Arquivo

Não se avista o fim do conflito

Washington, Estados Unidos, 20/7/2011 – Os rebeldes do Conselho Nacional de Transição (CNT) da Líbia conseguiram controlar o porto petroleiro de Brega, no Leste, e também o reconhecimento pelos Estados Unidos como governo legítimo de seu país. Porém, analistas norte-americanos não vislumbram um fim próximo para a guerra contra o regime de Muammar Gadafi. Os êxitos diplomáticos e militares dos últimos dias não parecem ser suficientes para acabar com a guerra civil que entra em seu sexto mês.

O líder líbio, que pessoalmente reuniu forças leais em cidades próximas a Trípoli, parece ter uma disposição sólida na capital, mesmo se os rebeldes avançarem do Leste e das montanhas do Oeste. “A situação atual é favorável aos rebeldes”, disse à IPS um representante do governo norte-americano que pediu para não ser identificado. “Porém, não significa que o conflito não vai durar mais um bom tempo”, acrescentou.

O avanço rebelde, no dia 18, sobre Brega ocorreu três dias depois de o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, se unir a outros 27 governantes que reconheceram o CNT como “legítima autoridade da Líbia”. Washington recebeu garantias do CNT sobre sua “intenção de realizar reformas democráticas, respeitar as obrigações internacionais da Líbia e destinar fundos de forma ampla e transparente para atender as necessidades humanitárias do povo líbio”, o que justifica seu reconhecimento, afirmou a secretária de Estado, Hillary Clinton.

“Ajudaremos o CNT a manter seu compromisso com a soberania, a independência, a integridade territorial e a unidade do país, e velaremos para que se mantenha fiel à sua promessa de respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais”, acrescentou Hillary na reunião do Grupo de Contato sobre a Líbia, realizada na cidade turca de Istambul na semana passada.

Além do impacto psicológico e diplomático do reconhecimento dos rebeldes pelos Estados Unidos, a medida prepara o caminho para transferir a eles US$ 32 bilhões em ativos líbios, congelados no final de fevereiro como represália à repressão lançada por Gadafi contra manifestantes de oposição. O dinheiro deverá ser usado para fins humanitários e serviços públicos básicos, não para compra de armas ou outros equipamentos militares com o objetivo de melhorar a capacidade dos rebeldes para enfrentar as forças de Gadafi, afirmaram porta-vozes de Washington após o anúncio feito no dia 15.

No entanto, a liberação do dinheiro não será rápida. “Ainda temos de resolver vários assuntos legais, mas esperamos que o reconhecimento permita ao CNT ter acesso a recursos adicionais”, disse Hillary. Existe uma crescente pressão dos aliados de Washington na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), especialmente da França e da Grã-Bretanha, para que aprofunde sua participação na campanha militar que realizam contra Gadafi. A tentativa do ministro da Defesa britânico, Liam Fox, de solicitar mais ajuda ao seu colega norte-americano, Leon Panetta, não teve sucesso, informou no dia 18 o jornal The Financial Times, da Grã-Bretanha.

Depois dos primeiros dias do ataque à Líbia, quando os Estados Unidos lideraram o bombardeio, o papel de Washington passou a ser limitado. A maior parte de suas operações se concentrou em apoio logístico, vigilância aérea, fornecimento de combustível e informação sobre alvos, embora aviões de combate e não tripulados tenham feito uma ou outra incursão armada.

Essa retira de Washington desagradou França e Grã-Bretanha e outros membros da Otan que participam da guerra contra Gadafi e que consideram que armamentos muito mais modestos estão sendo exigidos no limite. Washington afirma que já carrega quase todo o peso da guerra no Iraque e no Afeganistão e que a Europa tem mais interesses na África do Norte do que os Estados Unidos. Além disso, o governo de Obama está sob uma forte pressão interna para limitar sua intervenção na Líbia.

Inúmeras pesquisas de opinião pública feitas nos Estados Unidos desde março concluem que uma significativa maioria dos entrevistados acredita que Washington “não deveria participar” de operações militares na Líbia. O mal estar doméstico se exacerbou pela insistência da Casa Branca estar muito longe de ser “hostilidade”. Segundo a lei federal conhecida como Resolução de Poderes sobre a Guerra, de 1973, o presidente deve obter autorização do Congresso para manter essas hostilidades por mais de 60 dias. Essa posição gerou uma revolta bipartidária no Congresso.

No final de junho, a Câmara de Representantes rejeitou uma resolução que autorizava por um ano a participação norte-americana na intervenção na Líbia conduzida pela Otan. A proposta se baseou em um projeto patrocinado no Senado por John McCain, do Partido Republicano (oposição), e John Kerry, do governante Partido Democrata. O Comitê de Relações Externas do Senado, presidido por Kerry, aprovou vários dias depois a resolução por 14 votos contra cinco, mas é pouco provável que o plenário do Senado, que no começo deste mês parecia favorável, tome alguma decisão antes de setembro.

Por outro lado, a Câmara de Representantes aprovou este mês uma emenda a um projeto de gastos do Pentágono que proíbe financiar armas, equipamentos, treinamento ou assessoramento a qualquer força combatente da Líbia. Os líderes do CNT – na maioria empresários, profissionais, acadêmicos e diplomatas formados no Ocidente – que visitaram Washington causaram uma boa impressão aos seus interlocutores. Mas preocupa a composição, a unidade e as intenções das forças heterogêneas sob seu comando.

A organização Human Rights Watch, com sede em Nova York, denunciou na semana passada que, nas montanhas do Oeste do país, os rebeldes saquearam e danificaram quatro povoados que haviam tomado das forças de Gadafi em junho, ao que parece, como represália. E o jornal The New York Times afirmou que cerca de 20 mil equipamentos portáteis de defesa antiaéreas estocados por Gadafi nos últimos anos foram roubados dos bunkers do governo nas montanhas do Oeste e Leste do país, e não se sabe onde estão.

Esses mísseis terra-ar que uma pessoa pode disparar carregando-o no ombro “são um dos armamentos convencionais mais preocupantes, pois podem ser usados contra aviões civis”, disse Paul Pillar, ex-analista da Agência Central de Inteligência (CIA) em um comentário publicado no blog The National Interest. “Parece que os terroristas com intenções de derrubar aviões conseguiram uma nova fonte de fornecimento”, acrescentou. Envolverde/IPS