Política Pública

Ilhas do Pacífico apelam para solidariedade de Trump

Por Catherine Wilson, da IPS – 

A elevação das marés e a erosão costeira invadem casas e construções comunitárias na aldeia de Siar, na província de Madang, em Papua-Nova Guiné. Foto: Catherine Wilson/IPS

 

Canberra, Austrália, 23/1/2017 – A chegada do empresário Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos tem impacto em todas as regiões do mundo, inclusive nos pequenos países insulares do Pacífico, especialmente em questões referentes à mudança climática. Os moradores locais, testemunhas da elevação do nível do mar, da erosão costeira e de graves desastres naturais, estão alertas sobre o governo de Trump por seu declarado ceticismo em relação à mudança climática e ao papel das atividades humanas.

A mudança de política anunciada por Trump inclui reduzir os fundos internacionais para o clima e promover projetos de combustíveis fósseis. A solidariedade dos Estados Unidos em questões climáticas é fundamental para proteger as populações dos países em desenvolvimento e ricos dos desastres ambientais e da pobreza. Há 22 territórios e Estados insulares no Pacífico, nos quais 35% dos dez milhões de habitantes são pobres. Tuvalu, um dos mais pobres e vulneráveis à mudança climática, conta com dez mil pessoas dispersas em nove ilhas de coral com poucas elevações.

“Todos os aspectos da vida – desde a proteção de nossas pequenas terras para a segurança alimentar, passando por nossos recursos marinhos, e até nossas tradicionais hortas – sofrem o impacto da mudança climática”, destacou à IPS o reverendo Tafue Lusama, secretário-geral da Igreja Cristã de Tuvalu. “Todas as medidas de adaptação que devem ser implantadas exigem fundos climáticos internacionais. O caminho que Trump pretende seguir nega nossa sobrevivência e ignora a justiça”, destacou esse ativo militante pelo clima.

O plano de ação de cem dias de Trump, apresentado durante a campanha eleitoral de 2016, prevê enfrentar a corrupção governamental, promover a responsabilidade e melhorar a vida dos norte-americanos, marginalizados pela globalização e pelos “interesses especiais” da elite política.

Mas suas medidas incluem cancelar o pagamento de milhares de milhões de dólares aos programas contra a mudança climática da Organização das Nações Unidas (ONU), destinados a atender as pessoas mais vulneráveis nos países em desenvolvimento, bem como aprovar projetos energéticos de bilhões de dólares nos Estados Unidos, que incluem xisto, petróleo, gás natural e carvão, em uma tentativa de fomentar a criação de emprego.

Em dezembro de 2016, 800 cientistas e especialistas em energia escreveram uma carta aberta ao então presidente eleito, convidando-o a manter as políticas de seu antecessor, Barack Obama, como a de reduzir a dependência dos combustíveis fósseis e promover as energias renováveis. O uso de combustíveis fósseis e a indústria respondem pela emissão de 65% dos gases contaminantes na atmosfera. “É triste para nós, que dependemos dos Estados Unidos fazer o correto, ouvir o presidente começar pelo caminho contrário, que garante nossa destruição”, lamentou Lusama.

A organização Chatham House, com sede em Londres, declarou que o sucesso da 21ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, realizada na capital francesa em 2015, quando foi aprovado o Acordo de Paris, teve o apoio dos Estados Unidos, segundo maior emissor de gases-estufa, responsável por 16% dos gases liberados na atmosfera.

Os Estados Unidos se uniram à Coalizão de Grande Ambição, um grupo de países comprometidos com rígidos objetivos climáticos e que foi fundamental para conseguir consenso sobre a necessidade de se limitar o aumento da temperatura global abaixo dos dois graus Celsius, em relação ao começo da era industrial. O crescente aquecimento global pode ser desastroso para os Estados insulares, onde já se registra aumento do nível do mar, temperaturas diurnas extremamente elevadas e acidificação oceânica, segundo o Programa Científico sobre a Mudança Climática do Pacífico.

Em 2015, a região sofreu especialmente o fenômeno El Niño, que obrigou as pessoas a caminharem vários dias em busca de sustento, e, em alguns casos, ficaram muito fracas ou morreram de má nutrição, indica a organização Caritas. Em Papua-Nova Guiné, 2,7 milhões  de pessoas, 36% da população, sofreram falta de água e de alimentos, porque a prolongada estiagem secou as fontes de água e causou perda de cultivos.

“Kiribati é um dos países do mundo que mais a salvo está dos desastres, mas sentiu o efeito do ciclone Pam quando este passou por Vanuatu, em 2015, e do ciclone Winston que atingiu Fiji em 2016, o que nunca havia ocorrido”, explicou à IPS Pelenise Alofa, coordenador nacional da Rede de Ação Climática de Kiribati. O impacto econômico dos desastres naturais excedem as possibilidades de Kiribati, um dos países menos adiantados, com o terceiro menor produto interno bruto do mundo entre 195 Estados classificados pelo Banco Mundial.

Segundo Aloja, o país “não está em posição de atender suas necessidades de adaptação, porque os problemas relacionados com a mudança climática são muito grandes para que uma nação pequena como Kiribati tenha os recursos suficientes para assumi-los”. A carga econômica, que implica substituir os edifícios costeiros em risco pela mudança climática e por outras condições extremas, poderia chegar a US$ 220 bilhões para 12 nações insulares dessa região, segundo a Universidade de Nova Inglaterra, da Austrália.

O risco de desastre é enorme nas ilhas Marshall, Kiribati e Tuvalu, onde mais de 95% da infraestrutura está localizada a 500 metros da costa. Vários países do Pacífico receberam ajuda econômica do Fundo Verde para o Clima, da ONU, que ajuda os países em desenvolvimento a enfrentar a mudança climática. Os fundos chegaram a entre US$ 22 milhões e US$ 57 milhões para um programa de energia renovável em várias nações, para que Vanuatu desenvolva um serviço de informação climática e para que Samoa busque uma gestão integrada das inundações.

Mas o Fundo Verde para o Clima, como o qual Washington contribui com US$ 3,5 bilhões, poderia deixar de ser uma opção, caso Trump cumpra sua proposta, pois os compromissos internacionais chegam atualmente a US$ 10,3 bilhões. Com vistas à próxima cúpula climática, que será presidida por Fiji na cidade alemã de Bonn, em novembro, os governantes dos países insulares estão desejosos de que Trump visite a região.

O presidente Bainimarama já o convidou para conhecer Fiji, e o reverendo Lusama também quer que Trump “visite Tuvalu, para ver pessoalmente a prova das consequências da mudança climática, evidentes ao olho humano”, afirmou. Envolverde/IPS