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“As pessoas morrem e as agências só ficam falando”

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Soldados do governo somaliano e da União Africana em postos antes controlados pelo Al Shabaab.
Mogadíscio, Somália, 17/8/2011 – Já não se ouve com antes bombardeios e disparos nas ruas da capital da Somália. A surpreendente retirada do grupo radical islâmico Al Shabaab permitiu aos moradores circularem livremente e sem medo pela primeira vez em dois anos. Porém, muitos estão conscientes de que a paz atual pode não durar muito, já que os islâmicos prometeram regressar.

O fim dos combates na capital – metade da qual está controlada pelo governo somaliano com ajuda das forças de paz da União Africana – ainda não fez uma diferença nos esforços de ajuda às vítimas da fome. A retirada dos extremistas aconteceu enquanto milhares de refugiados por causa da seca e da fome no sul chegam a Mogadíscio em busca de comida, água, remédios e abrigo.

A Somália é um dos países mais afetados pela seca que afeta quase 11 milhões de pessoas no Chifre da África. A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou oficialmente a crise de fome no sul deste país. Contudo, as agências de ajuda ainda não entraram em áreas que estavam sob controle do grupo islâmico, vinculado à rede extremista Al Qaeda, e continuam trabalhando apenas em áreas de Mogadíscio administradas pelo governo somaliano.

Além disso, o governo pediu à população que se mantenha afastada dos locais abandonados pelos combatentes islâmicos, já que estes podem ter colocado bombas nesses lugares. Porém, ainda não está claro se, de fato, a retirada dos extremistas facilitará a assistência aos afetados no longo prazo.

“Só o tempo dirá se o grupo está acabado ou apenas foi seriamente ferido. Apenas seu desaparecimento poderá ajudar os esforços humanitários para as vítimas da seca e da fome no curto prazo”, disse à IPS o analista político Mohyadeen Abdi, de Mogadíscio. “A retirada, se for genuína, beneficiará os esforços para se chegar aos milhares de famintos que fugiram para Mogadíscio. No entanto, se os combates e a violência continuarem de outra forma, de nada adiantará”, disse, por sua vez, à IPS o conselheiro humanitário Ibrahim Yahya.

A ONU estima que quase cem mil refugiados devido à fome e à seca chegaram à capital nos últimos dois meses. Os esforços de ajuda finalmente chegaram a Mogadíscio quando agências internacionais e doadores do Golfo e a Turquia começaram a lançar alimentos de paraquedas. Porém, trabalhadores humanitários locais disseram que os víveres não são suficientes.

“Agora que os islâmicos pelo menos desapareceram da vista e do caminho, por que as agências estão gastando fortunas apenas para trazer umas poucas toneladas de ajuda em aviões quando podem trazer por navio?”, perguntou à IPS um trabalhador humanitário local que não quis se identificar. “Somente as embarcações cobrirão a grande e sempre crescente demanda”, acrescentou.

“Aqui as pessoas morrem e as agências simplesmente estão enviando ajuda em conta-gotas por aviões, quando são necessárias centenas de milhares de toneladas para alimentar os famintos e atender os moribundos. Acredite, as pessoas estão morrendo nos acampamentos enquanto as agências só ficam falando e falando”, acrescentou a fonte.

O grupo islâmico impede a população de abandonar áreas sob seu controle para buscar ajuda nos vizinhos Quênia e Etiópia, e inclusive em Mogadíscio. “Não tenho números exatos, mas estou certo de que o fluxo de refugiados para acampamentos fora do território do Al Shabaab está caindo. Sabemos que o grupo sempre impediu as pessoas de buscarem ajuda com os que consideravam inimigos”, as agências ocidentais, disse Yahya.

Em meio a esse cenário, moradores de Mogadíscio comemoram a partida do temido grupo radical. Várias famílias que haviam fugido da cidade há dois anos, quando começou a insurgência, regressaram aos seus antigos lares.

“O lugar está muito diferente. O mato e os arbustos cresceram ao redor das casas, inclusive da nossa. Algumas estão parcial ou completamente destruídas. Os explosivos estão por todos os lados e isso representa um perigo para nossos filhos se quisermos voltar. Não creio que traga minha família tão cedo”, disse à IPS Jama Hassan, pai de cinco crianças. Sua família agora vive na periferia de Mogadíscio junto com 1,5 milhão de pessoas que fugiram da violência na capital.

Analistas concordam que nas próximas semanas o Al Shabaab pode lançar uma nova onda de ataques terroristas na cidade. “Creio que o grupo continuará realizando ataques. Não estou certo de sua intensidade e o quanto serão mortais, mas eles têm combatentes que podem estar dispostos a realizar um último sacrifício por sua perversa causa”, disse à IPS o especialista político Mohamed Awal. De fato, o porta-voz da organização, Ali Mohamoud Rageh, havia anunciado no dia 7 que o grupo regressaria. “Não fomos. Voltaremos”, disse a uma emissora de rádio pró-islâmica.

Entretanto, o presidente somaliano, xeque Sharif Sheikh Ahmed, garantiu que suas forças e as da União Africana expulsaram os islâmicos de Mogadíscio e que os derrotarão em seu próprio território. Porém, o enviado da ONU à Somália, Augustine Mahiga, alertou, no dia 6, que o grupo não deve ser subestimado. “É importante reconhecermos que os verdadeiros riscos de segurança, inclusive de ataques terroristas, permanecem e não devem ser subestimados”, afirmou. Envolverde/IPS