*Lauro Marins, diretor do CDP para a América Latin –
As comunidades de finanças e de clima têm mais coisas em comum do que se imagina. De um lado estimativas econômicas, índices de inflação, juros, cotação do dólar. De outro, projeções de aumento da temperatura, modelos climáticos, metas com embasamento científico, rotas de descarbonização.
A premiação dos americanos William Nordhaus e Paul Romer com o Prêmio Nobel de Economia de 2018 é um exemplo disso. Listados há vários anos como possíveis vencedores do Nobel, Nordhaus foi premiado especificamente por “ter integrado a mudança climática na análise macroeconômica a longo prazo”. Romer recebeu o prêmio por “integrar as inovações tecnológicas na análise macroeconômica a longo prazo”.
Em meio a jargões e tecnicismos, as discussões sobre economia e clima parecem distanciadas do cotidiano da maioria das pessoas. No entanto, com maior ou menor intensidade, os debates sobre economia e clima afetam diretamente a vida de cidadãos de todas as classes sociais e nos quatro cantos do mundo. Se por um lado, as elevações de um ponto percentual nas taxas de inflação e de crescimento da economia impactam a vida de milhares de pessoas, o aumento para além de dois graus da temperatura global pode simplesmente levar a uma crise sem precedentes, com consequências infinitamente maiores do que as crises financeiras que marcaram a história da civilização moderna, como a de 1929 e a mais recente de 2008, deflagrada pelo colapso do sistema hipotecário nos Estados Unidos, que acabou levando à bancarrota uma série de indivíduos, empresas e até países.
No mundo de finanças, o termo “red flag” (que pode ser interpretado como sinal de alerta) é bastante utilizado para caracterizar riscos ou ameaças, que os agentes do mercado devem estar atentos antes de tomar as suas decisões. Mas um sinal está sendo ignorado há décadas: se os sistemas naturais que dão suporte à vida colapsarem, nenhuma economia ficará de pé.
Por um lado, o aquecimento global teve o seu papel educativo. Pela primeira vez, as comunidades de clima e de finanças chegaram a um consenso: o aumento global da temperatura para além dos 2ºC é a maior ameaça de todos os tempos.
No Relatório de Riscos Globais 20181, publicado em janeiro de 2018 pelo Fórum Econômico Mundial, as mudanças climáticas aparecem direta ou indiretamente associadas a três dos cinco riscos globais mais prováveis e em quatro dos cinco riscos globais com maior impacto negativo.
Mas o nexo que faltava na discussão sobre aquecimento global e finanças veio definitivamente com a Força-Tarefa sobre Divulgações Relacionadas ao Clima (Task Force on Climate-related Financial Disclosures, TCFD), sob a liderança do FSB (Financial Stability Board), que reúne executivos de grandes empresas (provedores de informações financeiras e climáticas) e dos quatro principais segmentos do setor financeiro (usuários das informações). Em setembro de 2015, o FSB reuniu, em Londres, representantes dos setores privado e público para examinar as implicações financeiras das mudanças climáticas, atendendo a uma solicitação do G20.
No encontro em Londres, reconheceu-se que o mercado financeiro necessitava de informações de melhor qualidade, comparáveis e completas para gerenciar e precificar riscos e oportunidades relacionados ao clima. Como encaminhamento na reunião, o FSB estabeleceu em dezembro de 2015 a TCFD.
Como resultado, a Força-Tarefa apresentou em junho de 2017 um conjunto de recomendações para divulgações financeiras voluntárias relacionadas ao clima, que sejam consistentes, comparáveis, confiáveis, claras, eficientes e úteis para a tomada de decisão de bancos, seguradoras e investidores. Os 32 membros da Força-Tarefa escolhidos pelo FSB incluem usuários e provedores de divulgação financeira de países do G20, abrangendo ampla gama de setores econômicos e mercados financeiros.
Ao longo dos últimos 18 anos, o CDP – sistema de divulgação global de dados ambientais – tem mobilizado as principais forças do mercado e também governos subnacionais (mais de 7.000 empresas, 600 investidores, 140 compradores e 600 cidades, estados e regiões) para dar transparência a seus 1 Global Risks Repor 2018. Disponível em http://www3.weforum.org/docs/WEF_GRR18_Report.pdf 2 O relatório define como risco global um evento incerto ou condição que, se ocorrer, poderia impactar negativamente várias indústrias e países nos próximos dez anos. riscos e integrar a mudança climática às suas estratégias. Agora, o reporte de informações financeiras relacionadas às mudanças climáticas tem o potencial de se tornar a nova norma sob a liderança do Financial Stability Board – FSB.
O CDP foi o primeiro padrão de relato internacional a adaptar-se à TCFD e já oferece informação comparável a nível global para consideração dos riscos físicos e de transição associados às mudanças climáticas nas decisões políticas e de negócios.
Segundo o Índice da Economia de Baixo Carbono 2018, divulgado pela PwC, o Brasil é o país com uma das menores taxas de intensidade carbônica e conta com uma série de vantagens comparativas no cenário de economia em transição. Mas para transformar essas vantagens comparativas em competitivas de fato falta integrar oportunidades e os riscos financeiros associados às mudanças climáticas no planejamento estratégico, decisões políticas e de negócios. Dessa maneira, em um cenário ideal, fruto de discussões e estratégias bem definidas, poderiam ser construídos mecanismos adequados para que os diferentes atores do setor econômico se adaptem e sejam resilientes diante das transformações trazidas pelas mudanças climáticas. Com isso, políticas econômicas e ambientais não mais competiriam entre si, mas sim poderiam convergir para fortalecer a competitividade do Brasil, posicionando o País entre as lideranças do século 21. (*) Lauro Marins é diretor do CDP para a América Latina.
(*) Lauro Marins é diretor do CDP para a América Latina.