandante. Eike Batista, filho do fundador da Vale, Eliezer Batista, é um dos que, abertamente, critica o estilo dele de administrar. “Roger só olha para o próprio umbigo”, disse, recentemente, em evento aberto, em Campos de Jordão, para empresários e executivos do mercado de capitais.

Mas, nesta relação de amor e ódio, a balança parece pender mesmo para o lado positivo. E não só no Brasil, mas também a nível global. Um bom termômetro desta popularidade internacional pode ser medido por um episódio ocorrido há um mês. Em visita a São Paulo e Rio de Janeiro, o principal executivo da Bolsa de Valores de Nova York, Duncan Niederauer, ficou muito satisfeito ao encontrar-se com alguns dos principais CEOs de empresas, bancos e corretoras. Simpático, conversou com todos, mas acabou confidenciando para alguns destes convidados: “Sabem onde está o Roger? Sinto saudades dele”, revelou o CEO da Nyse.

Da mesma forma que agregou prestígio e conquistou fãs, em contrapartida, Roger também chamou a atenção para um estilo bastante arrojado e firme de administrar. Executivos de alto escalão, funcionários e acionistas se queixavam dos rumos que a Vale tomava e o eco acabou chegando a gabinetes poderosos em Brasília. Os atritos ficaram cada vez mais frequentes e com os mais diversos grupos de interlocutores. A ponto de, no final, ter se desgastado tanto com o Governo – sócio na Vale através dos fundos de pensão e BNDES – outros sócios, políticos, fornecedores, clientes e empregados, que acabou sendo demitido, em um rumoroso fim de “casamento”.

Negociação – Lidando com os mais diferentes interesses por tanto tempo, com negócios em praticamente todos os estados brasileiros e presença em 38 países, foi preciso exercitar constantemente a capacidade de negociador. Algo que começou a aprender lá atrás, ainda nos tempos de mercado financeiro. Formado em Economia pela FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), Roger iniciou sua carreira no Bradesco, em 1981. Cresceu na estrutura, ficou mais conhecido na área de underwritting do grupo e acabou galgando a Diretoria já em 1998.

“Ele sempre foi irriquieto e vibrante. A cabeça do Roger funciona numa velocidade muito acima da média”, conta um ex-colega dos tempos de Bradesco. Não chegou a ser um “trader” uma vez que esta nunca chegou a ser sua missão na estrutura do maior grupo financeiro da América Latina, mas desenvolveu habilidades importantíssimas ao longo de sua carreira. Foi no Bradesco que aprendeu a importância de se relacionar com pessoas relevantes e a negociar, negociar, negociar. Também ressaltou, na Cidade de Deus, em Osasco, o espírito cívico e a fé católica. Adorava que as campanhas da mineradora tivessem sempre um toque ufanista de Brasil-para-frente: acompanhou, por exemplo, de perto a troca da logo e da marca de Companhia Vale do Rio Doce para Vale, nas cores verde-e-amarelo.

Gostava de jornalistas – “mas desde que a matéria fosse positiva”, lembra uma graduada editora que cobriu a trajetória da Vale estatal e privatizada, sob a gestão de Roger –, era bem-humorado e cativante quando necessário e sempre soube o incrível valor da construção de boa imagem e reputação. Trouxe ainda do Bradesco o espírito de trabalhar em equipe. Logo que assumiu o comando da Vale, em 2001, ordenou a mudança da sala do quartel-general para o mesmo modelo de “mesão” do Bradesco. Todos os diretores-executivos – a Vale não tem cargo de presidente e vice-presidente e sim diretor-presidente e diretores-executivos – passaram a sentar-se na mesma sala que ele. Isso ajudou a criar sinergia e rapidez nas decisões.

Porém, ninguém se iluda que o estilo de administração do taurino explosivo, vaidoso e sempre entusiasmado tenha sido, verdadeiramente, de colegiado. “Ele ouvia sim especialistas em cada área. Mas a palavra final era sempre a dele. Que costumava acertar sempre”, diverte-se outro executivo da Vale. E não foram poucos os desafios. Era preciso virar de ponta a cabeça a administração antes pesada e engessada em uma empresa moderna e arrojada. Teve como fiéis escudeiros pessoas de seu círculo, trazidas de fora, com grande competência profissional, mesclando também com nomes de funcionários de carreira da Vale: como Fábio Barbosa, ex-secretário do Tesouro Nacional na área de Finanças e RI; José Carlos Martins, que veio da Companhia Siderúrgica Nacional para cuidar de minério-de-ferro; Tito Martins, nos metais básicos e Carla Grasso, ex-diretora da Secretaria de Previdência Complementar e então esposa do ministro Paulo Renato para a área de Recursos Humanos e TI.

Quebra de paradigma – Mas qual teria sido a grande marca de sucesso de Roger nestes 10 anos? Fizemos esta mesma pergunta a todos os entrevistados e, em unanimidade, a resposta foi uma só: o ex-CEO da Vale quebrou um paradigma de muitos anos, histórico, o da negociação do minério-de-ferro global. Se antes, tudo parecia com uma espécie de acordo de cavalheiros, em 2005, quando a Rio Tinto anunciou aumento de 20%, Roger anunciou que só aceitaria um reajuste de cerca de 90%, houve uma verdadeira corrida. O valor acabou fixado em 71%, revolucionando todo o negócio de minério-de-ferro dali para frente.

Os adversários do CEO dizem que o grande mérito mesmo foi do mercado, da explosiva valorização da cotação do minério-de-ferro e de outras commodities ao longo do período, mas, até nisso, não há como negar, estão as digitais de Roger. Se presidentes anteriores da Vale nos tempos de estatais mais se assemelhavam à figura do chairman, logo nos primeiros encontros com clientes e fornecedores asiáticos e europeus, o paulistano deixou claro que ali estava um CEO. Gestor e administrador, que sabia ouvir, é verdade, mas desde que os interesses dos acionistas fossem respeitados. Com um olho na tela das cotações da Bolsa de Valores – as ações são negociadas em quatro bolsas, de São Paulo, de Nova York, de Hong Kong e Paris – e outro nos negócios, o economista desenvolveu uma trajetória lucrativa para estes quase 4 milhões de sócios da Vale.

É bom lembrar também que cotistas de fundos de privatização – trabalhadores da empresa e gente comum – também viram seus recursos depositados no FGTS se multiplicarem da noite para o dia. Como de quem conseguiu comprar o primeiro imóvel, trocar por outro mais amplo ou reformar sua casa com os lucros desta valorização. Para tocar este jumbo por tantos anos, comenta-se no mercado que ele teria recebido cerca de R$ 15 milhões ao ano em remuneração, além de contar com um jatinho Citation e um helicóptero sempre a disposição.

Se as relações com o mercado eram satisfatórias, o desgaste com políticos, acionistas e empregados, principalmente nos últimos meses de gestão, eram visíveis. Com o governo Lula, a luz vermelha se acendeu quando, em 2008, no auge da crise global, o CEO da Vale deu autorização para cortes acentuados no quadro de funcionários. O presidente Lula teria chegado a pedir que ele reconsiderasse, uma vez que a crise poderia passar e os empregados não ficariam sem emprego. Mas Roger, como narram pessoas próximas da Vale, sempre procurou ressaltar que a Vale era uma empresa privada, com sócios privados e estatais, mas com controle privado. Outro embate político foi por conta da cobrança dos chamados royalties da mineração, uma conta de R$ 4 bilhões, que até hoje a Vale contesta na Justiça.

Ao deixar o cargo, em maio, o paulistano afirmou, em entrevista à Agência Estado, que estava “feliz e tranquilo” e que a Vale estava “no melhor momento da vida dela, da história dela, a Vale está bombando”. Com fama de explosivo, ele também teve vários momentos de nervos e coração à flor da pele. Não perdia cerimônias junto ao povo simples, como a que formou uma centena de adultos pela Fundação Vale no sul do Pará, na área em torno de Carajás. Chorou, emocionado, e quis ouvir alguns depoimentos daquela gente e sua história. Também chorou ao falar com poucos editores de revistas e jornais quando já tinha saído do cargo, em maio último. A história dirá que papel Roger Agnelli teve não só na trajetória da Vale, mas na linha do tempo do setor privado global. (Revista Plurale/ #Envolverde)

* Sônia Araripe é jornalista e editora de Plurale.

** Publicado originalmente no site Plurale.