Recentes eventos mostram a gigantesca disfuncionalidade a que estão sendo levadas as administrações públicas federal, estaduais e municipais, com os votos no Congresso, nas Assembleias e nas Câmaras Municipais sendo obtidos em troca do “aparelhamento” da máquina estatal por apaniguados nem sempre competentes e honoráveis.
A competição entre os partidos leva à generalização e ao aprofundamento do processo, com a consequente banalização e a tolerância com o mau comportamento.
O partido que mais “aparelha” acaba recebendo mais financiamento (não declarado) e prepara-se, assim, para aumentar a sua participação nos próximos pleitos, em detrimento dos que não conseguiram a “mão gorda”.
Isto é ainda mais visível, desde a instituição da reeleição, nos Municípios que não são capitais. O poder incumbente leva para o Executivo vereadores eleitos à custa de benefícios e favores concedidos e recebidos pelo domínio da máquina pública.
Uma vez eleitos, voltam para o Executivo como “secretários” e deixam nas Câmaras seus suplentes, fragilizando o Poder Legislativo.
Com duas eleições, dominam a imprensa local e se perpetuam no poder, por meio de mulheres, filhos e “tutti quanti”. O grave é que, com o controle da imprensa local, as revelações de corrupção (mesmo comprovadas) exercem pequena influência nos resultados das eleições. É muito pouco provável que essa situação possa melhorar com as propostas de financiamento público e de lista fechada. O poder incumbente, que é maioria, vai receber maior verba pública e, sendo o poder concedente, terá ainda maior suporte do famoso “caixa dois”. Trata-se de mecanismo que se autorreforçará, tornando cada vez mais difícil a administração pública.
Do aparente “presidencialismo imperial” comprado a preço de ouro, como vimos na aprovação da emenda da reeleição, estamos evoluindo na direção de um “parlamentarismo irresponsável”…
A solução para o problema está sendo procurada no lugar errado. Ela não está na reforma eleitoral, mas na autorreforma do Executivo (Constituição Federal, artigo 84, VI, a).
É preciso radicalizar a profissionalização do serviço público com concursos transparentes e honestos, e promover apenas pelo mérito. Além disso, reduzir o incrível número de “cargos de confiança” e diminuir os graus de liberdade dos ministros. Escolhidos livremente pela Presidência, ditarão obviamente a “política do Ministério”.
Poderão levar consigo três ou quatro assessores de confiança, mas, na sua execução, deverão aproveitar os valores do seu próprio funcionalismo.
* Delfim Netto é economista e escreve às quartas-feiras no jornal Folha de S.Paulo.
** Publicado originalmente no site EcoD.