Na frente, a aldeia beduína não reconhecida de Umm al-Heran na lista de lugares a serem demolidos. Atrás, as máquinas do Fundo Nacional Judeu preparam o terreno para plantar árvores. O Estado obriga a tribo Abu Al Qian a se reassentar na aldeia vizinha de Hura. Foto: Silvia Boarini/IPS
Na frente, a aldeia beduína não reconhecida de Umm al-Heran na lista de lugares a serem demolidos. Atrás, as máquinas do Fundo Nacional Judeu preparam o terreno para plantar árvores. O Estado obriga a tribo Abu Al Qian a se reassentar na aldeia vizinha de Hura. Foto: Silvia Boarini/IPS

Por Silvia Boarini, da IPS – 

Umm al-Heran, Israel, 28/4/2016 –Em 2013, Israel parecia ter congelado o Plano Prawer, um projeto de lei para “regular os assentamentos beduínos no deserto do Neguev”, mas continua tentando eliminar as aldeias não reconhecidas do sul do país. A localidade beduína de Umm al-Heran, perto de Hura, está na lista de lugares a serem demolidos.

Tasneem, da tribo Abu Al Qian, não pensa em deixar sua aldeia desaparecer sem luta. Com sua câmera, esta brilhante menina de 12 anos integra um grupo de mulheres e crianças dedicadas a registrar distintas operações da polícia, como demolições ou detenções e, inclusive, o trabalho dos tratores do Fundo Nacional Judeu, que prepara o terreno para plantar árvores.

“Sempre fico muito triste quando acontece uma demolição”, contou Tasneemà IPS ao lado de sua casa. “Me aborrece. Por que não sou igual às crianças judias que vão morar aqui?”, lamentou. A batalha legal de Umm al-Heran pela sobrevivência começou em 2002, quando o Conselho Nacional de Planejamento e Construção colocou o selo autorizando a construção do assentamento judeu de Hiran neste mesmo lugar.

A tribo Abu Al Qianfoi deslocada para sua localização atual por ordem militar em 1956, pouco depois da criação do Estado de Israel. A aldeia, como outras 35 localidades beduínas do Neguev, nunca foi reconhecida pelas autoridades e não está ligada às redes de água e eletricidade.Apesar da severa falta de oportunidades de desenvolvimento, a aldeia trabalhou para transformá-la em uma pitoresca localidade rural com geradores e painéis solares, onde vivem 700 pessoas.

No tocante à justiça israelense, o destino de Umm al-Heran ficou selado dia 5 de maio de 2015, quando a Suprema Corte de Israel ordenou a evacuação da aldeia e que não houvesse mais apelações. As autoridades israelenses querem reassentar a população na vizinha localidade beduína de Hura, que, segundo se queixam, carece de espaço e infraestrutura adequada.

A área de Umm al-Heran sofrerá uma drástica transformação. Segundo o plano-diretor previsto, será preparada para a instalação de uma comunidade judia e passará a se chamar Hiran. “Nunca podemos dizer que a via legal está definitivamente fechada”, alertou à IPS a advogada SuadBishara, que trabalha no escritório Adalah, que representa esta aldeia desde o começo da disputa. “As opções são limitadas, mas pode aparecer algo novo e continuaremos apoiando a aldeia”, ressaltou.

Mas os advogados doAdalah, escritório dedicado a defender os direitos da minoria árabe de Israel, temem que a sentença crie um perigoso precedente, pois permite às autoridades evacuar pessoas de terrenos estatais sem que existam “fins públicos imperiosos” e dar luz verde a mais demolições em massa de lugares não reconhecidos.

Em um comunicado de imprensa divulgado após a decisão judicial, o escritório explicou que “a sentença da Corte legitima a política que Israel mantém há muito tempo contra os cidadãos palestinos, uma política colonial arraigada em uma ideologia de discriminação racial, segregação e expropriação”.

Apesar da sentença, esta aldeia não se rende e mantém sua lutae, junto com oAdalah, trabalha com organizações defensoras dos direitos humanos e, em particular, dos beduínos, para promover uma campanha a fim de encontrar uma solução política para o problema.

“Trabalhamos para armar uma resistência forte na aldeia”, indicou à IPS FadiMasamra, diretor-geral do conselho regional para aldeias não reconhecidas.“Conectamos Umm al-Heran com organizações e ativistas para frear o plano estatal para desarraigar estas famílias”, acrescentou.

O Fórum de Coexistência do Neguev árabe-judeu cuida do projeto de documentação visual, que envolve meninos, meninas e mulheres em defesa de sua aldeia mediante o uso de câmeras. A organização, que defende os direitos dos beduínos, reúne as fotografias de todos os participantes das aldeias em risco de demolição e as usa para divulgar o problema em escala local e internacional.

No final de março, Umm al-Heran foi escolhido como lugar para celebrar o Dia da Terra, que recorda seis árabes-israelenses assassinados pelas autoridades em 1976, durante protestos contra o confisco de terras.“Os árabes continuam sofrendo a discriminação no acesso a terrenos e moradias”, pontuou o legislador árabe-israelense AymanOdeh, da agrupação Lista Unida, à multidão reunida nesse dia. “Hoje lançamos outros protestos e reclamamos o reconhecimento de todas as aldeias não reconhecidas do Neguev”, afirmou.

“O reconhecimento é o que daria a esta aldeia a possibilidade real de se desenvolver”, destacou a advogada Bishara, mas pode ser demolida a qualquer momento. “Trabalharam duro durante 60 anos para este lugar ser habitável. Construíram suas próprias casas e infraestrutura básica. É inconcebível em termos morais e legais que tenham de ser evacuados”, enfatizou.

Na 7ª Conferência do Neguev, realizada este mês na cidade de Yehuram, o presidente de Israel, ReuvénRivlin, felicitou as pessoas que trabalham para o desenvolvimento da região, mas também se referiu à necessidade urgente de resolver as reclamações por terra dos beduínos e, em geral, das aldeias não reconhecidas. “Sem resolver este assunto complexo, o sul não poderá avançar sem problemas”, acrescentou.

Entretanto, para os beduínos no terreno, isso não passa de promessa vazia. “Não existe nenhum plano estratégico para resolver a situação que leve em consideração as necessidades da comunidade”, protestou Masamra à IPS.

A pequena Tasneem não se vê não podendo voltar para sua casa, seu quarto e todas as suas coisas e, aos 12 anos, tem que lidar com a possibilidade de perder tudo isso. “Tive uma infância tão linda aqui, tenho muitas recordações boas e não quer perdê-las”, contou, segurando sua câmera. “Faço fotos das árvores, dos meus amigos, de nossa casa. Fotografo para salvar minha aldeia. Se vierem demolir terei um documento de como foi. Quero recordar como foi crescer aqui”, explicou. Envolverde/IPS