Lisboa, Portugal, 19/8/2011 – Milhares de jovens portugueses alimentam cada vez mais um fluxo migratório nunca encerrado totalmente, mas que, devido à brutal crise econômico-financeira que afeta o país, se reforçou como alternativa com futuro. E o principal destino é o Brasil. Os novos imigrantes são, em sua grande maioria, jovens com diploma universitário ou técnicos especializados, aos quais seu próprio país não oferece espaço para desenvolvimento pessoal. Muitos saem incentivados pelo otimismo vivido no Brasil diante da desilusão e do fatalismo que se respira em Portugal.

O imenso investimento em educação feito por Portugal nas duas últimas décadas está indo para um saco sem fundo. E eles partem para o Brasil e, em menor proporção, para outras antigas possessões portuguesas, na África e Ásia. Para os menos qualificados, especialmente pequenos comerciantes, motoristas de caminhão, operadores de máquinas da construção civil, pedreiros e eletricistas, o Eldorado é Angola, onde o dinheiro do petróleo e dos diamantes desatou um dos maiores crescimentos econômicos do mundo.

Macau é outro destino que começa a se apresentar como preferencial para as vítimas da crise. Este enclave, que nunca foi colônia de Portugal, até dezembro de 1999, era oficialmente um “território chinês sob administração portuguesa”, por um acordo que perdurou durante cinco séculos. Além de seu próprio desenvolvimento e da presença de várias empresas lusas, Macau é uma porta de entrada para a China para investidores e comerciantes portugueses.

Contudo, é no Brasil que a maior identidade cultural os faz se sentirem como em casa. “É sair de Portugal, mas não parece ir para o estrangeiro”, disse à IPS Mafalda Assenção, formada pela Faculdade de Letras de Lisboa, que pretende emigrar. Também os contatos com a forte comunidade lusitana residente no Brasil fazem com que os jovens em fuga da recessão, que deprimiu o crescimento econômico de Portugal, vejam esse país como um norte promissor onde se fala o mesmo idioma.

A vantagem é imigrar para um país que é a oitava economia mundial, 94 vezes maior do que Portugal e com população 18 vezes maior e falando a mesma língua. Um mundo por conquistar e nada a perder em seu paralisado país, onde não encontram emprego nem subsídios. É uma grande vantagem em comparação com a Grécia, país de tamanho semelhante e com problemas de resgate econômico-financeiro inclusive maiores do que os de Portugal, e onde não se fala português.

Os demais países da União Europeia, até agora uma alternativa, deixaram de sê-lo devido ao ziguezague das finanças e a uma economia que está fazendo água por todos os lados. Em sua grande maioria – segundo recente reportagem do jornal Público, de Lisboa – são pessoas que vão aproveitar os três meses que o Brasil permite que permaneçam sem visto, para depois começarem a trabalhar sem os devidos documentos, já que os processos para obter residência são extremamente complicados.

Apesar de haver diferenças, os portugueses têm grande facilidade para imitar o sotaque brasileiro, ao qual estão acostumados pelo bombardeio de telenovelas nos últimos 35 anos, enquanto para um brasileiro é impossível imitar o português de Portugal. Este fator é de grande importância no período em que se encontram em situação irregular diante das autoridades. Os portugueses passam despercebidos em meio a uma população que não os considera estrangeiros.

O pesquisador Pedro Góis, da Universidade de Coimbra, explica que os portugueses no Brasil “não são estrangeiros, mas uma espécie de terceira categoria: existem os nacionais, os estrangeiros e os portugueses”. Os portugueses que chegaram ao Brasil nos últimos cinco anos diferem das grandes ondas de imigrantes das décadas de 1950 e 1960, quando “o perfil tradicional do imigrante, em geral, era de uma pessoa do povo”, afirmou o acadêmico brasileiro José Sacchetta Mendes, autor do livro “Laços de Sangue” (editora Fronteira do Caos, 2010).

Em sua obra sobre os imigrantes portugueses no Brasil, afirma que, “entre os qualificados, há dois tipos perfeitamente identificados: os engenheiros civis ou eletrônicos e os recém-formados em pós-graduação e doutorado, que vão desenvolver sua carreira acadêmica no Brasil, onde a educação superior apresenta gigantesco desenvolvimento”. Existe “uma necessidade de doutorados que o Brasil não está produzindo a um ritmo desejável e um diploma europeu ainda é muito valorizado”, afirma, por sua vez, Góis, destacando que, “de fato, estamos exportando mão de obra mais qualificada do que nas emigrações anteriores, porque a população portuguesa agora tem melhor formação”.

Fernando Castro, dono da tabacaria “O Amarelinho”, no Estoril, subúrbio de Lisboa, enviou seu filho João, de 22 anos, para continuar seus estudos odontológicos no Rio de Janeiro, porque, como disse à IPS, “em Portugal não se valoriza o mérito, não existe futuro neste país de ‘nós, os pobres’, que sempre esperamos viver de subsídios”. Os políticos portugueses “depreciam a educação e a criatividade. Só funciona o nepotismo proselitista e tudo em nome de um suposto modernismo. Para uma mãe e um pai, é difícil se separar de um filho, mas muito pior é ver que aqui não tem futuro”, ressaltou Castro.

Uma opinião compartilhada por Mafalda Assenção ao recordar a existência de “um exército de desempregados entre os que com esforço conseguiram terminar os estudos universitários, que, no final, não nos serve de nada neste país de pistolão e influência”. Entretanto, o Atlântico registra um permanente fluxo de ida e volta. Em Portugal, o Brasil domina a lista dos imigrantes, com 120 mil pessoas legalizadas, correspondentes a 26,81% do total de residentes estrangeiros, segundo dados deste mês do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

Os dados do SEF, explicou à IPS o presidente da assembleia geral da Casa do Brasil de Lisboa, Eduardo Tavares de Lima, “não contemplam os imigrantes ilegais, mas nossos cálculos extraoficiais mostram que em Portugal vivem e trabalham cerca de 200 mil brasileiros. Apesar da boa situação econômica brasileira, muitos decidem ficar, “porque se trata de mão de obra não qualificada, que trabalha no turismo, na hotelaria e na restauração, que podem ganhar melhor em Portugal do que no Brasil, país que precisa de profissionais universitários e técnicos altamente especializados”, disse Tavares.

Entretanto, há outro motivo fundamental para pais brasileiros continuarem com seus filhos em Portugal. Como é o caso da psicóloga brasileira Renata Cortiza, da diretoria da organização não governamental lusitana Cidadãos do Mundo. Ela é mãe de uma menina e dois meninos, com idades entre oito e 16 anos, e prefere um futuro incerto em Portugal a ver seus filhos crescendo com o estigma da violência no Brasil. “Estiva há pouco de férias no Brasil, onde poderia encontrar trabalho sem maior dificuldade. Porém, pelo que constatei em minha cidade, Salvador, na Bahía, continuam os atos de violência, roubos, assaltos a casas e automóveis, violações, assassinatos, todos os dias e a qualquer hora. Naturalmente, não quero esse ambiente para meus filhos”, disse Renata. Envolverde/IPS