A junção da crise climática com a crise financeira global leva à necessidade de uma profunda reflexão sobre o modelo econômico e civilizatório adotado pela maioria dos países da Terra.
A grave situação atual do mundo confirma Vinícius de Moraes: é impossível ser feliz sozinho. Mas como “estar junto” e “feliz”? Esta é a pergunta que está nas ruas, nas casas, nas empresas, nos corações e mentes dos cidadãos. Respondê-la é abrir as portas para um novo mundo, mais justo e solidário. O caminho, como no verso do poeta espanhol Antonio Machado, está sendo feito ao caminhar.
A inquietação dos manifestantes das ruas do Oriente Médio, da Europa e do Chile não é diferente daquela que está presente entre executivos e funcionários de empresas. Existe alguma coisa de muito estragada no modelo de civilização, que já não pode mais ser disfarçada por “perfumes”, ou seja, por ações contemporizadoras.
O que está acontecendo com a vida da gente e as certezas que temos? Não é simples de explicar e exige esforço para entender, mas é preciso encarar essa tarefa. Então, vamos lá.
Estamos vivendo duas crises combinadas e desiguais em intensidade e espaço temporal. Uma, de impacto planetário-civilizatório, ainda tem suas consequências pouco conhecidas. É chamada de “mudanças climáticas”. A outra, de modelo de desenvolvimento – e chamada de crise financeira –, emergiu com força em setembro de 2008, amainou um pouco em 2010, mas voltou em 2011, agora sob outros nomes – crise fiscal, da dívida pública, do orçamento, etc. –, mas uma mesma origem: as vultosas somas que os governos dos países centrais desembolsaram para salvar os bancos em 2008.
Esse dinheiro não voltou para a produção, a fim de gerar emprego, renda e impostos que reporiam as despesas. Esse dinheiro – público – foi usado pelos bancos para recompor a especulação financeira. Com isso, os governos agora não têm de onde tirar recursos para honrar seus compromissos com credores, com aposentados, com professores ou com os usuários de serviços públicos essenciais, que são os cidadãos comuns. O reflexo dessa escassez está nas ruas do Oriente Médio e da Europa.
Nenhum continente ou país está imune a qualquer das duas crises. Em alguma medida, todos sofrerão com elas, a menos que se entenda o que está ocorrendo e se consiga compreender que não haverá saída para um país isoladamente. Ou toda a humanidade encontra a solução, ou as crises vão se repetir a cada ciclo, cada vez mais profundas e mais dolorosas.
E a solução para a primeira crise passa pelo entendimento da segunda, que é a de que há uma incapacidade estrutural de os mercados darem conta das demandas socioambientais e econômicas, bem como de autorregulação e de transparência.
A sociedade está dando mostras de que não aguenta mais um modelo de desenvolvimento que não resolve as demandas mais corriqueiras e que gera enorme desigualdade social. O novo modelo desejado anda “suspirando no breu das tocas”, mas ainda não encontrou sua expressão mais acabada. Porque ele será uma construção coletiva de bem-estar e felicidade ou, simplesmente, “não será”.
Tempo da utopia
As empresas têm avançado um pouco mais na discussão de outro padrão de negócios, aprofundando também o debate sobre o que deve ser a sociedade que suporte esses negócios. Mas o tema é grande demais e não pode ficar circunscrito a nenhum segmento.
Definir novos padrões de consumo, produção, cultura e comportamento significa também discutir as novas fronteiras da liberdade individual, que, gostemos ou não, está no cerne do tamanho do impacto das crises. Abre-se, então, um novo espaço para a utopia – aquele lugar ideal onde todos queremos viver. Construir um novo modelo de desenvolvimento retoma o pensamento utópico relegado a segundo plano desde que alguns sábios decidiram que a História tinha morrido e que o deus mercado daria conta de tudo.
Como será essa sociedade nova que começa a ser desenhada em lugares tão díspares quanto a internet, a rua e o escritório de uma empresa? O consumo precisará ser encarado como um ato de cidadania, mais do que de satisfação de um “desejo” individual. E os produtos e serviços dele decorrentes deverá ser resultado de um processo de diálogo entre cidadãos e agentes produtivos. Donde pode decorrer uma democracia participativa, calcada em processos de diálogo bastante estruturados, capilarizados e abrangentes, para de fato dar voz e decisão a todos.
Os governos, portanto, serão muito mais agentes indutores de políticas públicas respaldadas pela sociedade. E as empresas, agentes operadores dessas políticas, em todos os níveis, suprindo as necessidades e demandas identificadas nesse processo constante de diálogo.
Economia verde, inclusiva e responsável
O mundo terá uma oportunidade de ouro para ao menos começar a estabelecer os alicerces do novo mundo: a Rio+20. Por isso, é tão importante a sociedade brasileira mobilizar-se para encaminhar propostas para esse encontro; mais do que isso, induzir a sociedade civil dos demais países a também se mexer para trazer ideias e propostas inovadoras – utópicas, não importa. Precisamos voltar a sonhar, porque no sonho tornamos possível o impossível e, aí, quando acordamos, achamos os meios para realizá-lo, já dizia um certo barbudo de Viena.
Outro barbudo, este alemão, fez uma afirmação que cabe bem aos revoltosos de hoje: revolta “contra” ou “a favor” não é revolução, não muda, a menos que haja uma “teoria” que dê sustentação à mudança. Pois é disso que se trata a Rio+20: um momento para dar alicerces mais firmes a uma teoria para mudar a economia – e a civilização – do Século 21.
Há um ponto de partida, no caso do Brasil, que é a Plataforma para uma Economia Verde, Inclusiva e Responsável. Ela própria uma construção coletiva de várias empresas que vem sendo refeita à medida que novos parceiros resolvem assumi-la e enriquecê-la com suas próprias visões de mundo.
* Publicado originalmente no site do Instituto Ethos.