Internacional

Colômbia sem acordo de paz com as Farc

 O presidente cubano, Raúl Castro (centro), aperta as mãos do presidente colombiano, Juan Manuel Santos (esquerda) e do líder das Farc, Rodrigo Londoño, no dia 23 de setembro, em Havana. Um histórico momento em que as duas partes pactuaram ter um Acordo Final para a paz na Colômbia no dia 23 de março, um compromisso que não pôde ser cumprido. Foto: Jorge LuisBaños/IPS

O presidente cubano, Raúl Castro (centro), aperta as mãos do presidente colombiano, Juan Manuel Santos (esquerda) e do líder das Farc, Rodrigo Londoño, no dia 23 de setembro, em Havana. Um histórico momento em que as duas partes pactuaram ter um Acordo Final para a paz na Colômbia no dia 23 de março, um compromisso que não pôde ser cumprido. Foto: Jorge LuisBaños/IPS

Por Constanza Vieira, da IPS – 

Bogotá, Colômbia, 29/3/2016 –“Não foi possível” assinar o Acordo Final com a guerrilha comunista das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), oficializou em Havana, na noite do dia 23 deste mês, o chefe negociador do governo colombiano, Humberto de laCalle.Não houve comunicado conjunto dos delegados dos países garantidores, Cuba e Noruega, como é usual. Em troca, cada parte leu uma declaração em separado, sobre a impossibilidade de chegar ao acordo na data que haviam fixado há seis meses.

“Subsistem diferenças importantes com as Farc sobre temas de fundo”, acrescentou De laCalle. O governo não aceita que as Farc vejam o desarmamento como um “processo”. Com as armas não há possibilidade de se integrar à vida civil: deixar as armas deve ser “sem zonas cinzas. Sem mescla de armas e política”, ressaltou.No dia 24 deste mês, o enviado do governo alemão no processo de paz, Tom Königs, indicou como nova data para o acordo o final deste ano. Um período que daria espaço para somar à negociação e ao acordo a menor guerrilha, do Exército de Libertação Nacional (ELN), e assim completar o círculo da paz.

Já se sabia que o governo de Juan Manuel Santos e as Farc não chegariam a um acordo para acabar com a guerra de 52 anos no dia 23 deste mês. Porém, esperava-se algum comunicado conjunto depois de terem se reunido em separado, no dia 21, na capital cubana, com o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, que expressou apoio à negociação, mas depois esclarecendo à imprensa que as partes “ainda não estão prontas” para assinar o Acordo Final.

Há duas semanas, o governo colombiano fez aprovar uma lei sobre a desmobilização guerrilheira: durante o cessar-fogo bilateral, os rebeldes entregam as armas e se radicam em “zonas” rurais de concentração, onde não terão efeito as ordens de captura. Além disso, aceitou incluir, como parte fora de texto, uma pretensão do direitista e ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010): a concentração será em lugares isolados, onde não exista população civil.

Para as Farc isso constituiu um retrocesso. Segundo o canal latino-americano Telesul, as Farc desejam que sejam suspensas as ordens de captura em todo o território nacional e que as armas sejam mantidas guardadas em contêineres dentro das zonas de concentração, como garantia de que o Estado cumprirá os acordos. Talvez por isso Kerry tenha se manifestado nesse espinhoso tema, quando anunciou que os Estados Unidos estariam dispostos a garantir a segurança dos combatentes uma vez que entreguem as armas.

Segundo afirmou no dia 23 um dos negociadores das Farc, Pablo Catatumbo (nome de guerra), “não há assinatura nesta data porque não chegamos a um acordo. Os desafios que enfrentamos são difíceis e não conseguimos ainda acordo sobre assuntos que são vitais para o fim do conflito”, declarou a um grupo de jornalistas, entre eles da IPS, em Havana.

“Estão em meio a assuntos tão graves como a exacerbação do paramilitarismo. No último mês houve mais de 28 assassinatos de líderes populares, defensores dos direitos humanos, camponeses, camponesas, que estão impunes. É algo muito preocupante. Superar o militarismo é o principal desafio que temos hoje para levar adiante esse processo”, pontuouCatabumbo.

O cessar-fogo bilateral inclui “vários componentes e vários pontos nos quais encontramos alguns acordos, e em outros não. Estamos discutindo”, explicouo negociador das Farc, na manhã do último dia do prazo. “Sempre estivemos perto da população civil. Não é concebível que hoje se peça às Farc que fique em lugares inacessíveis à população. Pretender impedir nossa relação com a população é francamente absurdo”, ressaltou, lembrando que tampouco se trata de se concentrar em lugares densamente povoados.

Finalmente, as Farc colocaram na mesa, para o resto de 2016, um caminho sobre os complexos aspectos que faltam, que a guerrilha espera seja aprovado no próximo ciclo de conversações que acontecem na capital cubana há três anos.Também está em discussão o referenciamento, com a máxima participação popular que garanta a segurança jurídica, a implantação efetiva de todos os compromissos e os mecanismos para o cumprimento dos acordos, segundo disse em Havana Iván Márquez, negociador-chefe das Farc.

A transição não só produz desconfiança nas Farc. Também gera medo nos setores que obtêm o sustento ou que acumulam capital graças à guerra.“Diversos interesses locais e grupos que se opõem às mudanças que o processo de paz promove já estão empregando a violência e a intimidação para proteger seus interesses, sem uma resposta estatal suficientemente efetiva”, pontuou, no dia 22 deste mês, o Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ONUDH) em seu informe 2015 sobre a Colômbia.

Experiências internacionais de paz fazem prever que, adicionalmente, quando um ator armado sai de um território, pode gerar “vazios de poder e disputas para controlar o lucro ilícito” com o qual se sustenta, alertou a ONUDH: narcotráfico, captura de recursos estatais, extorsão e mineração.

No dia 23 de setembro de 2015, Santos e o comandante máximo das Farc, Rodrigo Londoño, também conhecido como Timoléon Jiménez, ou Timochenko, apertaram as mãos, por iniciativa do presidente anfitrião, Raúl Castro. O que se pactuou nesse dia foi um acordo jurídico sobre como responderiam por seus crimes atrozes os membros do Estado, das Farc, e mais de dez mil atores privados da guerra.

Mas o texto necessitou de três meses de aperfeiçoamento, que foram completados em 15 de dezembro de 2015. Contudo, as prestigiosas organizações humanitárias Anistia Internacional e HumanRightsWatch alertaram para a impunidade que paira em alguns trechos de suas 63 páginas.Para a ONUDH, o sistema de justiça para a paz ainda está inacabado e em progresso. Além disso, ressaltou “a necessidade urgente de contar com um mecanismo independente de proteção para os membros da força pública que desejam contribuir com a verdade e a justiça”.

Todd Howland, diretor da ONUDH na Colômbia, detectou em suas viagens ao terreno que “todas as pessoas esperam que o novo sistema de justiça atenda seu caso”. Ou seja, o sistema jurídico integral desenhado em Havana necessita de dinheiro, grande deslocamento operacional e de gestão, transparência ao selecionar juízes e promotores, incentivos e garantias para que participem ao máximo agentes do Estados, membros das Farc e privados.

Até 2015, foram registradas perante o Estado 7.874.201 vítimas. Este teria que reparar 6.084.064 pessoas, equivalente a 12,4% da população colombiana. A maioria é de refugiados internos: 6.897.450.O acordo sobre justiça se soma aos já obtidos sobre reforma rural, participação política e drogas ilícitas. Segundo Catatumbo, o paramilitarismo é o nó principal: alguns grupos armados por latifundiários esquivos à justiça, poderosos e com representação no Congresso, inclusive aqueles provenientes da máfia do narcotráfico.

Há três anos surgiu o movimento político Marcha Patriótica, cuja base social inclui famílias camponesas em zonas de guerra. Entretanto, 112 homens e mulheres foram assassinados. Outros 320 detidos arbitrariamente ou mediante montagens judiciais. Destes, 130 continua presos, segundo sua porta-voz, Luz Perly Córdoba, convidada a falar no lançamento do informe da ONUDH.

Córdoba destacou que os paramilitares estão se reativando nos 29 departamentos onde a Marcha tem presença (dos 32 mais Bogotá que existem na Colômbia). A história se repete? Talvez, mas as condições diferem. AONUDH não está sozinha desde 1997 observando no terreno boa parte do que ocorre. Também existe o Tribunal Penal Internacional, instância que é ativada quando um Estado não pode ou não quer fazer justiça em casos de crimes de guerra, lesa humanidade ou genocídio.

Mas essa negociação com as Farc deu um passo histórico: envolver uma missão política do Conselho de Segurança das Nações Unidas para verificar o cessar-fogo bilateral e a desmobilização guerrilheira e seu efetivo desarmamento. Envolverde/IPS

*Com a colaboração de PatriciaGrogg, de Havana.