Internacional

Anistia e HRW contra sauditas na ONU

Entrevista coletiva de representantes da Anistia Internacional e da HumanRightsWatch. Foto: Loey Felipe/ONU
Entrevista coletiva de representantes da Anistia Internacional e da HumanRightsWatch. Foto: Loey Felipe/ONU

Organizações defensoras dos direitos humanos pediram à Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) que suspenda a Arábia Saudita do Conselho de Direitos Humanos.

Por Tharanga Yakupitiyage, da IPS

Nações Unidas, 4/7/2016 – A Human Rights Watch (HRW), com sede em Nova York, e a Anistia Internacional, com sede em Londres, se uniram para fazer um chamado excepcional à ação, baseando-se nas “flagrantes e sistemáticas violações de direitos humanos” por parte da Arábia Saudita no Iêmen e em seu próprio território.

“Acreditamos que a Arábia Saudita já não merece ocupar um lugar no Conselho de Direitos Humanos”, afirmou,no dia 29 de junho, o subdiretor da HRW para assuntos globais, Philippe Bolopion.A HRW e a Anistia documentaram 69 bombardeios aéreos realizados pela coalizão encabeçada pela Arábia Saudita no Iêmen e que deixaram pelo menos 913 civis mortos, entre eles 200 crianças.

O Escritório de Direitos Humanos da ONU estima que morreram nove mil pessoas dede o início das operações militares em território iemenita, em março de 2015. Por sua vez, o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, afirmou que a coalizão árabe é mais responsável pelas vítimas civis do que as outras forças reunidas.

Um relatório do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, indica que essa coalizão foi responsável por 60% do número de crianças mortas e feridas, e por quase metade dos 101 ataques contra escolas e hospitais. Entretanto, o secretário-geral acabou tirando a Arábia Saudita de uma lista de países que haviam cometido graves violações contra menores, nesse mesmo informe, no começo de junho, porque, segundo seu argumento, os países do Golfo ameaçaram reduzir suas contribuições para importantes programas da ONU.

A Anistia Internacional e a HRW chamam esse apêndice de “lista da vergonha”. Após as críticas que recebeu por sua atuaçãoBanexplicou que tomou“uma decisão para que todas as operações da ONU, especialmente as humanitárias, continuem funcionando. Também tive que considerar a possibilidade muito real de outros milhões de crianças sofrerem gravemente se, como foi dado a entender, os países retirassem seu financiamento para muitos programas das Nações Unidas”.

O embaixador saudita na ONU, Abdalá Al-Muallimi, negou que seu país tenha feito ameaças ou lançado outras formas de intimidação para ser retirado da lista em questão.Richard Bennett, diretor para Ásia Pacífico da Anistia Internacional, destacou que “é importante defender o mandato de proteger as crianças afetadas pelos conflitos armados. Os estados membros da Assembleia Geral devem se levantar e defendê-lo”.

Além do informe da ONU, HRW e Anistia também documentaram 19 ataques da coalizão liderada pelos sauditas no Iêmen, os quais incluíram bombas de fragmentação, que estão proibidas em todo o mundo, e muitos deles realizados em áreas civis, como a Universidade de Saná.A diretora executiva da HRW para Oriente Médio e norte daÁfrica, Sarah LeahWhitson, apontou que, além da coalizão integrada por nove países árabes, Estados Unidos e Grã-Bretanha também “cruzaram o umbral” e participavam da guerra como fornecedores de armas, incluindo as bombas de fragmentação.

Em 2015, a Arábia Saudita comprou armas dos Estados Unidos no valor de US$ 20 bilhões, e da Grã-Bretanha no valor de US$ 4 bilhões. Esses dois países ocidentais também participaram com apoio de inteligência durante o conflito. Sua atuação os torna legalmente responsáveis pelos crimes cometidos no terreno, pontuouWhitson.

Por outro lado, o bloqueio naval dos portos do Iêmen reduziu drasticamente o fornecimento de alimentos e medicamentos, o que deixou 80% da população com necessidade de algum tipo de assistência humanitária. O assédio e a inanição que sofrem os civis são “uma forma de fazer a guerra e também é um crime de guerra”, ressaltouWhitson.

Não foi possível consultar funcionários sauditas e norte-americanos, mas integrantes da coalizão negaram em reiteradas oportunidades toda violação de direitos humanos. Enquanto isso, no âmbito doméstico a dissidência não cessa. Em 2015, pelo menos seis pessoas, entre elas destacados escritores e ativistas, sofreram represálias por expressarem suas opiniões. E uma delas foi condenada à morte. Inclusive falar com integrantes de organizações de direitos humanos, como HRW e Anistia, é um crime, explicou Bennett.

Também aumentaram as execuções,acrescentouBennett. Só neste ano, ocorreram 95 execuções, mais do que em igual período do ano passado. Aproximadamente, 47 delas morreram em uma execução em massa no mês de janeiro. A maioria acusada de crimes que, segundo o direito internacional, não são punidos com a pena capital.

Apesar das várias violações à legislação internacional em matéria de direitos humanos, a Arábia Saudita aproveitou sua posição no Conselho de Direitos Humanos para se proteger do controle e da prestação de contas, segundo HRW e Anistia Internacional. De fato, em 2015, a Arábia Saudita frustrou uma resolução do Conselho de Direitos Humanos, que solicitava investigar os supostos crimes de guerra e outras violações cometidas pelas partes em luta no Iêmen. Por outro lado, funcionários sauditas redigiram seu próprio documento sem mencionar uma investigação independente da ONU.

A HRW e a Anistia também pediram aos Estados membros da Assembleia Geral para atuarem de acordo com a resolução 60/251, pela qual esse máximo órgão de decisão pode suspender os direitos de um país no Conselho de Direitos Humanos, com aprovação de dois terços de seus integrantes, se um membro violar esses princípios. A resolução foi invocada pela primeira vez em 2011, quando a Líbia foi suspensa por violações de direitos humanos.

“Sabemos que temos poucas probabilidades de consegui-lo”, respondeu Bolopion ao ser consultado sobre a possibilidade de suspensão efetiva da Arábia Saudita. Porém, espera que a campanha sirva de “alerta” para que outros membros vejam que não podem fazer o que bem entendem, violar os direitos humanos e varrer suas consequências.

A HRW e a Anistia também destacaram que é fundamental tomar medidas para manter a integridade da ONU. “A falta de medidas contra as flagrantes violações de direitos humanos pela Arábia Saudita no Iêmen e o abuso de sua posição para obstruir investigações independentes para não assumir sua responsabilidade colocam em risco a credibilidade do Conselho de Direitos Humanos e da Assembleia Geral”, enfatizou Bennett.

Em março de 2015, a Arábia Saudita e nove países árabes, entre eles Egito e Kuwait, intervieram no conflito do Iêmen e, desde então, lutam com as forças hutis. Apesar da mediação da ONU, que conseguiu um cessar-fogo, as duas partes cometeram “graves violações”, disse o secretário-geral da ONU aos negociadores iemenitas. As conversações serão reiniciadas em meados deste mês, ao fim da festividade de Eid, que põe fim ao mês sagrado muçulmano do Ramadã. Envolverde/IPS