É difícil não voltar ao tema, tal a urgência imposta pela gravidade de informações na área. E, nas últimas semanas, mais uma vez, vastas áreas da Região Metropolitana do Recife, da Paraíba e da Bahia tiveram de enfrentar chuvas intensas, deslizamentos de terra e desabamentos, mortes, com milhares de pessoas desalojadas e desabrigadas – na mesma hora em que a Agência Nacional de Águas (ANA), ao divulgar seu relatório sobre recursos hídricos no país, informava que em 2010 nada menos que 563 municípios (em São Paulo, Rio de Janeiro, Alagoas, Pernambuco, Bahia e no Sul do Brasil) enfrentaram “situações de emergência por causa de chuvas” (em torno de 10% do total).
Nessas circunstâncias, só pode ser bem-vinda a informação de que o governo federal criou o Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), de onde 75 cientistas poderão, com 12 horas de antecedência, alertar 25 cidades sobre inundações que nelas poderão acontecer; e, com duas a seis horas de antecedência, prevenir quanto a deslizamentos de morros e encostas. O objetivo é expandir, até 2015, a rede de alertas para mil municípios e neles mapear 15 mil áreas de risco (só em São Paulo, 115 mil pessoas vivem em áreas como essas, segundo o Instituto de Pesquisas Tecnológicas). Quase duas mil pessoas perderam a vida no país nesses “eventos extremos” em um ano – e por isso já ocupamos o sexto lugar no mundo nesse ranking indesejável. Já não é sem tempo, portanto, que se avance para soluções. As questões do clima não se resumem à redução das emissões de gases poluentes (“mitigação”, na linguagem da respectiva Convenção), incluem a “adaptação” às mudanças já em curso e seus desdobramentos problemáticos.
Todos os dias, surgem novos estudos para demonstrar a gravidade dos problemas. A revista Scientific American (12/7) publicou trabalho que mostra o quanto têm sido subestimados os danos sociais decorrentes das emissões de dióxido de carbono: não seriam US$ 21 por galão (3,8 litros) de derivados do petróleo, e sim US$ 900, ou 45 vezes mais. Por essa e por outras, a Agência Ambiental dos Estados Unidos tenta impor taxas a geradoras de energia em 27 Estados norte-americanos. Mas enfrenta forte resistência no Congresso e em processos judiciais. O ex-vice-presidente Al Gore, Prêmio Nobel, chega a dizer que “fracassou a política do presidente Barack Obama nessa área: o que está em jogo é a sobrevivência da civilização”, fazendo coro com o ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan. E o atual secretário da ONU, Ban Ki-moon, reeleito, diz que o “desenvolvimento sustentável” será o centro de sua atuação, em seis vertentes, das quais o clima é a primeira (saúde, situação da mulher, produção de alimentos compatível com as possibilidades, agricultura e energia são as outras). No Brasil, modestamente, o governo federal promete reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de veículos menos poluentes (quando em 2009 deu R$ 1,75 bilhão em reduções desse mesmo imposto para estimular vendas de veículos em geral).
Mais ambicioso, o governo da Austrália está taxando emissões de poluentes para levar empresas geradoras a reduzir suas emissões em 160 milhões de toneladas anuais até 2020 – já que as 500 maiores poluidoras (geradoras de energia, siderúrgicas, produtoras de alumínio) são responsáveis por dois terços das emissões de carbono no país. Lá, como na Europa, o temor é muito forte, com a notícia de que em 2010 – com 30,6 bilhões de toneladas de carbono emitidas no mundo – nos aproximamos do limite além do qual não será possível conter o aumento da temperatura terrestre em, no máximo, 2ºC. Correndo o risco de eventos ainda mais graves, quando nos últimos tempos a Austrália já enfrentou secas e inundações inéditas, o Paquistão teve 20 milhões de desabrigados, a Rússia viu morrer dezenas de milhares de pessoas com a onda inédita de calor, na China acontece a pior inundação desde 1966, com 170 mortos, em cinco províncias da Bacia do Rio Yang-tsé, 630 mil pessoas ficaram sem água potável, e 48 mil quilômetros quadrados de plantações foram atingidos.
A seguradora Munich Re relaciona 950 catástrofes em 2010, US$ 37 bilhões em seguros pagos. O jornal britânico The Independent diz que no país há 300 mil empresas e um milhão de veículos ameaçados por inundações – sem estarem segurados. Nos Estados Unidos, seguradoras testam na Carolina do Sul um túnel de ventos que indique formatos e materiais capazes de resistir a vendavais. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), trabalha com estudos sobre repercussões “potencialmente catastróficas do clima no futuro da agricultura”. Por aqui, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) já pesquisa variedades de soja, milho, algodão e feijão, principalmente, mais resistentes ao calor – que já tem gerado prejuízos altos em especial no Centro Oeste.
Por esse ângulo, é preciso insistir mais uma vez – nestes tempos de tantas calamidades – na excepcional possibilidade brasileira, se formos capazes de conceber e executar políticas públicas e privadas compatíveis com nosso extraordinário potencial de recursos naturais e formatos de geração de energia limpa e renovável. Esta semana, divulgaram-se informações (O Globo, 19/7) sobre estudo do coordenador de sustentabilidade ambiental do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Aroldo Mota, intitulado Valoração dos Serviços Ecossistêmicos. Segundo ele, “sob a Floresta Amazônica está escondida uma riqueza que passa da casa dos quatrilhões de dólares; só a reserva de água subterrânea é calculada em R$ 1,9 quatrilhão; e suas árvores possuem uma capacidade de sequestrar carbono estimada em US$ 379 bilhões”.
Voltando ao início deste artigo: é indispensável, agora, que governos estaduais e municipais passem a trabalhar em conjunto com o Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais criado pelo governo federal. E, a partir daí, aperfeiçoem ou criem órgãos de defesa civil para proteger a população e indicar novos caminhos.
* Washington Novaes é jornalista – [email protected].