Nas últimas semanas, acompanhamos indignados mais um resultado da cultura de desigualdades do Brasil. O caso Americanas é emblemático. Em janeiro vieram à tona as tais “inconsistências contábeis”, que escondiam uma dívida de R$ 20 bilhões nos balanços da empresa. A política predatória praticada pela rede varejista é velha conhecida.
A partir de informações entregues à Comissão de Valores Mobiliários, em 2021, a Americanas aparece como segunda empresa com a maior diferença entre a remuneração média anual dos CEOs e a média anual paga aos demais funcionários.
O presidente executivo da companhia recebeu R$ 12,83 milhões no acumulado do ano; 431 vezes a média acumulada dos funcionários, de R$ 29.760. O salário mensal do CEO da Americanas, em 2021, foi superior a R$ 1 milhão, enquanto os demais funcionários receberam por mês, em média, R$ 2.480.
Como em muitos casos semelhantes, a irresponsabilidade social se virou contra a própria Americanas, e os resultados agora estampam as manchetes dos jornais.
A desigualdade causa sentimento de injustiça e provoca desarmonia. E o sucesso de qualquer coletivo humano depende da harmonia entre as pessoas. Extremas desigualdades de salário e renda no Brasil também apontam holofotes para outros 87 CEOs de empresas listadas no Ibovespa em 2021. Em média, cada um recebeu R$ 12,57 milhões, enquanto o gasto médio anual com cada funcionário foi de R$ 192.570.
Os formulários apresentados à CVM registraram disparidades salariais estratosféricas. Da lista de 88 CEOs, cinco faturaram juntos mais de R$ 270 milhões em 2021. O que representam esses valores? Anotem: cada um dos cinco ganhou de R$ 52 milhões a R$ 59 milhões, uma média de R$ 54,5 milhões como remuneração anual, ou mais de R$ 4,5 milhões por mês.
Isso significa que cada um teve ganho diário de R$ 150 mil. Esses CEOs receberam em cada hora do dia o valor de quase cinco salários mínimos, mesmo enquanto dormiam. O valor representa cerca de 13 vezes o ganho mensal declarado por 63 milhões de brasileiros na pesquisa-base do Mapa da Fome da Fundação Getulio Vargas, de R$ 497.
A desigualdade discrepante de salário é vexatória e constrangedora. Deve ser avaliada observando a legião de pessoas que enfrentam pobreza e miséria. Tais diferenças aceleram a escalada da concentração da renda. Quase 49% de todas as riquezas estão sob o guarda-chuva e nos cofres dos mais ricos. Mudando a leitura desse dado, podemos afirmar que 1% dos brasileiros concentram quase metade das riquezas do Brasil.
As empresas têm grande poder de dar exemplo e devem colocar a redução da desigualdade também como política interna importante. Quanto mais poder, mais responsabilidade.
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e figura entre os mais ricos. Isso é uma vergonha para todos nós. Uma sociedade de desiguais é também um ambiente de conflitos. As empresas têm grande poder e influência na nossa sociedade e, portanto, não podem se eximir da responsabilidade no enfrentamento das desigualdades. Nunca deixaremos de ser um dos países mais desiguais do mundo sem a participação das empresas na solução. E não no problema.
Isso passa por ter uma cultura empresarial que gere valores na sociedade, que esteja engajada com causas transformadoras e que possibilite mais oportunidades para todas e todos. Hoje, olhamos a escravidão que houve no país e temos repugnância em relação ao que ocorreu em solo brasileiro. Daqui a alguns anos, olharemos para trás e nos perguntaremos: como aceitávamos como natural uma sociedade com tamanhas desigualdades? Comecemos já a mudar nossa História.
*Caio Magri é presidente do Instituto Ethos*Oded Grajew é presidente emérito do Instituto Ethos