Para quem estuda o cérebro, a resposta à pergunta que está no título é sim: a pobreza emburrece.
Apenas metade da inteligência de um indivíduo pode ser explicada pela herança genética, segundo estudo divulgado neste mês pela Universidade de Edimburgo, que envolveu cientistas de diversos países. O restante da composição do QI vem do ambiente em que se vive e dos estímulos educacionais recebidos desde o berço. Simplificando: um Einstein nascido na miséria, sem apoio para aprender, até seria inteligente, mas dificilmente um gênio. Alguém com potencial de ter uma alta inteligência torna-se apenas mediano. É como se um músculo deixasse de ser desenvolvido.
Chegou-se a essa conclusão depois de testes laboratoriais com 3.118 pessoas espalhadas pelo mundo. Imaginava-se que as forças externas seriam bem menores na formação do QI. Tradução: inteligência é uma habilidade que, em boa parte, se aprende, depende da família e das oportunidades na cidade.
É um ângulo interessante para ver a parceria, anunciada no dia 18, entre a presidente Dilma Rousseff e os governadores da região Sudeste de unificação de seus programas de complementação de renda para combater a pobreza, batizado de Brasil sem Miséria.
Menos miséria acarreta mais inteligência?
A pesquisa dos neurocientistas ajudou-me a ver por outro ângulo um dos projetos mais emocionantes que conheço (Ismart) no Brasil: jovens de baixa renda, a maioria deles vindos de comunidades pobres, são escolhidos e preparados para estudar em escolas de elite.
Quase todos eles costumam entusiasmar seus professores porque, apesar da adversidade extrema (muitos passam parte do dia no trajeto de ônibus até a escola), conseguem recuperar a cada ano o tempo perdido. Logo estão no mesmo nível de aprendizagem de seus colegas mais abastados e até os superam, entrando nas melhores faculdades.
Conheci vários desses jovens e tendia a atribuir sua performance à garra, a uma inteligência acima do normal, tudo isso, é claro, favorecido por escolas de qualidade.
O que impressiona a todos é a rapidez da evolução. O que aquela pesquisa da Universidade de Edimburgo traz é a suspeita de que, com tantos estímulos, desafios e apoio, a taxa de QI possa ter sofrido um upgrade, afinal, nessa fase, o cérebro ainda está em formação.
É, por enquanto, apenas uma especulação.
O que não é uma especulação é o caminho inverso, mostrando a relação entre pobreza e aprendizagem. Com apoio do Unicef, o Cenpec analisou, desde o ano passado, 61 escolas de São Miguel Paulista, região da periferia da cidade de São Paulo. Já sabemos que, em geral, quanto mais pobre um bairro, pior tende a ser a nota dos alunos.
Mas essa investigação foi mais longe. Analisou as escolas de uma mesma região, comparando alunos com semelhante posição socioeconômica. Detectou-se uma expressiva diferença segundo as peculiaridades de cada território, especialmente a oferta de serviços públicos em cada um deles.
Nos lugares com menos serviços públicos, as demandas sociais tendem a sobrecarregar mais as escolas e, com isso, afastam ainda mais os professores e as famílias que têm maior repertório cultural. Nesses locais, há menos oferta de creche e pré-escola, retardando o processo de aprendizagem.
Esses programas da renda mínima unificados (acertadamente) por Dilma e os governadores têm como contrapartida a permanência dos alunos nas escolas. Mas a subida da renda, a julgar pelas descobertas da pesquisa do Cenpec, será limitada à aprendizagem dos alunos se não houver um investimento e articulação nos territórios.
Nem será justo que se avaliem essas escolas com padrões semelhantes aos das demais, já que os professores, mesmo os mais capacitados, terão uma margem de manobra limitada.
Programas como o Bolsa Família são um bom exemplo de política para a redução da miséria. E, por isso, têm um efeito eleitoral, mas terão um baixo impacto educacional caso não se perceba o território como uma extensão da sala de aula.
Não pensar na educação como uma linha que passa pela família, pela escola e pela comunidade é falta de inteligência pública.
PS – Por falar em políticas públicas e territórios, será lançado no começo de setembro um aplicativo para celular por meio do qual as pessoas poderão, em tempo real, relatar suas impressões sobre a cidade. Gera-se, no final, um mapa das percepções de toda a cidade e seus problemas rua por rua. Desenvolvido pelo Movimento Mais Feliz, comandado pelo publicitário Mauro Montorin, o projeto deve ser encampado pelo Facebook para ter amplitude internacional.
* Gilberto Dimenstein é colunista e membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo, comentarista da rádio CBN, e fundador da Associação Cidade Escola Aprendiz.
** Publicado originalmente no Portal Aprendiz.