Quando a publicidade faz o que quer e o Conar idem — mas com critérios que só ele entende —, resta aos parlamentares aquilo que sabem fazer de melhor: criar mais leis.
Após escolher os produtos num supermercado, o consumidor vai ao caixa pagar pelo que comprou, mas é surpreendido pela recusa da atendente em dar o troco devido. Observado pelos demais fregueses do mercado, ele, o cliente – que não usa o cartão de determinada operadora – é abordado então por um trio de músicos liderado por Alejandro Ubilla, que canta o já famosíssimo bolero “Bala de troco, que cosa triste”. O resultado é um consumidor pressionado e excluído, afinal, todos ali, menos ele, já usam o tal cartão.
O jingle, criado para o cartão Visa, é um sucesso na internet: está no Youtube, no Twitter e tem letras e cifras postadas em diversos sites e blogs. Seria engraçado se não fosse, de fato, uma “cosa triste”. São os dois lados de uma história na qual o consumidor, mais uma vez, representa o lado mais fraco. Já as operadoras mostram o quanto é “moderno” fazer compras com cartões de plástico – atraindo o consumidor para a armadilha dos juros. A publicidade, às vezes, é cruel com o consumidor.
Enquanto isso, no Congresso…
No dia 24 de maio deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou o Projeto de Lei 4.479/04, do deputado Enio Bacci (PDT-RS), que proíbe a venda de armas de brinquedo. A proposta altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/90). Fato é que nem mesmo os mais ilustres deputados – e estes não são muitos – não devem saber o que fazer com um produto que, ao arrepio da nova lei, está sendo comercializado com grande alarde: o Nerf N-Strike Vulcan EBF-25 – segundo o fabricante, “um lançador Nerf totalmente automático, acompanhado de caixa de munição, cinturão que acomoda 25 dardos e um tripé, que permite maior precisão no disparo de três dardos por segundo”. Antes que o leitor fique apavorado diante de tal engenho destruidor, é importante alertar que o Nerf se trata de um brinquedo voltado ao público infantil com mais de oito anos.
Ocorre que a nova lei abriu uma brecha para, ela mesma, tornar-se inútil. Apesar do tripé, do cinturão de armamentos e da aparência da metralhadora de brinquedo, a geringonça não é um “simulacro ou réplica de arma de fogo verdadeira”. Além do mais, com suas cores berrantes, o Nerf não seria confundido com uma arma convencional. Para usar uma linguagem bélica – adequada ao momento – a lei é um “tiro n’água”: permitiu emendas que tiraram seu “poder de fogo” e não prevê punições para quem descumprir qualquer uma de suas normas. É “fogo amigo”. “Que cosa triste.”
Revidando o tiroteio: “bala de troco”.
Na contramão do menosprezo pelas moedinhas, a Caixa Econômica Federal contratou Glória Pires para preservar a centenária tradição de guardar os trocados num cofrinho e investir em poupança. Bala de troco? Nem pensar. Nossas moedinhas de um centavo tiveram sua produção interrompida em 2004 pois custavam “aos cofres” cerca de dez centavos cada. A despeito de seu relativo sumiço – por supermercados que recusam dar troco ou pela campanha publicitária tema deste artigo – elas continuam em circulação e com o mesmo valor de face.
Quando a publicidade faz o que quer e o Conar idem – mas com critérios que só ele entende – resta aos parlamentares aquilo que sabem fazer melhor: criar mais leis. Corre no bunker da Câmara mais um Projeto de Lei, o 702/11, que tem o objetivo de restringir a publicidade infantil. Um duro golpe nos que exploram a credulidade dos pequenos consumidores. Como ocorre em diversos países, o novo Projeto de Lei não permitirá a veiculação de comerciais na TV para este público entre sete da manhã e dez da noite.
* Publicado originalmente no site Opinião e Notícia.