A economia invisível da Amazônia

Há milênios centenas de povos habitam a Amazônia. Durante a história (uns diriam pré-história) os indígenas estabeleceram sistemas econômicos baseados no manejo dos ecossistemas naturais e em cultivos capazes não apenas de coexistirem com ecossistemas naturais, como também de enriquecê-los. Aliado a isto, desenvolveram redes de intercâmbios de produtos bastante sofisticados, como o Manako praticado por diversos povos dos Rios Purus e Juruá. Estes sistemas econômicos foram capazes de gerar grande abundância de produtos. Fr. Carvajal, cronista da expedição de Orellana, ao chegar numa aldeia no ano de 1540 escreve: “grande quantidade de carne, peixes e biscoitos, tudo com tanta abundância que era suficiente para alimentar uma força expedicionária de mil homens durante um ano inteiro” (CARVAJAL. Descubrimiento del Rio de las Amazonas).

Essa diversidade foi possível graças ao desenvolvimento de tecnologias de manejo e cultivo. Centenas, talvez milhares de espécies vegetais foram domesticadas, entre elas a macaxeira, o milho, o tomate, a batata, a pupunha e tantas outras. Também se criou tecnologia de utilização de diversos outros produtos como o açaí, a bacaba, o buriti e a copaíba.

Com o processo da conquista europeia, esta fartura parece ter deixado de existir gradativamente. Período após período, menos registros se fez sobre tal produção. Os registros da economia da Amazônia foram então se estabelecendo com base nos valores das exportações de produtos que tinham um “bum” e depois decaiam. Pouco se sabe sobre como as populações locais sobreviviam quando não estavam sendo exploradas por sistemas de produção para exportação dos produtos.

Alguém que se dedique a verificar com cuidado os dados históricos poderá ver que existe um paradoxo entre os dados econômicos oficiais e a situação de bem estar da maioria da população amazônica: quanto maior a economia, maior a fome e a degradação social.

Na atualidade, andando pelos recantos da Amazônia, se nota muitas zonas de bastante miséria. Mas também é possível encontrar muitos lugares onde a população consegue gerar abundância de alimentos e de alegrias, independente de estarem ligadas a mercados externos.

Extremamente acuadas pela pressão do capitalismo, as formas de produção que deram origem já naqueles tempos a tamanha fartura continuam a existir. O problema de sua invisibilidade é primeiro um desinteresse político de quem vê a economia apenas como crematística. Crematística é a arte de fazer dinheiro. “Como arte de adquirir, a economia se limita à obtenção dos bens necessários à vida e úteis à família ou ao Estado. ‘A verdadeira riqueza consiste nesses (leia-se nos) valores-de-uso’ […]. A crematística distingue-se da economia, por ser a circulação para ela a fonte de riqueza”. (Aristóteles apud MARX, O Capital, Livro I – O Processo de Produção do Capital). Um segundo fator é a falta de mecanismos e instrumentos de mensuração destas economias.

O fato dos economistas e dos governos fecharem os olhos para estas possibilidades de produção fora do mercado de exportação, e de não enxergarem as pessoas do interior do Estado como sujeitos e como gente com direitos, continua ampliando a miséria e a fome.

Essa situação precisa mudar. A visão meramente crematística não dá conta de atender as necessidades da sociedade como um todo e, em inúmeros casos, tira o direito de populações inteiras do acesso às condições básicas de vida digna. Além disto, tem causado profundos desequilíbrios ambientais que ameaçam inclusive a existência da espécie humana no planeta. “Não é possível que a economia vá bem se as pessoas estão mal e se a ecologia está ruim” (ALIER, Da Economia Ecológica ao Ecologismo Popular).

Diante da diversidade amazônica devemos, em especial os economistas, sermos criativos a ponto de criar formas de perceber e apontar caminhos que garantam segurança e esperança para um futuro bonito, alegre e de fartura.

* Publicado originalmente no site Adital.