por – Emilio Godoy, da IPS
Cidade do México, México, 3/6/2016 – Em vários sites pode-se comprar exemplares da salamandra axolote (Ambystoma mexicanum) ou da tartaruga de carapaça mole, ou de água doce (Trionyx spiniferus), apesar de isso violar um comércio regulado por convenções internacionais. São casos que servem de exemplo das novas modalidades do tráfico de espécies vegetais e animais, que agravam ainda mais o contrabando transfronteiriço e se alimentam também por sites localizados na chamada internet profunda, a web com conteúdos invisíveis para os programas de busca.
Apesar da magnitude do dano à biodiversidade, a América Latina e o Caribe registram poucos avanços no combate ao comércio ilegal de espécies silvestres, o tema deste ano do Dia Mundial do Meio Ambiente, que será celebrado no dia 5, sob o lema O Futuro da Vida Silvestre Está em Nossas Mãos. Por sua riqueza biológica, México, América Central e a Amazônia (com porções de Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) são as principais fontes de espécies vegetais e animais para o mercado ilegal.
“A América Latina representa uma atividade bastante importante, porque existem vários países considerados megadiversos, o que torna a região muito vulnerável ao tráfico”, apontou à IPS o especialista Roberto Vieto. O gerente de vida silvestre para a América Latina da não governamental Proteção Animal Mundial, organização com base em Londres e dedicada ao bem-estar da fauna, denunciou que há um retomada no tráfico da vida silvestre na região, potencializado pelo comércio eletrônico.
O Relatório Sobre o Crime da Vida Silvestre Mundial, publicado no dia 26 de maio pelo Escritório das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime (UNODC), indica que, no período 2004-2015, México, Argentina, Chile e Venezuela encabeçaram a lista de apreensões latino-americanas de variedades de flora e fauna. Na região aconteceram 15% das apreensões mundiais, enquanto na América do Norte foram 46%, na Ásia e no Pacífico, 24%, na Europa, 14%, e na África, 1%.
Das apreensões se deduz que répteis, mamíferos e aves são as espécies latino-americanas estrelas do tráfico, com Estados Unidos, Europa e, mais recentemente, a China, como destinos favoritos. O UNODC estima que sete mil espécies são traficadas mundialmente, atividade que gera por ano entre US$ 8,9 bilhões de US$ 22,25 bilhões, informou a União Europeia em fevereiro. Isso converte esse tipo de tráfico em um dos quatro maiores crimes transnacionais, junto com as drogas, armas e o tráfico de pessoas.
As capturas de variedades são um indicativo da magnitude do fenômeno. Para citar um exemplo, as autoridades mexicanas apreenderam, entre 2007 e 2011, mais de 200 mil exemplares e detiveram 294 pessoas envolvidas no crime. Em 2013, foram apreendidos 4.033 exemplares e detidas 57 pessoas por tráfico de fauna e flora silvestres, e, no ano seguinte, o último sobre o qual existem dados, apenas 1.741 plantas e animais foram apreendidos e 37 pessoas processadas.
“A problemática é muito grave. Para certas espécies, o tráfico é sua única ameaça. O tráfico internacional se foca em espécies endêmicas, as mais raras, as ameaçadas de extinção”, ressaltou o representante do México junto à organização norte-americana Defensores da Vida Silvestre, Juan Carlos Cantú. Praticamente, todos os países latino-americanos penalizam o tráfico de variedades silvestres e aplicam estratégias nacionais contra esse crime. Mas esse combate enfrenta atrasos e lacunas legais, embora sua dinâmica seja bem conhecida.
Um exemplo: em seu primeiro Relatório Nacional Sobre o Tráfico de Animais Selvagens, de 2014, a organização Renctas, do Brasil, concluiu que mais de um milhão de caimãs (um tipo de crocodilo americano) são caçados anualmente de forma ilegal em zonas naturais brasileiras, para envio de suas peles para países vizinhos, onde são processadas e exportadas. Em 2015, a organização Defensores registrou, em seu documento Lutando Contra o Tráfico de Vida Silvestre da América Latina para os Estados Unidos, que os cinco animais mais traficados eram os caracóis rosados, as tartarugas marinhas, os caimãs, os crocodilos e as iguanas.
O lucrativo mercado chinês é o cadafalso para variedades como a totoaba, o pepino do mar e os tubarões. A captura da totoaba (um peixe de águas do noroeste mexicano e cuja barriga é muito consumida na Ásia como afrodisíaco) sentencia à morte a vaquinha marinha (Phocoena sinus), um cetáceo que está à beira do precipício biológico.
Entre os métodos utilizados estão contrabando, uso de documentos legais para ocultar atividades ilegais, ou de permissões falsificadas e outros tipos de fraudes. Como indica o UNODC, alguns mercados são vulneráveis à infiltração de fontes ilegais ou de vida silvestre traficada, onde não há regulamentação internacional. Os contrabandistas e seus clientes aproveitam vazios legais na região. Por exemplo, o Brasil proíbe a venda de espécies selvagens, mas mantém como legal a posse desses animais criados em regime de sujeição.
Os tubarões são uma mostra das incongruências legais. A maioria das nações latino-americanas aprova sua venda comercial, mas limita ou impede a pesca para a extração das barbatanas, um manjar em paragens asiáticas e um incentivo à mescla de mercados legais e ilegais.
A Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Silvestres (Cites), vigente desde 1975, cobre 5.600 espécies de animais e 30 mil de plantas contra a superexploração no comércio internacional, segundo seu grau de risco de desaparecimento. Mas as milhões de espécies que não estão incluídas na Cites podem ser criadas ilegalmente e comercializadas internacionalmente.
Além disso, os mercados nacionais também estão foram de seu alcance, na medida em que não se pode provar que os produtos não cruzaram fronteiras, em contravenção às normas da Cites. No caso latino-americano, a maioria dos países da região apresentaram, pelo menos desde 2010 junto à Cites, seus informes bianuais sobre apropriações de espécies, apesar da importância da fiscalização no combate ao tráfico.
Essa brecha tem os dias contados, pois em sua reunião anual de fevereiro em Genebra, o Comitê Permanente da Cites decidiu que seus Estados membros devem entregar a cada ano estatísticas de apreensões que engrossarão um relatório anual, e o primeiro deles será publicado em outubro de 2017.
Vieto e Cantú concordam quanto à importância da conscientização da sociedade para que não compre espécies silvestres. “São necessárias campanhas de sensibilização para reduzir o consumo de produtos, reforçar a aplicação de normas existentes e a cooperação internacional” para cobrir os vazios locais, propôs Vieto. Para Cantú, é fundamental diminuir a demanda. “É preciso ensinar às pessoas que não se deve comprar animais ou produtos silvestres. Isso bastaria para diminuir o tráfico a níveis sustentáveis”, destacou.
Parte dos ODS
A eliminação do tráfico de vida silvestre integra a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. No 15º dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o dedicado à proteção dos ecossistemas terrestres, a meta sete contempla “adotar medidas urgentes para acabar com a caça ilegal e o tráfico de espécies protegidas de flora e fauna, e enfrentar tanto a demanda como a oferta de produtos ilegais silvestres”.
Pedidos à Cites
Para a 17ª Conferência das Partes da Cites, que acontecerá em Johannesburgo entre 24 de setembro e 5 de outubro, El Salvador, Guatemala e Honduras pediram a inclusão no Apêndice I de quatro tipos de lagartos do gênero Abronia. Essa é a lista de espécies cujo comércio é proibido.
Em um caso que chama a atenção, o México solicitou a adesão de 13 espécies de madeiras de pau-rosa (Dalbergia calderonii) no Apêndice II, que contém as espécies com restrições comerciais, para proteger essa variedade do tráfico madeireiro. Envolverde/IPS