Um silêncio de cidade abandonada, folhas de árvores sendo sopradas por um vento fraco e o sol ainda ganhando força. E eu vou andando devagar com os meus cães, cedinho, só por aqui, no meu entorno. Uso máscaras e me higienizo. Mas o vírus está no ar, e não me esqueço disto em nenhum momento da minha marcha acanhada, insólita para quem, como eu, gosta da liberdade, leveza e rapidez que meus pés me dão. Como de praxe, sigo pensando.
Meu tema recorrente há década e meia tem sido este desenvolvimentismo que nos remete ao aquecimento do planeta, à degradação de grande parte dos bens naturais, à poluição sonora, visual, ambiental com a qual vimos nos brindando, nós, a humanidade.
Logo nos primeiros momentos do isolamento provocado pela pandemia de vírus Corona, chegaram a mim imagens idílicas, mostrando lugares já quase destruídos pelas atividades industriais, de mineração, de pilhagem e até de turismo, em franca recomposição. Veneza com águas limpas, fundo da Baía de Guanabara com tartarugas e peixes… como não se deixar envolver e acreditar?
O coronavírus está matando pessoas e desacelerando economia. Haverá ganhos, ao menos, para o meio ambiente?
Busquei mais informações e descobri que há duas turmas de pesquisadores já encarapitados em montes para medir a quantidade de CO2 agora que o mundo praticamente parou. Uma equipe está no topo de uma montanha no Havaí e a outra está na ilha ártica de Svalbard, na Noruega.
Mas, por enquanto, não há como provar nada, a não ser que na estação Zepellin, em Svalbard, a curva que mostra o acúmulo de gases poluentes não está apontando para cima, o que geralmente ocorre nesta época do ano.
É cedo para que os estudos feitos no momento da pandemia comprovem que o fato de as atividades humanas estarem semiparalisadas está causando limpando o ar. Este é o fato.
Mas não é cedo para refletir sobre mudanças, e muita gente boa está fazendo isto. Tem a turma que quer um “tudo voltando à normalidade”, o que me deixa estarrecida. Pondo uma lupa, percebo que são os mesmos de sempre.
Naomi Klein, ativista ambiental e jornalista canadense, conta num de seus excelentes livros – “This changes everything: capitalismo versus the climate”, que aqui no Brasil recebeu o título “Tudo pode mudar” – suas impressões sobre o dia em que foi à sexta Conferência Internacional sobre Mudanças Climáticas organizada pelo Instituto Heartland em 2011.
É um clube de negacionistas do clima.
Um deles, Richard Rothschild, abriu sua participação no evento dizendo que o movimento dos que alertam para as questões do aquecimento global é como um “cavalo de Troia verde”.
Na imaginação de Rothschild, a barriga do presente de grego estaria repleta de marxistas prontos para ganhar mundo e espalhar suas teorias comunistas de que o desenvolvimento impacta o meio ambiente.
Qualquer semelhança com o pensamento do atual presidente da República do Brasil e seus ministros não será mera coincidência. Porque este é o caminho que seguem aqueles que acreditam no regime neoliberal. Nada de dar força ao estado para cuidar do meio ambiente porque este “mercado” também precisa dar lucro e se virar sozinho. Mais ou menos isto.
Não param aí as coincidências com as opiniões do pessoal que nos governa. O diretor de comunicações da Heartland, Jim Lakely, comparou a Covid-19 a uma temporada de “gripe ruim”. Quase disse “gripezinha”…
O pavor de quem governa é ver os cofres vazios. Está circulando no site de Naomi Klein um vídeo em que ela alerta: o capitalismo pode ficar pior, ainda mais desigual, se os líderes passarem a beneficiar as empresas, não as pessoas.
Anteontem, até mesmo Svenja Schulze , ministra do Meio Ambiente da Alemanha, país que tem se diferenciado nas ações a favor de mudanças, surpreendeu a todos na abertura da Petersberg Climate Dialogue, em Berlim, defendendo o resgate da Lufthansa, a maior empresa aérea do país, que está pedindo 10 bilhões de euros para não afundar de vez.
Questionada pelos ambientalistas, já que a aviação é um dos setores mais poluentes, a ministra disse que, por hora, é o que tem que ser feito. É preciso, segundo ela, ajuda rápida e direcionada para projetar uma recuperação econômica para a crise.
É difícil mesmo ir contra o discurso normativo, sobretudo num momento em que todos estão com tanto medo. Nesta hora é mais ameno ouvir pessoas que prometem que “vai acabar tudo bem e tudo vai voltar ao normal”. Não vai. Sabemos disso intuitivamente, mas no fundo a gente não está preparado para mudar.
O ambientalista e ativista francês Julien Wosnitza, um jovem de 25 anos, fez espraiar pelas redes suas ideias para um novo futuro. Recebi de um amigo. Wosnitza faz uma espécie de carta ao presidente Macron, e dá um exemplo sobre a mudança necessária que, coincidentemente, usa as empresas aéreas como exemplo. Por que gastar dinheiro para recuperar empresas aéreas, sendo elas tão poluentes?
No “novo mundo” criado pelo jovem, o setor das aéreas seria substituído por barcos a vela. E o dinheiro do governo que seria usado para salvar aquelas empresas, vai ser todo investido em ajudar os pequenos agricultores do país, já que a França não produz alimento suficiente para seus habitantes. Os desempregados da indústria aérea seriam realocados no setor de alimentação que, obviamente, teria a exportação bem reduzida.
É radical. Mas estamos vivendo num tempo de pôr as ideias sobre a mesa quando elas indicam possibilidade de caminhos diferentes. Se for singular a cada espaço, melhor ainda. A pandemia está mostrando, mais do que tudo, que erramos em aceitar o excesso como regra.
Hora de fazer contato com o próximo, com o que é possível.
A jornalista Amelia Gonzalez criou e editou o caderno Razão Social, sobre sustentabilidade, no jornal O Globo e nos últimos sete anos foi colunista do site G1, sempre com foco neste tema
(#Envolverde)