por Friday Phiri, da IPS –
Adis Abeba, Etiópia, 3/11/2016 – O Acordo de Paris sobre mudança climática entrará em vigor amanhã, dia 4, após alcançar sua ratificação por pelo menos 55 Estados parte, os que concentram 55% das emissões contaminantes liberadas na atmosfera. O histórico tratado foi alcançado na 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (CMNUCC), realizada em Paris, em dezembro de 2015.
O acordo propõe conseguir que o aumento global da temperatura se mantenha bem abaixo dos dois graus Celsius, com relação à era pré-industrial, e realizar esforços para “limitar o aumento da temperatura a 1,5 grau” neste século. A base do documento são as contribuições previstas e determinadas em nível nacional (CPDN), enviadas pelos países antes da COP 21, que basicamente são seus planos para reduzirem as emissões de gases-estufa que liberam na atmosfera.
Uma vez que uma das partes ratifica o Acordo de Paris, sua entrada em vigor implica que todas as suas disposições, incluídas as CPDN que se tornam contribuições nacionais, passam a ser obrigatórias para essa parte. No dia 27 de outubro, eram 86 os países africanos que haviam ratificado o acordo, mas, segundo uma análise do Centro de Políticas Climáticas da África (ACPC), da Comissão Econômica das Nações Unidas para a África (Uneca), a maioria das contribuições nacionais africanas contém metas imprecisas em matéria de adaptação e mitigação.
“Ainda há numerosos problemas com as contribuições de muitos países em desenvolvimento, falta precisão em seus objetivos de adaptação e mitigação, faltam estimativas de custos, não são indicadas fontes de financiamento e, em alguns casos, os compromissos de mitigação superam suas emissões atuais, entre outros”, disse à IPS Johnson Nkem do ACPC.
O continente africano é o mais vulnerável ao aquecimento global, apesar de contribuir com apenas 5% das emissões de gases-estufa. Nkem, que conversou com a IPS durante a VI Conferência sobre Mudança Climática e Desenvolvimento na África, realizada entre os dias 18 e 20 de outubro sob o lema “Acordo de Paris sobre mudança climática: o que a África deve esperar?”, explicou que os países africanos devem subcontratar o desenvolvimento de seus CPDN porque carecem de capacidade e recursos.
O ACPC está disposto a ajudar os países que ainda não ratificaram o tratado a revisarem seus planos de ação para serem mais realistas, antes que enviem seus instrumentos de ratificação. O principal objetivo da Conferência foi discutir as consequências do Acordo de Paris para esse continente, considerando o impacto que já sofre, como as prolongadas e frequentes secas e inundações, e a degradação ambiental que afeta as comunidades.
O fundamental é compreender as consequências para a África em matéria de implantação, como transferência de tecnologia e finanças, assuntos que sempre estão presentes na mente dos negociadores africanos, e com o que James Murombedzi, do Centro de Políticas Climáticas da África, insistiu durante a conferência.
“Há matizes controversos do Acordo, que devem ser abertos no contexto das prioridades de desenvolvimento da África, especialmente em relação aos meios de implantação, que eram disposições vinculantes do Protocolo de Kyoto e atualmente são apenas decisões não vinculantes no Acordo de Paris”, acrescentou Murombedzi.
Ele também considera que “o impulso sem precedentes que ganhou a ratificação do Acordo de Paris é uma oportunidade para os países africanos revisarem seus planos de ação climática para atender as discrepâncias e fortalecer sua ambição quando for apropriado”. O impulso garantirá que a implantação do tratado apoie e acelere a agenda de desenvolvimento sustentável e inclusivo do continente, como consta da Agenda 2063 da União Africana e da Agenda de Desenvolvimento Sustentável para 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Outro assunto que surgiu na Conferência foi a incorporação de serviços e de informação climática nos processos de tomada de decisão, a fim de que os países africanos administrem melhor os riscos de vulnerabilidade climática e de adaptação, especialmente entre as comunidades mais vulneráveis. A Uneca considera que a informação que manejam os grupos mais vulneráveis difere das do restante da sociedade e que por isso é necessário que os serviços de informação dirigidos façam parte de todas as intervenções referente ao clima, para beneficiar as mulheres, as meninas e os jovens.
Para isso a Uneca organizou um encontro de legisladores no contexto da Conferência. Thiery Amoussougo, da Uneca, afirmou que a reunião apontava para estratégias que legisladores e governos pudessem implantar para garantir a inclusão de políticas de mudança climática nas medidas e no planejamento para o desenvolvimento em diferentes países africanos.
Os especialistas afirmam que a informação climática se refere a dados obtidos por observações do clima, como temperatura e precipitações, e também procedentes de modelos climáticos, e que permitem realizar prognósticos, análises econômicas, assessoria de melhores práticas, entre outras possibilidades.
A dificuldade está no fato de que, por diferentes motivos, esses serviços costumeiramente não estão bem coordenados na maioria dos países africanos, quanto menos têm precisão. “É necessário não só construir as capacidades dos recursos humanos, mas também investir em infraestrutura adaptada à informação climática e criar um entorno propício para as diferentes instituições vinculadas fornecerem esses dados”, apontou Sylvia Chalikosa, legisladora de Mpika Central, na província de Muchinga, em Zâmbia.
No tocante às consequências do Acordo de Paris, em termos de conseguir crescimento econômico sustentável para a África, a Conferência ressaltou a necessidade de identificar oportunidades de investimentos viáveis e de transformação, reformar instituições para torná-las mais eficientes e construir capacidades para ter acesso e absorver os fundos para o clima.
Tudo isso permitirá aproveitar as possibilidades do tratado para melhorar tecnologias e realizar a transição para uma economia com poucas emissões de carbono e resiliente ao clima. “Nesse ponto, assinar e ratificar o Acordo não é uma opção para a África”, pontuou Natasha Banda, que integra o Programa de Jovens Advogados Africanos que apoia o Grupo Africano de Negociadores, explicando que, pela natureza dos tratados internacionais, “as partes não têm capacidade de negociação”.
Para isso, Mithika Mwenda, da Aliança Pan-Africana para a Justiça Climática, recordou que, na reunião de Marrakesh do mês passado, onde foram fixadas as normas e os procedimentos para implantar o Acordo de Paris, apesar de a adaptação ser importante no caso da mudança climática, não se deve esquecer de explorar os meios para implantá-la. Envolverde/IPS