Toneladas de vasilhames transportados a granel ao longo de milhares de quilômetros são desafio para logística reversa.
A cada hora são servidas 374 mil doses de Cachaça 51 em algum ponto do Brasil. Ao final de cada dia são 450 mil litros vazios, equivalentes a aproximadamente 225 toneladas de resíduos sólidos por dia. A destinação correta do ponto de vista de sustentabilidade é o retorno destas embalagens para serem novamente envasadas e recolocadas no ciclo de consumo. Para fazer isto, a Cia Müller de Bebidas, maior produtora de cachaça do mundo, opera uma complexa logística que inclui um sistema de coleta que se estende a todos os extremos do país como, por exemplo, Tabatinga, a quatro dias de barco de Manaus, e tem o desafio de transportar até
60 mil vasilhames, deitados um sobre o outro, numa carreta que tem de atravessar milhares de quilômetros em alguns dos piores trechos de estradas.
Este sistema, que começou a ser implantado bem antes da lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, coloca a Cia Müller entre os principais operadores de logística reversa de embalagem no setor de bebidas. Dos 400 mil litros de produto que saem diariamente das duas fábricas em Cabo de Santo Agostinho, próximo de Recife, em Pernambuco, e em Pirassununga, no interior de São Paulo, cerca de 95% retornam sucessivas vezes para a linha de envase, correspondendo a 200 toneladas pós consumo que são geradas diariamente e que já contam com destino correto. Isto se torna particularmente relevante diante do fato de que a Cachaça 51, líder com 40% de participação de mercado, é distribuída em um milhão de pontos de comercialização, que vão de grandes redes de supermercados a quiosques de praia, passando por restaurantes e bares frequentados por todas as classes sociais em mais de cinco mil municípios brasileiros.
Parte dos vasilhames da Cachaça 51 retorna por meio do sistema tradicional, dentro de engradados apropriados que evitam o atrito entre elas, como é feito com as garrafas das chamadas bebidas frias. Nesta modalidade, cada carregamento comporta 25 a 30 mil vasilhames e é adotado para os percursos menores. Quando se tratam de longas distâncias, como o mercado da região Norte, para tornar a operação economicamente viável, é necessário pelo menos o dobro de litros em cada viagem, por isto o transporte é feito a granel e se torna mais complexo e requer cuidado redobrado.
Poucos motoristas se habilitam. Um deles é Elivar Martins Santos. Pelo menos uma vez por mês ele sai com sua carreta de 30 toneladas de Manaus transportando 55 mil vasilhames para a fábrica da Cia Müller de Bebidas, em Pirassununga. Em linha reta são 2.500 quilômetros. Mas para chegar ao destino são quase três mil quilômetros, que começam no rio Madeira, com deslocamento por balsa de Manaus até Porto Velho, em Rondônia, e continua por via terrestre, chegando a consumir de uma semana a 10 dias, dependendo das correntes fluviais e da situação das estradas.
O desafio de chegar com o máximo possível de vasilhames aproveitáveis começa no carregamento. Uma equipe de 12 pessoas costuma trabalhar de 8 a 10 horas seguidas erguendo pilhas de três metros de altura de litros vazios deitados um sobre o outro cuidadosamente, até ocupar todo o espaço da carroceria do caminhão formando um bloco compacto, capaz de resistir aos impactos provocados por solavancos durante a viagem. Na última viagem de Elivar isto funcionou bem. Dos 55 mil vasilhames embarcados, apenas 360 estavam quebrados quando ele chegou. Mas já houve uma viagem em que três mil litros transformaram-se em cacos ao longo do trajeto.
Não é somente de Manaus que a Cia Müller recebe caminhões carregados de vasilhames retornáveis de cachaça. Em média, chegam 20 por dia, provenientes de diversos locais do Brasil, com transporte a granel ou em engradados. A capacidade total de descarregamento na fábrica é de 936 mil litros diariamente, praticamente o dobro da capacidade de envase. Diferente do carregamento a granel, que leva um dia, a operação para descarregar leva no máximo três horas. Passando por rigoroso controle de qualidade, que requer equipamentos específicos de higienização e inspeção, os vasilhames são retirados do caminhão e, rapidamente, retornam para o ciclo produtivo conforme o conceito de logística reversa.
O Acordo Setorial para Implantação do Sistema de Logística Reversa de Embalagens foi assinado em novembro passado, e a Política Nacional de Resíduos Sólidos está vigor desde Mas na Cia Müller, a prática de viabilizar a coleta de resíduos sólidos, como as embalagens, e seu reaproveitamento como insumo na produção, começou muito antes. A base para isto foi a modalidade de venda retornável, em que parte dos 1.500 clientes têm uma espécie de conta corrente de ativos em embalagens, que é alimentada justamente pelo retorno de vasilhames ou caixas.
Isto estimulou clientes e distribuidores a desenvolverem um sistema para coleta e compra de vasilhames, envolvendo “garrafeiros” e catadores. Em Manaus, por exemplo, há postos para coleta e depósitos para receber vasilhames recolhidos em toda a cidade e de locais mais distantes. É o caso de Tabatinga, a 1.500 quilômetros, na tríplice fronteira entre o Brasil, Colômbia e Peru, que também contribui para logística reversa de embalagem de Cachaça 51.
Mas logística reversa é apenas uma pequena dose do compromisso da Cia Müller de Bebidas com a questão socioambiental. Em todo o processo de produção, desde o plantio da cana, a empresa incorpora avançadas técnicas de reaproveitamento dos resíduos tanto agrícolas como industriais nos próprios processos produtivos, resultando em alto grau de autossuficiência e de baixo desperdício. Tradicionalmente integrada em questões socioambientais, a Cia Müller também desenvolve vários projetos para uma preservação contínua do meio ambiente e uma gestão racional dos recursos naturais como, por exemplo, utilização de biomassa na matriz energética, com aproximadamente 97% de geração de energia; eliminação da queima da palha da cana-de-açúcar, com investimento na colheita mecanizada, que já atinge 93% da produção de cana; aproveitamento integral dos resíduos da moagem de cana, como vinhaça e torta de filtro; na irrigação do solo e como insumos orgânicos no processo de fertilização das áreas plantadas de cana; e plantio de 122 mil árvores nativas em projeto de reflorestamento para recuperação de áreas degradadas. Recentemente foi feita a substituição do sistema de iluminação interna e externa que resultou numa redução de 65% do consumo de energia com melhora de 130% no nível de luminosidade. A gestão do uso racional da água nos processos industriais também tem relevância na gestão da empresa tendo sido implementadas diversas ações de reaproveitamento e reúso de água, garantindo redução expressiva no consumo deste recurso.
Para o presidente da Cia Müller de Bebidas, Ricardo Gonçalves, racionalizar, reduzir, reutilizar e reciclar, representam mais do que uma boa ideia. São verbos que traduzem o compromisso da empresa com a utilização racional dos recursos, como água ou energia, por exemplo, a redução de resíduos em geral que impactam o meio ambiente e, principalmente, a busca constante das melhores práticas ambientais. “Neste sentido, a existência de uma legislação específica é positiva porque reforça ainda mais nosso compromisso com a sustentabilidade” afirma. (#Envolverde)