Por Coppe UFRJ –
Novos estudos publicados na revista Nature Climate Change nesta segunda-feira, 29 de novembro, comparam diferentes caminhos para o cumprimento do Acordo de Paris e mostram como medidas de mitigação de curto prazo podem ajudar a prevenir o overshoot (ultrapassagem temporária da meta de temperatura média global), reduzindo riscos climáticos e trazendo benefícios econômicos de longo prazo.
O primeiro trabalho reuniu mais de 40 pesquisadores, sob coordenação de Keywan Riahi, do International Institute for Applied Systems Analysis (IIASA, Áustria), e contou com a participação dos professores Roberto Schaeffer e Pedro Rochedo, do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ. Os resultados do primeiro estudo foram também utilizados no segundo estudo, sendo ambos publicados nesta mesma edição da revista do grupo Nature.
Os pesquisadores usaram nove modelos de avaliação integrada (IAMs), dentre os quais o Coffee, modelo criado no Cenergia, laboratório vinculado ao Programa de Planejamento Energético (PPE), para explorar cenários plausíveis e de custo otimizado para atingir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5º C acima dos níveis pré-industriais, ao final do século. Os IAMs foram utilizados para explorar as opções de políticas climáticas, em geração de energia, eficiência energética, mudanças do uso do solo, e calcular o custo dessas escolhas nas próximas décadas.
De acordo com o primeiro estudo, múltiplas trajetórias de mitigação são consistentes com a estabilização do clima, o que leva a riscos climáticos variados. Uma característica importante do caminho é a extensão pela qual se permite que a temperatura possa exceder uma determinada meta, o que é chamado de overshoot. Dadas as emissões históricas, metas como a limitação do aquecimento global em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, em 2100, implicam na compensação do overshoot por emissões negativas de carbono na segunda metade do século. Esses caminhos são o resultado do uso de IAMs para o atingimento de metas fixadas em anos específicos, como 2100.
Segundo o professor Roberto Schaeffer, o que define a temperatura global é a quantidade de carbono acumulado na atmosfera. “Há diferentes caminhos para chegarmos a um mesmo orçamento de carbono no final do século e alcançarmos as metas estabelecidas no Acordo de Paris. É possível acelerar a implementação de medidas de mitigação e transição energética, com custo maior no curto prazo, mas com ganhos maiores no longo prazo, ou deixarmos para mais tarde essa transição, com menor custo no curto prazo, mas aceitando o overshooting, ou seja, que o aumento da temperatura exceda o 1,5º antes de as emissões liquidas de carbono serem zeradas, para depois passarem a ser negativas e com isso se compensar o que se excedeu em emissões no primeiro momento”.
“Isso teria que ser compensado pela adoção de medidas mais rigorosas na segunda metade do século, levando a emissões líquidas negativas, o que ocorre quando há mais absorção ou captura de carbono do que emissões. Isto é, retirar o CO2 que está em excesso na atmosfera e então começar a resfriar o planeta, voltando ao patamar de 1,5º. Isso levaria ao atingimento da meta em 2100”, complementa o professor.
Ecossistemas sensíveis podem sofrer danos irrecuperáveis
A maioria dos estudos realizados no campo das mudanças climáticas tem focado no futuro distante, requerendo que as metas de Paris sejam atingidas apenas no final do século. Consequentemente, quase todos os cenários resultantes desta opção permitem que a temperatura global ultrapasse as metas perto da metade do século.
Entretanto, emissões negativas (quando a absorção e captura de carbono excede o total de carbono emitido para a atmosfera) podem ser inviáveis e mesmo uma ultrapassagem temporária das metas de temperatura pode aumentar o risco de eventos climáticos extremos, como enchentes e incêndios florestais, e assim causar um dano permanente a ecossistemas frágeis.
O segundo estudo demonstrou como, após a metade do século, o overshoot afeta a probabilidade de muitos impactos físicos críticos, como aqueles associados a temperaturas extremas, leva a custos de mitigação maiores e perdas econômicas pelos impactos adicionais. O estudo, que reuniu 30 autores pesquisadores, sob coordenação de Laurent Drouet, do Centro Euro-Mediterraneo sui Cambiamenti Climaci, também contou com a participação dos professores Roberto Schaeffer e Pedro Rochedo, destaca a necessidade de se incluir análises de risco climático em caminhos de baixo carbono.
Então, os pesquisadores combinaram caminhos de mitigação com análise posterior de impactos físicos e econômicos, com abordagens estatísticas avançadas. Foi usado um grande conjunto de cenários gerados por IAMs, que exploraram cenários de fim-de-século (com overshoot) versus cenários de neutralidade de carbono sem overshoot.
Segundo os pesquisadores, os cenários de fim-de-século implicam pesadamente em emissões de carbono negativas até 2100, enquanto os cenários NZ (net zero, neutralidade de carbono sem overshoot) pressupõem a redução mais prematura de emissões e a patamares mais baixos. Como consequência, o pico do aquecimento global aconteceria antes, e seria menor, no cenário NZ do que no cenário de fim-de-século.
Como a temperatura global é a variável-chave para os cálculos, os pesquisadores agruparam os orçamentos de carbono de acordo com a temperatura a ser atingida em 2100: elevação provável de 1,5º C; 1,6º C, abaixo de 1,8º e abaixo de 2º C.
Foram produzidos indicadores para diferentes impactos das mudanças climáticas: calor extremo; demanda de energia; agricultura; e recursos hídricos, tanto em escala regional quanto global. O Brasil, junto com as regiões sul e oeste da África, está entre as localidades que serão mais afetadas por ondas de calor.
Os resultados do estudo confirmaram a importância de avaliar preferências intertemporais e de risco, ao analisar estratégias de mitigação alternativas. Limitar a temperatura de overshoot antecipando esforços de mitigação leva a uma série de benefícios climáticos a partir da segunda metade do século.
“O que o segundo artigo nos faz refletir é sobre os impactos dessa decisão de aceitar o overshooting, pensar quais os riscos físicos e custos de dano dessas duas estratégias”, explica Schaeffer. “Ter duas temperaturas iguais em 2100 não significa impactos ambientais iguais até 2100. Não há garantia de que a biodiversidade perdida ao aceitar o overshooting possa ser recuperada, não há certeza sobre o grau de reversibilidade das mudanças ambientais. Os ecossistemas mais sensíveis podem sofrer danos irrecuperáveis”, avalia o professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe.
Confira os artigos Cost and attainability of meeting stringent climate targets without overshoot e Net zero-emission pathways reduce the physical and economic risks of climate change, na íntegra, no site da Nature Climate Change.
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