Sociedade

Artigo - Manejo ecológico de parques urbanos

Vagner Camilotti * – 

Manejar um parque não é apenas manter a grama aparada, varrer, plantar flores e uma árvore de vez em quando. Manejar, significa, acima de tudo, entender os processos ecológicos que governam a permanência resiliente desses elementos no longo prazo. Infelizmente, não é o que se vê quando se observam as práticas recorrentes nos parques urbanos e usarei casos de São José dos Campos como exemplo (e muito provavelmente é o mesmo em tantos outros pelo país afora).

Aos gestores, é preciso que saibam que a grama cortada retirou nutrientes de um solo e que, quando cortada e levada as aparas embora do local, está se levando também todo os nutrientes uma vez retirado para o seu crescimento e que levou décadas, provavelmente, para se acumular naquele solo. O mesmo ocorre com as folhas das árvores que caem ao solo, que então são varridas, colocadas num saco de lixo e levadas pelo caminhão para um local qualquer.

Material de poda também, visto a riqueza em carbono, fósforo e outros macro e micronutrientes essenciais para a saúde do solo, para o crescimento da grama e das outras plantas do parque, bem como para o estoque de nutrientes para fomentar a vida verde ao longo do tempo. Os efeitos são uma degradação progressiva do solo que pode ser observada a olhos nus ao se ver solos ressecados e pontos de erosão e de raleamento no gramado, ou mudas de árvores que demoram para crescer. Isso decorre, basicamente, porque está saindo mais nutrientes do solo do que está entrando, já que o material vegetativo que cresceu – consumindo o estoque – e que iria morrer e se decompor no local, restituindo os elementos nutritivos e fechando o clico biogeoquímico, foi levado embora. Uma conta simples de economia.

Aos frequentadores de qualquer parque, poderão observar que embaixo de árvores de copas frondosas, por uma questão fisiológica, o gramado não cresce em virtude da necessidade de exposição direta ao sol. O que se vê é o solo exposto e já com sinais de erosão pelo constante pisoteio e à chuva, mesmo essa minimizada pela copa da árvore. Galhos que poderiam ser picados ou cortados em pedaços de meio braço, no próprio local, e serem dispostos dentro dos canteiros ou ao pé da própria árvore para que com a decomposição ao longo do tempo fosse liberando nutrientes, o mesmo para a folhas que, além disso, formariam uma camada de matéria seca que impediria a erosão do solo direta pela chuva, acabam sendo considerados lixo ou algo indesejável para a estética do parque e, assim, acabam removidos.

E tudo isso acontece por uma questão de estética arcaica aliada a falta de conhecimento e treinamento dos gestores das áreas verdes urbanas no quesito manejo ecológico. Uma área bonita, aos olhos comuns, tem que estar varrida, sem folhas acumuladas, grama aparada, nada fora do lugar. É um axioma talvez herdado dos jardins vitorianos e que vem sendo questionado pelo paisagismo “natural”.

As soluções são simples e podem ser copiadas das técnicas de agricultura ecológica, tão comuns hoje em dia. Pode-se começar criando uma pilha desse material num canto do parque e iniciar um programa local de compostagem. Por iniciativa individual e com o posterior apoio da prefeitura, o fotógrafo Lucas Ruiz iniciou um projeto pioneiro na Praça Rubens Castilho (em São José dos Campos), onde tem conseguido produzir localmente o composto. O produto final, o composto, poderia ser espalhado sobre o gramado para recompor o estoque de nutrientes que esse consome e que dificilmente é reposto pela natureza das gramíneas – as quais cresceriam vigorosamente.

Se não há espaço no local, já que tem sempre um caminhão que busca o “entulho”, poderia ser compostado em outro local e trazido de volta depois de pronto. Mas muito mais simples ainda, para alguns casos, seria simplesmente não varrer as folhas de baixo das copas das árvores onde o gramado já não nasce, o que iria ajudar a formar uma camada de folhas que proveria nutrição e proteção ao solo (ou então, plantar a grama amendoim nesses locais e deixar que as folhas caíssem e fossem reabsorvidas com o tempo, sem prejuízo à grama). Como já mencionei, galhos poderiam ser picados no local e ser adicionados à pilha de compostagem ou mesmo diretamente nos canteiros, como é comum na agroecologia. Poderiam ainda serem dispostos em uma camada ao redor de uma muda de árvore e iriam liberar nutrientes gradativamente ao longo do tempo (e teriam até uma estética apreciável). Nas trilhas e mesmo pista de caminhada/atletismo de terra, as folhas poderiam se acumular e não serem varridas, sendo pisoteadas pelos usuários e ir formando uma camada compacta que impediria a erosão pelo uso e pela chuva, aumentando a permeabilidade e mesmo a ciclagem de nutrientes na área (ao invés de ter que ser corrigida com maquinário, brita e/ou areia).

Práticas simples assim reduziriam os custos de manutenção das áreas verdes, talvez até com mão-de-obra. Roçadas poderiam ser repensadas,  tiradas no Parque Santos Dumont em São José dos Campos. Haveria realmente a necessidade de roçar? Com que fim foi realizada? A forma como a grama amendoim aparece inicialmente era o ideal de todo paisagista, mas foi simplesmente roçada no auge de sua forma. E tudo para quê? Substituir por outra? Ao que parece, não, e não me vem uma resposta lógica para tal atividade. Ela vai rebrotar, sem dúvidas, mas houve um custo de homem-hora e de combustível que precisam ser justificados na prática em si.

Essas atividades, simples de realizar, poderiam ainda servir de práticas de educação ambiental – como seria o fim das composteiras idealizadas na Praça Rubens Castilho. Poderiam ainda, como nesse mesmo caso idealizado pelo Lucas, ter espaços para pequenas/mini hortas para práticas de cultivo para escolas e mesmo para os usuários. Se bem arranjadas, possuem uma estética admirável. Imagine-se andando por um parque assim, com todas essas iniciativas em curso. Há aprendizado simplesmente ao passar ao lado de tais experimentos, pela simples observação desses, mesmo de forma passiva. Isso, contudo, iria estimular ativamente os usuários e nutrir uma nova visão sobre o uso, o valor e o próprio fim de uma área verde urbana.

Dessa forma, concluindo, é notável por esses exemplos, a necessidade de repensar as práticas de manejo de parques e praças com o fim não apenas de garantir a saúde do solo e da vegetação, mas também o de ampliar os próprios fins dessas áreas. Estamos em um momento da história humana em que a nossa relação com o planeta exige mudanças de paradigmas tanto no nível individual como no coletivo, mas muito mais em especial dos tomadores de decisão e gestão pública, pois é neles que se deposita a fé, ao serem eleitos, de que saberão lidar com as reais necessidades da sociedade e que serão capazes de perceber, prever e atuar sobre problemas tão simples quanto o manejo de uma área verde. Há conhecimento disponível e pessoas capacitadas para tais fins e mesmo todo um campo de oportunidades para novas formas e técnicas de pensar a problemática. Iniciativas individuas já ocorrem, mas ainda de forma esporádica e dispersa. É necessário que a gestão pública tome a dianteira, como é o seu dever, e reúna essas iniciativas e conhecimentos e os coloque em movimento sincrônico para um desenvolvimento mais sustentável do ambiente urbano.

Vagner Camilotti é mestre em Ecologia e doutor em Ciência do Sistema Terrestre