Quando pensei em abordar neste artigo a amizade literária, fiquei receoso por dois motivos. A saber: o primeiro é que não sou escritor, não tenho nenhum livro publicado nem em andamento, não tenho coluna em jornais, revistas, não sou conhecido no mundo dos amigos literários e nem em lugar algum; o segundo motivo, mais de ordem pessoal, é que fiquei a me indagar o motivo de não aceitar essas amizades ou de aceitá-las – confesso que de todo não as repudio, mas as julgo, humildemente, “fracas” justamente por se fecharem em círculos.

De fato, não ajudarei muito ou em quase nada os leitores que buscam uma resposta para não cultivar as amizades literárias, bem como não darei caminhos para os que pretendem “crescer” no mundo literário sem se prender a uma rede de amigos das letras. Antes, as palavras aqui são menos conselhos e diretrizes do que indagações deste autor.

Às rodas de amigos literários, não dou juízo de certo ou errado, longe destes conceitos que nos cegam, mas é preciso questionar até que ponto isto é válido e saudável às nossas letras. Recentemente, Danilo Venticinque e Luís A. Giron, citando o crítico literário Luiz Maffei, na revista Época, fizeram uma comparação tosca entre a produção portuguesa e a brasileira ressaltando que nossos irmãos europeus contemporâneos têm se destacado mais que os nossos escritores, por causa, além de outros quesitos, da ausência de camaradagem por lá.

Fidelidade sem senso literário

Como já alertei o leitor, não darei aqui diretrizes, não sou capacitado para tal, mas indagações pretendo despertar. Camaradagem aqui nas nossas letras hoje é tão comum que quem não faz dificilmente é “reconhecido” ou “conhecido”. Entretanto, se não temos uma obra e um autor contemporâneo no nosso imaginário cultural, em muito é também pela distância que a literatura, aqui, está do povo. Ainda estamos, enquanto leitores, descobrindo Alencar, revisitando o projeto nacionalista da literatura para autenticá-la, explorando Machado de Assis, conhecendo Lima Barreto, João do Rio, tentando entender o que aconteceu com o nosso “modernismo” e chegando a um Guimarães Rosa, Jorge Amado, avançando com uma Clarice Lispector e, puxando muito, chegamos até João Ubaldo, talvez.

Então, nosso povo caminha ainda carente de literatura, de entender o nosso cânon, o povo, leitor em formação, está mergulhado ou perdido, ainda, na pesquisa dessas escritas; mesmo dentro das universidades, ocorrendo trabalhos debruçados sobre a escrita contemporânea, os estudos sobre o passado permanecem como responsáveis pela maioria das dissertações e teses. Noutro caminho, é cedo para ativar os mecanismos de compreensão sobre a escrita do hoje, há de se fazer necessário o trabalho do tempo, separando para o futuro o joio do trigo, mas já é possível inferir suposições.

Voltando ao nosso caso particular das amizades literárias, não entendo muito por qual motivo uma pessoa que escreve romances, contos, poemas, crônicas, teatro e outros gêneros, não aceite de bom grado as críticas. Por outro lado, entendo muito menos os que se abstêm de emitir palavras de juízo sobre uma obra a pretexto de cultivar “amizade literária” e fortalecer grupos de escritores. É uma fidelidade que não faz uso do senso literário, por vezes nem critérios de juízo são usados.

Que falta fazem…

A literatura é um trabalho solitário que em muitos casos só um espectador toma conhecimento, o Eu. Mesmo escrevendo dentro de grupos literários, a escrita não é do grupo, ela pertence ao Eu – claro que este “eu” pode se tornar coletivo e ser associado ao grupo, mas ainda assim é fruto de um trabalho em solidão. Então por qual motivo este trabalho solitário do Eu requer tanto a aprovação do outro? É a glória literária? Deve ser, mas o escritor verdadeiro sabe dos seus “defeitos”, não adianta se enganar com a voz do outro.

Hoje, este trabalho solitário da escrita, muito antes do conhecimento do grande público e do crivo da crítica, já é consagrado como uma grande obra dentro dos grupos literários; eles são autores e críticos da sua própria produção, os círculos de amizade literária parecem ter essa função, eles não discordam uns dos outros, não há uma crítica que aponte um “erro vital”, tudo é perfeito, em todos. Essa perfeição na escrita contemporânea é o que mais inquieta. Tudo que se produz é bom.

Mas não é somente aos olhos das rodas literárias que tudo é bom. Os críticos que estão fora dos grupos literários também se omitem a apontar o “erro vital” de uma obra; quem aponta é tachado de polemista ou desentendido de literatura. Os críticos, em parte, se omitem de opinião quando não gostam da obra, outros repetem o que já vem sendo dito; interessante mesmo é que ambos, críticos e autores contemporâneos, parecem ter fechado um pacto, não é todo mundo que ali entra. Além de não figurar um nome sequer da nova geração – termo inexpressivo na literatura – no imaginário cultural brasileiro, não há número significativo de escritores de outros locais do país que não sejam São Paulo e Rio de Janeiro. Será que para a crítica atual o resto do país não escreve? Não há autores espalhados pelo Norte e N ordeste? Não há escrita digna do termo contemporânea fora de São Paulo? É, e assim continuamos a “aplaudir” as obras dos amigos literários. Que falta fazem os “inimigos” literários que discutiam literatura no bar…

* Chico Arruda é mestrando em Literatura Brasileira, professor e cronista.

** Publicado originalmente no site Observatório da Imprensa.