Por Clayton Melo para CartaCapital –
É da força da diversidade que virão as boas ideias não só para o Centro de São Paulo, mas também para outras grandes cidades do país
Uma ideia nasce da conversa alucinada de um enxame de neurônios. Isso quer dizer, entre outras coisas, que uma rede precisa ser densamente povoada. Mas só isso também não basta. É preciso que esses neurônios estejam conectados e que essa rede seja plástica, ou seja, capaz de mudar de forma e configuração, se expandir e estar aberta ao novo. É preciso que ela seja diversa e misturada, até mesmo bagunçada, para funcionar melhor.
O que isso tem a ver com o Centro de São Paulo? Tudo. Essa analogia – poderia dizer ideia? – me vem à mente por conta do que vejo e experimento na zona central. A cada semana, sem exageros, surge um novo bar, café ou restaurante na região, cada um deles com uma proposta ou identidade diferente, buscando atender a públicos distintos.
A efervescência também é enorme na área cultural, com a abertura de novos espaços culturais de grandes instituições, além da intensa movimentação de coletivos e artistas independentes de diversas áreas. Um ponto importante a se observar é que um único guarda-chuva une esse “enxame”: a economia criativa. O Centro de São Paulo está sendo transformando pelos negócios criativos, a despeito da inércia e da incapacidade do poder público de fazer a sua parte como convém.
Negócios criativos
Alguns exemplos para tornar mais claro o que estou dizendo. Dos últimos dois anos para cá, abriram as portas no Centro de São Paulo o Sesc 24 de Maio e o centro de economia criativa Farol Santander, que se juntaram a espaços culturais importantes que já funcionam há algum tempo, como Teatro Porto Seguro, Centro Cultural Banco do Brasil, Red Bull Station e Caixa Cultural. Além disso, um dos maiores blocos de Carnaval da cidade, o Acadêmicos do Baixo Augusta, montou sua sede na Rua da Consolação para promover shows, debates e cursos ligados à cultura.
Já em outra vertente da economia criativa, a gastronomia, o boom é ainda mais perceptível. Além da presença de chefs badalados, como Olivier Anquier (restaurante Esther Rooftop) e Jefferson Rueda (Casa do Porco), uma safra de novos empreendimentos transformou o Centro no novo corredor gastronômico da cidade. Bar dos Arcos, Sertó, Bia Hoi SP, BAB, Sputnik, Jaguar, Bar do Cofre Subastor, Bento 43, RomeoRomeo, Void, Tokyo e Modernista Coffee Stories são apenas alguns dos bares, restaurantes e cafés que chegaram ao Centro recentemente.
Todos esses exemplos, que carregam um DNA criativo, são parte de uma nova etapa vivida pelo Centro de São Paulo. A região, que foi a mais importante da cidade até os anos 1970 e em seguida amargou três décadas de decadência, com fuga de população e de estabelecimentos comerciais, vive agora um momento de ressignificação, com renovação no comércio, mais espaços de cultura e lazer e repovoamento. Essa mudança no perfil está alinhada ao novo espírito do tempo: redução do uso de carro ao mínimo, ocupação e uso de espaços públicos e preferência pelo acesso e busca de experiências, em vez do acúmulo de bens materiais.
O novo zeitgeist
As mudanças em curso são tão profundas que, se num passado recente o que prevalecia era a ideia de uma vida dentro de carros e atrás dos muros de condomínios, hoje a tendência na metrópole já é a busca da rua como um local de encontro, diversidade, caminhadas, bicicletas, patinetes, skates e manifestações diversas. Estão aí a explosão do Carnaval de rua e a crescente reivindicação por mais parques para demonstrar isso.
E, quando escrevo rua, leia-se calçada – e aqui entram em cena novamente os bares e cafés. Em qualquer cidade, seja numa metrópole como São Paulo, seja em outros centros urbanos do País ou do exterior, calçada movimentada é sinal de segurança. “É uma coisa que todos já sabem: uma rua movimentada consegue garantir segurança; uma rua deserta não”, escreveu a jornalista Jane Jacobs, um dos principais nomes do urbanismo internacional. “O requisito básico da vigilância é um número substancial de estabelecimentos e outros locais públicos dispostos ao longo das calçadas”, disse a autora de “Morte e vida nas grandes cidades”.
O ponto importante aqui é que todos estes fatores estão interligados: o novo zeitgeist, a vocação de São Paulo para a economia criativa e a força da diversidade no Centro, um fator-chave para a inovação. O novo, aquilo que transforma e provoca impacto social, não se faz na homogeneidade, mas sim da diferença. E isso é o que o Centro tem de melhor: pessoas de origens, classes sociais, gêneros, estilos e comportamento variados convivendo no mesmo espaço. É da força da diversidade, algo que a economia criativa sabe valorizar tão bem, que virão as boas ideias não só para o Centro de São Paulo, mas também para outras grandes cidades do país. A boa notícia é que esse movimento já começou.
(#Envolverde)