Por Guilherme Teixeira, é gerente de Finanças Sustentáveis da SITAWI Finanças do Bem –
Lições da covid-19 para os cisnes verdes das mudanças climáticas
Poucas vezes o conceito de “cisne negro” foi tão recordado quanto está sendo para se referir à pandemia de covid-19. Consagrada por Nassim Taleb em 2007, a expressão se refere a eventos que reúnem três características: são inesperados e raros; com impactos extremos e de grande alcance; e só podem ser explicados após sua ocorrência.
Enquanto a disseminação do coronavirus e seus efeitos ainda estavam em estágio inicial na Ásia, o começo de 2020 já trazia outra referência ao conceito de Taleb. O Bank for International Settlements (BIS), considerado “banco central dos bancos centrais” por orientar e promover cooperação entre estas instituições (e outras autoridades financeiras), lançava o livro “The Green Swan” inspirado nos cisnes negros de Taleb.
Em seu papel de zelar pela estabilidade financeira internacional, o BIS incluiu em sua agenda a preocupação com os riscos financeiros que as mudanças climáticas podem representar. De acordo com o BIS, eventos climáticos também podem ter impactos extremos e de grande alcance. No entanto, seriam “cisnes verdes”, diferentes dos negros por três fatores: (i) não são inesperados, já que as mudanças climáticas são conhecidas por evidências científicas e de mercado, apesar de carregarem algumas incertezas sobre a magnitude dos impactos; (ii) têm potencial de impacto ainda maior que cisnes negros, pois seus efeitos podem comprometer a vida humana em larga escala; (iii) são mais complexos, pois a materialização de determinado risco pode desencadear diversos outros, sejam físicos (isto é, associados a mudanças nos ecossistemas) ou de transição (como modificações legais ou geopolíticas).
Seguindo o famigerado conselho de Winston Churchill para que “nenhuma boa crise seja desperdiçada”, a sociedade vem tentando ao menos tirar lições desse evento. E algumas precisam ser aplicadas para os cisnes verdes – especialmente por já sabermos que eles são esperados.
A primeira das lições deve vir de uma fala recente do próprio Taleb. Discordando de muitos, o autor disse em entrevista em março à Bloomberg que a covid-19 não seria um cisne negro, pois estudos já apontavam a possível ocorrência de epidemias ou pandemias. Há muitos anos, o Fórum Econômico Mundial vem colocando este entre os 10 maiores riscos à economia global. Ainda assim, muitos seguem chamando-o de cisne negro. Para além das cores, cabe aqui a reflexão: a mesma ciência e os mesmos exercícios político-econômicos que alertaram sobre doenças infectocontagiosas também vêm continuamente destacando os riscos das mudanças climáticas. Não devemos ignorá-los.
A segunda lição é sobre o alcance de modelos tradicionais de gestão de riscos. Estamos vendo respostas distintas –algumas sem resultados – de governos e empresas pelo mundo para conter a pandemia e mitigar seus efeitos econômicos. Um dos fatores para essa diversidade é a falta de referências: carecemos de bases de dados para modelar respostas. O mesmo acontece com as mudanças climáticas: não é raro que especialistas em riscos relutem em precificar o risco climático e incorporá-lo às análises tradicionais argumentando a insuficiência de dados históricos, dado que a temperatura da Terra vem aumentando com maior intensidade nas últimas décadas.
É por isso organizações como o BIS e a Network for Greening the Financial System recomendam aos bancos centrais atuar no tema, supervisionando a gestão de risco climático em instituições financeiras e articulando com outras entidades para promover até mesmo políticas monetárias e fiscais. Essa atuação se justifica quando consideramos as estabilidades financeira e climática como bens públicos e conectados entre si. Ou seja, nenhuma das duas beneficia apenas as instituições financeiras, mas sim toda a sociedade, e a vulnerabilidade de uma pode influenciar a outra. Isso configura a terceira lição: nesta pandemia, estamos vendo bancos centrais discutindo quais ações são possíveis dentro de seus mandatos e como se conectam aos formuladores e executores de políticas econômicas e de saúde pública, por exemplo.
A quarta lição também se relaciona com a limitação de dados. A boa notícia, no caso, é que as análises que já começaram e seguirão sendo realizadas sobre os impactos econômicos do atual cisne podem fornecer proxies (aproximações) sobre os cisnes verdes. Recente estudo da 2° Investing Initiative, parceira do banco central inglês em análises de cenários dos riscos climáticos, identificou semelhanças entre a disseminação de efeitos econômicos da covid-19 e das mudanças climáticas.
Por fim, uma quinta lição vem do fato de o vírus colocar toda a humanidade em uma mesma tempestade e dividida em diferentes barcos. Ao versar sobre os cisnes verdes, o BIS e outras entidades do setor (como a Task-Force on Climate-related Financial Disclosures, do Financial Stability Board) afirmam que as mudanças climáticas também podem levar a uma crise financeira global. Cabe adicionar que novamente estaremos em diferentes barcos: há locais mais vulneráveis a efeitos físicos do clima, e há comunidades de mais baixa renda, que terão (e já têm) um desafio ainda maior para responder à transição econômica.
São cisnes diferentes, em um mesmo lago. A boa notícia é que a ruptura atual nos força a pensar também em novos modelos econômicos, entre os quais está a transição justa à economia de baixo carbono, que minimizaria nossa vulnerabilidade aos riscos climáticos. Ou seja, além das lições, esse duro momento atual pode nos levar a uma trajetória mais saudável – para as pessoas e sistemas financeiros.
Guilherme Teixeira é gerente de Finanças Sustentáveis da SITAWI Finanças do Bem